A comunidade muçulmana indiana, a segunda maior do mundo, não é mais imune à ideologia da Al Qaeda.
Um novo atentado antimuçulmanos, no próprio interior de uma mesquita do século 17, em Hyderabad, matou onze pessoas e feriu gravemente cerca de trinta, em 18 de maio, nesta cidade do centro-sul da Índia. Este novo ataque, que se sucede ao atentado de setembro em Malegaon – cujo balanço foi de 31 mortos -, provocou um motim no qual se enfrentaram a polícia e várias centenas de jovens, os quais faziam parte da multidão de 10.000 fiéis que estavam reunidos neste local para a prece da sexta-feira. Duas outras pessoas foram mortas nesses enfrentamentos, enquanto a polícia descobriu dois outros artefatos explosivos dentro da mesquita.
Rajasekhara Reddy, o ministro em chefe da região de Andhra Pradesh, onde fica Hyderabad, denunciou imediatamente uma “sabotagem intencional contra a paz e a tranqüilidade que reinam no país”. Terá sido uma mera declaração de efeito? Em todo caso, este novo atentado e os movimentos de revolta que se seguiram a ele acabaram renovando os temores, recorrentes na Índia, e principalmente em Hyderabad, de que estariam por vir enfrentamentos mais freqüentes entre a maioria hinduísta da Índia e a minoria muçulmana.
No entanto surgiu um novo problema: a comunidade muçulmana indiana, que é a segunda maior do mundo com 140 milhões de membros (numa população total de 1 bilhão de indianos), poderia não ser mais tão imune do que no passado à ideologia da Al Qaeda e do seu fundador, Osama Bin Laden. Enquanto nenhum indiano muçulmano nunca esteve envolvido em nenhuma operação relacionada ao extremismo islâmico, as prisões de jovens muçulmanos locais, suspeitos de terem perpetrado vários atentados sangrentos recentes na Índia, despertaram um fantasma: ao que tudo indica, haveria uma participação local do pan-islamismo militante.
O primeiro-ministro, Manmohan Singh, e a presidente do Partido do Congresso, Sonia Gandhi, dispararam o sinal de alarme. Manmohan Singh insistiu sobre a necessidade de se dar aos muçulmanos um maior espaço dentro da sociedade, e em particular no quadro dos dispositivos de segurança. De fato, o Raw (Research Analyse Wing, serviço indiano de inteligência) não tem um único muçulmano entre os seus funcionários, enquanto o Intelligence Bureau (serviço de vigilância do território) conta muito poucos deles.
Além dos problemas operacionais que esta carência ocasiona atualmente, ela evidencia, sobretudo, a desconfiança em relação a uma comunidade que optou por viver na Índia no momento da Partição, em 1947 (Partilha da ex-Índia britânica em duas nações independentes, a Índia e o Paquistão). “A história dos sessenta últimos anos nos diz que o medo vis-à-vis da minoria muçulmana estará sempre presente”, afirma Animesh Roul, um pesquisador na Sociedade para Estudos sobre a Paz e os Conflitos. Embora eles nem sempre o confessem abertamente, muitos indianos compartilham este sentimento, e os muitos anos durante os quais os nacionalistas hindus do BJP (Partido do Povo Indiano) estiveram no poder em nada contribuíram para melhorar a situação.
Esta desconfiança alimenta rancores que, até agora, estiveram circunscritos aos assuntos interiores “indianos”. Mas diversos eventos radicalizaram uma parcela da comunidade muçulmana que se tornou mais sensível às sereias do pan-islamismo. “A demolição da mesquita de Ayodhya (em 6 de dezembro de 1992) provocou uma reviravolta”, explica Wilson John, da fundação de pesquisas ORF (Observer Research Foundation). “Os muçulmanos ficaram profundamente perturbados, nem tanto pela destruição da mesquita, e sim, muito mais pela incapacidade do Estado de proteger este lugar e impedir os extremistas hindus de massacrarem muçulmanos”.
Cerca de 1.700 pessoas, em sua maioria de confissão muçulmana, foram mortas, entre outros em Bombaim, a capital econômica da Índia, por ocasião dos motins inter-religiosos de dezembro de 1992 e janeiro de 1993. Dez anos depois dos atentados de Ayodhya, 2.000 muçulmanos foram vítimas de motins no Estado do Gujarat, fomentados com a cumplicidade do governo nacionalista hindu. Este massacre teve o efeito de dar um novo impulso aos radicais, em meio ao contexto geral do pós-11 de setembro, no qual, conforme explica o professor Imtiaz Ahmad, “os muçulmanos eram suspeitos”.
Ao que tudo indica, foi depois dos eventos de Ayodhya que os ativistas do Movimento Islâmico dos Estudantes (Simi) começaram a se organizar, no Estado do Maharashtra. “Foi então que nos assistimos ao nascimento de um extremismo islâmico”, afirma Wilson John. Proibido em 2001, o Simi havia sido fundado em 1977, inicialmente como um movimento de quadros destinado “a fornecer à comunidade muçulmana, intelectuais instruídos e abertos”, segundo explica Mohammad Yasim Patel, um advogado do movimento, que foi condenado a sete anos de prisão, segundo ele, por ter colado cartazes.
Amplamente financiado pela Arábia Saudita, o Simi cultivava relações com movimentos islâmicos baseados no Paquistão, no Bangladesh e em vários países do Golfo. Alguns dos seus dirigentes aproveitaram da sua presença na Arábia Saudita, nos anos 1990, para recrutar militantes em meio aos milhares de muçulmanos indianos que trabalham neste país. Ativo em vários Estados indianos, o Simi não escondia a sua admiração por Bin Laden. Em todos os atentados recentes, a polícia indiana apurou o envolvimento de veteranos do Simi, os quais ela acusa quer de terem ajudado executantes vindos do Paquistão, quer de terem se submetido a treinamentos neste país.
