Na primavera de 2002, quando crescia o escândalo dos abusos sexuais cometidos por padres católicos, a longa carreira do arcebispo Rembert G. Weakland, de Milwaukee, uma das mais respeitadas vozes defensoras de mudanças, foi incinerada em uma manhã de maio.

No programa da rede de televisão ABC, “Good Morning America”, o arcebispo viu um homem pelo qual ele se apaixonara 23 anos antes afirmar em uma entrevista que a Arquidiocese de Milwaukee lhe havia pago US$ 450 mil anos antes para que não falasse sobre o relacionamento que teve com o arcebispo – uma relação que o homem agora classificava como “date rape” (atos sexuais não desejados cometidos por pessoa conhecida, realizados por meio da força, ameaças ou o uso de drogas).

No dia seguinte, o Vaticano aceitou a aposentadoria do arcebispo Weakland.

O arcebispo, que era uma referência intelectual para os reformadores da igreja, pouco falou publicamente desde então. Mas, agora, em uma entrevista e em um livro de memórias que deverá ser publicado no mês que vem, ele conta como a política interna da igreja afetou a sua resposta às consequências do relacionamento; como os bispos e o Vaticano preocupavam-se mais com os direitos dos padres que cometiam abusos do que com as vítimas; e por que os ensinamentos católicos sobre a homossexualidade são incorretos.

“Se afirmamos que o nosso Deus é um deus que ama a todos, como explicar que provavelmente 400 milhões de indivíduos que vivem no planeta são gays? Será que as religiões do mundo, como o catolicismo, estão dizendo a essas centenas de milhões de pessoas que elas terão que passar a vida inteira sem qualquer expressão física e genital desse amor?”

Ele diz que estava consciente da sua orientação homossexual desde que era adolescente, e que a suprimiu até tornar-se arcebispo, quando teve relacionamentos com vários homens devido “à solidão que se tornou muito forte”.

O arcebispo Weakland, 82, diz que provavelmente foi o primeiro bispo a assumir voluntariamente o homossexualismo. Ele afirma que não fez isso para justificar as suas ações, mas sim para apresentar um relato honesto daquilo que ocorreu e para gerar questionamentos quanto ao ensinamento da igreja de que a homossexualidade é “objetivamente anormal”.

“Estas palavras são ruins porque são pejorativas”, diz ele.

A autobiografia do arcebispo Weakland, “A Pilgrim in a Pilgrim Church” (“Um Peregrino em uma Igreja Peregrina”), que será lançada pela editora William B. Eerdmans Publishing Company, fala sobre a sua juventude pobre na Pensilvânia, a eleição para o cargo de líder mundial da Ordem Beneditina, e a sua designação pelo papa Paulo 6º para a cadeira de arcebispo em Milwaukee, onde atuou por 25 anos.

“Ele foi um dos líderes mais talentosos da igreja pós-Vaticano 2º nos Estados Unidos”, afirma o reverendo Jim Martin, padre jesuíta e editor associado da revista católica “America”. “Weakland era sem dúvida adorado pela esquerda, e, infelizmente, isso forneceu mais munição aos seus críticos”.

Em uma entrevista no Centro Arcebispo Weakland, que abriga os escritórios da catedral arquidiocesana no centro de Milwaukee, o arcebispo Weakland disse que a igreja abriu-se para mudanças nas décadas de sessenta e setenta, após o Conselho Vaticano Segundo, mas que se tornou cada vez mais centralizada e doutrinariamente rígida com o papa João Paulo 2º.

O arcebispo Weakland foi um dos que questionaram publicamente a necessidade de um sacerdócio celibatário exclusivamente masculino. Ele também liderou os bispos norte-americanos em um processo de dois anos de redação de uma carta pastoral sobre justiça econômica, tendo organizado palestras sobre o assunto por todo o país.

Ele afirma que uma tentativa posterior dos bispos norte-americanos de divulgar uma carta pastoral sobre as mulheres foi esmagada pelo Vaticano porque a instituição não desejava delegar às conferências nacionais de bispos a autoridade de emitir documentos amplos de instrução.

