Para muita gente, 2023 já vai tarde. Guerras, catástrofes climáticas, administração pública ineficaz, problemas financeiros, aumento de doenças relacionadas à saúde mental, enfim, um ano para esquecer. Contudo, também houve vitórias, conquistas e bênçãos. E é exatamente o lado positivo da história que gera, em cada cristão, a esperança de dias melhores. Mas o que aguardar de 2024, em especial, em setores basilares da sociedade, como família, política, missões e, claro, a igreja?
O site cristão Comunhão ouviu três lideranças de expressão nacional que fizeram um balanço de 2023 e opinaram sobre o que vem pela frente em áreas como família, política, missões e igreja.
Antes de fazer qualquer prognóstico para o que virá é importante, porém, avaliar o que passou. De acordo com o pastor, escritor e terapeuta familiar Josué Gonçalves, 2023 foi o ano da retomada das atividades da igreja após a pandemia, principalmente em relação à frequência presencial aos cultos.
“Os irmãos voltaram gradualmente a se envolver nas atividades da igreja, participando e desfrutando da comunhão, dos cultos e das terapêuticas atividades da comunidade dos crentes.
A frequência agora está em suave crescimento. Com relação aos dízimos, tivemos uma redução na época da pandemia e, assim como a frequência, foi gradativamente voltando aos padrões pré-pandemia”, ressaltou Gonçalves.
Mas para o teólogo, professor, escritor e Ph.D. em Ciências da Religião Lourenço Stelio Rega, o ano de 2023 ajudou a fortalecer um tipo de igreja que precisa ser olhado com muita atenção. “Vejo a semeadura de dois movimentos de igrejas emergentes no Brasil: primeiro, a igreja de consumo e entretenimento, em que o culto deixa de ser adoração para ser ‘aeróbica gospel’ e Deus passa a ser uma espécie de ‘personal guru’, que resolve as mazelas da vida dando um projeto legal a cada um; e segundo, a igreja de consumo cultural, em que a cosmovisão pós-moderna de que o ser-indivíduo é bom por natureza, e que deve ser incluído em seu meio, seja qual for sua condição, sem necessidade de transformação de vida”, alerta Rega.
Com mais de 40 anos de ministério, o pastor, escritor, doutor em Psicanálise, presidente da Igreja Batista Getsêmani e do Conselho de Pastores do Estado de Minas Gerais (CPEMG), Jorge Linhares, diz que a própria igreja tem sentido a necessidade de consagração, principalmente, dos seus líderes. “A minha avaliação da igreja é que ela tem que ser ‘luz’.
Como viajo pelo Brasil e falo para muitos líderes, então, posso falar: há um temor, um clamor das ovelhas por homens santos no altar”, afirma.
Mesmo assim, a expectativa em relação à igreja e boa, mas com muitos desafios. “Nossas expectativas são de que o Senhor alcançará dezenas de milhares, semanalmente; que ele restaurará mais casamentos, aproximará pais de filhos e filhos dos pais.
Ele trabalhará poderosamente e nós, pela graça dEle, trabalhamos também. Que Ele nos encontre cuidando da obra, quando voltar em glória!”, acredita o pastor Gonçalves.
Para Stelio Rega, o grande desafio da igreja no ano que vem é exatamente retornar à sua visão original, resgatar suas origens missionárias e voltar ao “primeiro amor”. “A igreja precisa redescobrir o seu papel como uma comunidade atrativa de contraste, para mostrar o que é a vida diante do plano de Deus para o mundo, que foi rompido na queda. A palavra-chave é redescobrir o seu papel na Missio Dei, como uma comunidade atrativa e de contraste diante do mundo e da cultura mundana”, defende o teólogo.
Na avaliação do pastor Jorge Linhares, é o momento de a igreja voltar a assumir o seu papel como porta-voz de Deus a este mundo, um lugar de comunhão dos santos.
“Portanto, a igreja precisa cumprir o papel profético dela. Isso é ir muito além do que um coach ou de pensamentos pessoais. É pregar a Palavra de Deus. Então, espero isso da igreja, dos pastores: que ela cumpra o ‘Ide’ e evangelize. Cada ovelha ganhando seu familiar para Jesus e os pastores sempre com responsabilidade de transformar o púlpito”, enfatiza.
Os desafios do cristão com a política em ano eleitoral
O ano de 2024 também será marcado pelas eleições municipais, quando serão escolhidos os novos prefeitos e vereadores.
E como tem sido recorrente em período eleitoral, a participação dos evangélicos, quer como candidatos, quer como eleitores, será fundamental e, muitas vezes, decisiva. Mas afinal, o cristão deve se envolver nesse meio?
Para o pastor Jorge Linhares, sim. “Se nós quisermos mudar o andamento de uma nação, temos que nos envolver com a política. Não podemos ficar alienados. É importante que quem se envolve com a política tenha uma vocação primeiramente cristã, de compromisso com Deus. E, segundo, que ela esteja preparada para ocupar um cargo público, e não para trocar favores em benefício próprio. Mas o que infelizmente acontece é que muitos, ao chegarem lá, não cumprem o que prometeram e acabam se corrompendo, tornando-se verdadeiramente alvos de escândalo”, pontua.