Incontestável, será que o apoio de Islamabad aos muçulmanos da Caxemira, que lutam pela incorporação deste Estado de maioria muçulmana ao Paquistão, foi estendido a todos os fiéis indianos? Na Índia, muitos são aqueles que acreditam nisso. “Já faz dezenas de anos que o Paquistão envia agentes provocadores para cá, fornecendo-lhes recursos e meios”, afirma Ajai Sahni, o diretor geral do Instituto para a gestão dos conflitos. “Em todas as sociedades, vocês sempre encontra pequenos grupos dispostos a transformar rancores em violência”, diz.
Mais discreto, mas possivelmente mais marcante no longo prazo, o papel que a Arábia Saudita exerce na radicalização da comunidade é também enfatizado pelos observadores. “Ao longo dos últimos 25 anos, os sauditas tentaram muito seriamente propagar a sua visão salafista e wahhabita (rigorista) do Islã”, afirma o professor Imtiaz Ahmad. “Os oulemas [chefes espirituais] salafistas, que beneficiaram repentinamente de fartos meios, ajudaram a modelar um estado de espírito muito estreito e muito rígido”, acrescenta. “O Simi e o Tablighi Jamaat, que exercem uma influência substancial sobre a baixa classe média, podem criar um meio-ambiente politicamente receptivo à jihad”, diz ainda Ajai Sahni.
Fundado na Índia em 1927, por um religioso da escola “deobandi” (fundamentalista), com o objetivo de doutrinar melhor os indianos recém convertidos ao islamismo, o Tablighi Jamaat diz ser um movimento apolítico de pregação, mas ele é amplamente considerado como uma poderosa agência de recrutamento a serviço do extremismo. O Tablighi Jamaat mantém uma rede de escolas corânicas (madrasas) tais como a Jahma Rahmania Tajweed Ul-Kuran em Nangloi, na periferia norte de Nova Déli. Com as suas poças de água pútridas, as suas ruas poeirentas e detonadas, e as suas casas em quincunce, Nangloi está distante da Déli do século 21, e a madrasa apenas reflete a situação deste bairro desfavorecido. Nela, 280 crianças, das quais 135 pensionistas vindos de diferentes Estados indianos estudam. “Em Déli, o Tablighi Jamaat conta 400.000 membros”, afirma Mohammad Lukman, o diretor da escola.
No bairro muçulmano de Nizamuddin-Oeste, em Nova Déli, ninguém admite conhecer o local onde todos se reúnem. “O Tablighi Jamaat não possui nem endereço, nem um centro oficial”, afirma um dos seus membros: “Todo mundo se comunica por telefone”. Na sua madrasa, Mohammad Lukman confessa estar com medo. “O que podemos fazer? Se um dos nossos filhos fizer algo errado, é a nossa comunidade como um todo que é condenada. Quando nós recorremos às autoridades, elas nos acusam de estar alimentando a violência nas madrasas. Os muçulmanos não têm condições para defender os seus direitos, porque mesmo se eles disserem a verdade, esta será interpretada em detrimento deles”, acrescenta.
“As madrasas, das quais existem 15.000 na Índia, em sua maioria, deobandi, fornecem uma educação convencional, na qual não existe espaço algum para o espírito crítico, e formam mulás [sacerdotes] conservadores”, afirma o professor Ahmad. Este sublinha ainda que apenas “1,5% a 2% das crianças muçulmanas estudam nas madrasas”. Estas são fortemente financiadas pelos meios de negócios muçulmanos. “Muito generosos, os empresários e executivos muçulmanos não desejam de maneira alguma apoiar o terrorismo, mas o dinheiro doado pode ser desviado para fins extremistas”, explica Imtiaz Ahmad. As fitas de áudio e vídeo de Osama Bin Laden ou do seu adjunto, Ayman Al-Zawahiri, são facilmente acessíveis na Índia. “Nós não temos o direito de falar disso”, afirma simplesmente Omar, um estudante da madrasa de Nangloi.
“O pan-islamismo não alcançou o ponto em que os extremistas indianos teriam um vínculo direto com a Al Qaeda”, afirma o doutor Subhas Kapila, um consultor do Grupo de Análises da Ásia do Sul. “Mas, neste momento, a Índia se encontra sitiada”, diz. “Se o governo fracassar em examinar certas reivindicações da comunidade muçulmana, eu penso que o extremismo islâmico irá se desenvolver e operar uma guinada rumo ao terrorismo”, afirma Wilson John. “O governo não deveria tratar todos os muçulmanos como terroristas, pois se ele proceder desta forma enfrentará enormes problemas”, acrescenta.
Por enquanto, segundo os especialistas, as células islâmicas extremistas ainda estão isoladas umas das outras, e não se pode falar de uma verdadeira rede. Mas a multiplicação dos incidentes – 75 apenas em Nova Déli, que envolveram grupos islâmicos entre 2004 e 2006, segundo Ajai Sahni – e as apreensões cada vez mais freqüentes de armas e de explosivos refletem, segundo eles, uma atividade crescente. Limitado a uma ínfima minoria de muçulmanos, o pan-islamismo militante penetrou na Índia.
Assim, conforme afirmava M. K. Subramanian, um membro do Conselho Nacional de Segurança, nos dias que se seguiram aos atentados de Mumbai, em julho de 2006 (200 mortos): “Vocês não podem excluir a presença de simpatizantes locais da Al Qaeda”.
Fonte: Le Monde