O arcebispo diz que foi em parte devido à sua relação estremecida com o papa João Paulo 2º que ele não disse nada às autoridades do Vaticano, em 1997, quando sofreu a ameaça de um processo por parte de Paul J. Marcoux, o homem com quem manteve um relacionamento quase 20 anos antes, e que aparecera no programa “Good Morning America”.

Marcoux disse que foi privado da renda vinculada ao marketing de um projeto que ele chamou de “Christodrama” devido à interferência do arcebispo Weakland. O arcebispo afirma que provavelmente deveria ter ido a Roma e explicado que mantivera uma relação com Marcoux, que acabara com esse relacionamento ao escrever uma carta carregada de emoção, e que Marcoux ainda possuía, e que os seus advogados consideravam as ameaças de Marcoux uma chantagem.

Mas, segundo o arcebispo, um amigo dele que tinha um alto cargo em Roma lhe disse que as autoridades da igreja preferiam que fatos desse tipo fossem abafados, no “estilo romano”.

“Para ser franco, eu também suponho que naquele momento não gostaria de ser rotulado de gay em Roma”, afirma o arcebispo Weakland. “Roma é uma pequena vila”.

Ao ser perguntado se arrependeu-se do pagamento de US$ 450 mil a Marcoux, ele afirma: “Certamente me preocupo com essa quantia”.

Na manhã de 2002 em que Marcoux apareceu em uma rede de televisão de âmbito nacional, o arcebispo Weakland telefonou para o representante do papa, ou núncio apostólico, em Washington – o arcebispo Gabriel Montalvo – que, segundo ele, lhe disse: “É claro que você vai negar”.

O arcebispo Weakland conta ter dito ao núncio: “Embora eu possa negar enfaticamente que o relacionamento tratou-se de date rape, não posso negar que houve algo entre nós” (o arcebispo Montalvo morreu em 2006).

O arcebispo Weakland ainda não se conforma com o fato de o seu escândalo, que envolveu um homem de mais de 30 anos, ter sido vinculado ao escândalo mais amplo da igreja referente ao abuso sexual de crianças.

Mas, àquela época, muitos católicos em Milwaukee afirmaram ter ficado mais furiosos com o acordo financeiro secreto feito com Marcoux do que com o relacionamento sexual.

O arcebispo Weakland e a Arquidiocese de Milwaukee são também alvos de vários processos judiciais acusando-os de não terem removido padres que cometiam abusos, possibilitando assim que mais menores de idade tornassem-se vítimas.

Na entrevista, ele culpou os psicólogos por terem dito aos bispos que os perpetradores de abusos sexuais poderiam ser tratados e retornar ao trabalho, e criticou os tribunais do Vaticano por terem passado anos debatendo se destituiriam do sacerdócio os padres que cometeram abusos. Segundo ele, em um dos casos, os tribunais do Vaticano demoraram tanto a decidir se destituiriam um padre que cometeu abusos sexuais contra dezenas de estudantes surdos que o perpetrador morreu antes que se chegasse a uma decisão.

“Havia maior preocupação com os padres do que com as vítimas”, afirma o arcebispo Weakland.

Em Milwaukee, Peter Isely, diretor no Meio-Oeste da Rede de Sobreviventes de Abusos Cometidos por Padres, diz que o arcebispo Weakland traiu a sua comunidade.

Isely observa que, enquanto o arcebispo Weakland aguardava que os tribunais do Vaticano destituíssem os padres que cometeram abusos, ele permitiu que esses indivíduos continuassem atuando no sacerdócio sem alertar aos paroquianos sobre o passado desses padres. E ele diz que o pagamento de US$ 450 mil foi particularmente perturbador para as vítimas, porque muitas delas “não receberam nenhuma indenização”.

Em junho, o arcebispo Weakland, que mora em uma comunidade de aposentados católicos desde que renunciou, irá se mudar para a Abadia de Saint Mary, em Morristown, no Estado de Nova Jersey. Ele diz que lá ficará mais perto da sua família que está na Pensilvânia, e, à medida que for ficando mais idoso, receberá os cuidados de uma comunidade de monges beneditinos.

Fonte: The New York Times

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