Centenas de homens, meninos e idosos xiitas de várias cidades ao sul do Líbano desafiaram a proibição determinada pelo clérigo Hassan Fadlallah e desfilaram pelas ruas da cidade de Nabatiye, no sábado, para comemorar um festival muçulmano com os rostos cobertos de sangue.
Cerca de 20 mil pessoas acompanharam as festividades de Ashura, em que muçulmanos xiitas relembraram a morte do neto do profeta Maomé, o imã Hussein ibn Ali, no ano 680 D.C.
À medida que se chegava perto da praça central da cidade, os cantos religiosos ficavam mais altos. Um forte esquema de segurança foi montado. Soldados e veículos militares cercaram o perímetro para evitar distúrbios.
Mas os turistas que viajaram os 73 km desde a capital Beirute para ver o festival talvez não imaginavam que o ritual da Ashura fosse forte demais para os olhos ocidentais. Centenas de homens, meninos e idosos desfilavam pelas ruas ao redor da praça da cidade com os rostos cobertos de sangue. Eles desobedeceram a proibição determinada por Fadlallah e cortaram suas testas com navalhas ou facas para marchar e cantar o nome de Hussein.
Rituais A Ashura é comemorada pelos xiitas por dez dias, período no qual as pessoas se vestem de preto e há encontros e palestras islâmicas. No último dia, acontecem os rituais de martírio, em que cada xiita bate com suas mãos contra o peito e gritam cantos religiosos.
O hábito de se cortar com navalhas e sangrar é visto como um gesto extremo de flagelação.
No Irã, o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do país, proibiu o ritual com sangue. Mas, no Iraque, como na cidade de Kerbala, onde está localizada a tumba de Hussein, os xiitas ainda praticam o ritual.
Em Nabatiye, grupos de jovens desfilavam em frente à multidão cobertos de sangue e com suas palmas batiam contra a cabeça gritando “Ali”. Alguns seguravam espadas, outros navalhas. Quando sentiam que o sangramento parava, cortavam suas testas um pouco mais. Sangrar, para eles, era um sinal de respeito.
Cheiro Em uma esquina, um casal assistia horrorizado ao espetáculo. A norte-americana Jessica Dheere e o libanês Mohamed Najem são casados. Ela é cristã, ele é xiita, e ambos vieram pela primeira vez ao festival.
Mesmo muçulmano, Najem jamais imaginou que o ritual fosse lhe causar tanta surpresa.
“Eu vim por causa da minha esposa, ela queria muito assistir. Eu nunca fui religioso e não gosto desta prática”, disse ele.
Mesmo ao ar livre, era possível sentir o cheiro de sangue, e o que era curiosidade, se tornou uma repulsa para Dheere.
“Acho que quando vemos pela televisão a impressão é outra, mais exótica. Mas ver pessoas se cortando ao vivo me chocou muito. Achei fanatismo demais”, enfatizou ela.
Em uma área foi construído um palco, onde atores atuavam em uma peça que recriava a morte de Hussein.
Grupos de xiitas chegavam por várias partes, alguns tocando tambores, outros batiam ainda mais desesperadamente com as palmas das mãos contra o peito e cabeça.
Doação Mas o ritual da Ashura também fez vítimas, geralmente pessoas que perderam muito sangue. Em alguns pontos da praça, várias ambulâncias estavam de prontidão para atender os casos mais graves.
Tendas foram montadas para que voluntários e paramédicos atendessem pessoas com lesões leves. Mas outros procuravam as tendas para esterelizar navalhas e facas destinadas ao ritual.
A Cruz Vermelha montou um esquema para doação de sangue como parte da Ashura, uma alternativa menos drástica ao ritual.
O festival foi realizado em algumas outras cidades xiitas no Líbano.
No sul de Beirute, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, fez um discurso para centenas de milhares de pessoas para lembrar a Ashura, mas sem ritual de sangue.
Embora reconhecidamente mais xiita, a Ashura já foi comemorada nos primeiros anos das comunidades muçulmanas sunitas como o marco de dois eventos – o dia em que Noé deixou sua Arca e a libertação dos israelitas no Egito pelo profeta Moisés.
Fonte: BBC Brasil