Já o pastor Josué Gonçalves lembra que o evangélico tem dupla nacionalidade: uma do Reino dos céus e a outra, brasileira. “Em ambas as nações o crente tem direitos e obrigações. Se colocar na balança, a nacionalidade do Reino de Deus pesa muito mais e nosso chamado principal é para alterar a família, a igreja, a sociedade e o mundo através do Evangelho, e não da política. O ‘poder de Deus para salvação de todo aquele que crê’ é o Evangelho, que muda a pessoa de dentro para fora.”
Para ele, a grande necessidade de o crente se envolver com a política é exatamente para que haja pessoas que defendam os direitos da família cristã. “Preocupam-me questões educacionais que o governo planeja controlar e regulamentar conforme padrões socialistas, a formação dos pequenos, assumindo um protagonismo indesejável, colocando-se acima dos pais e da igreja, no sagrado devem de educar”, afirma.
O teólogo Stelio Rega compartilha do mesmo pensamento. Ele acredita que tanto o Brasil quanto o mundo seriam lugares muito melhores se fossem regidos por leis criadas por homens usados por Deus. “Imagine um político discipulado com os valores cristãos, ao dar o seu voto, ao fazer as suas propostas, a partir da cosmovisão e dos valores cristãos? Devemos ser sal, luz e embaixadores do Reino onde estivermos, inclusive no exercício da cidadania responsável.
Não é porque um político defende algumas ideias alinhadas aos valores bíblicos que ele será perfeito e totalmente aceito. O extremismo acabou dividindo igrejas, pastores, famílias e amigos, uma pena”, lamenta.
A necessidade de missões nunca foi tão grande
Com o mundo entrando em um verdadeiro colapso por conta de guerras, catástrofes climáticas, corrupção e violência, é notório que a volta de Jesus tenha retornado à pauta da igreja com mais força. Na prática, isso significa um aumento na responsabilidade das missões, sejam elas locais ou internacionais. Mas o desafio também ficou ainda maior.
“O mundo apresenta oposição consistente e constante aos valores judaico-cristãos. Isso não é segredo.
O cerco contra os cristãos está apertando e deve piorar, pois a rebeldia do príncipe desse século está organizada e tem muitos seguidores. Mesmo assim, Deus não conhece impossíveis. Ele tem feito e continuará fazendo a Sua obra de maneiras inéditas. Nos organizamos e ajudamos as missões nacionais e internacionais, mas nossa esperança é no poder de Deus para cumprir Seus propósitos”, ressalta Gonçalves.
Segundo o pastor Jorge Linhares, o momento deve ser de reflexão e paz entre as denominações religiosas, já que não adianta investir em missões no exterior enquanto o Evangelho não está sendo pregado dentro de casa ou para os vizinhos.
“Que as igrejas possam cumprir o ‘Ide’ de Jesus, fazendo missões. E que nós não digladiemos, briguemos ou acusemos outras denominações, outros pastores e pessoas que pensem diferente de nós. Outro grande desafio é ganharmos nossos parentes, vizinhos, nossa cidade, o país para Cristo, sem esquecermos, claro, de ajudar as agências missionárias que estão na linha de frente em outros países”, afirma.
Já Lourenço Stelio Rega diz que um dos principais desafios são as igrejas serem missionais, e não apenas missionárias. “Faço uma diferença entre ‘intencionalidade missionária’, que é levar o Evangelho a lugares onde ainda não chegou, e ‘dimensão missional’, que é assumir o Evangelho como ideal de vida em todos os sentidos, pois todos somos enviados ao mundo não somente para anunciar verbalmente as Boas Novas, mas para permitir que elas nos transformem”, argumenta.
Família tradicional estará no “olho do furacão” em 2024
Sem dúvidas, a família tradicional cristã estará no centro das atenções no Brasil em 2024. Primeiro, por conta de debates importantes que serão travados no Supremo Tribunal Federal (STF), como a descriminalização do aborto, permitindo a interrupção da gravidez até a 12ª semana de gestação. Segundo, por conta de pautas, no âmbito político, que afetam diretamente os valores cristãos, como por exemplo a ideologia de gênero.
“O diabo não brinca e há ações planejadas e deliberadas no sentido de acabar com a família, principalmente no Ocidente. As armas principais são a mídia e o entretenimento.
Nossos filhos são doutrinados enquanto brincam, jogam e se divertem. Equipes altamente competentes inserem o doutrinamento anticristão nos conteúdos e se os pais e a igreja não se atentarem e desenvolverem alternativas, haverá muito mais sofrimento”, alerta o pastor Gonçalves. “A instituição que ainda mantém os valores de família tradicional é a igreja, com suas diversas denominações e confissões. Precisamos nos unir para oferecer ao mundo uma alternativa celestial de vida nessa Terra. O padrão de Deus na Bíblia é o mais saudável”, complementa.
Lourenço Stelio Rega aponta que desde o Iluminismo vem sendo construído um programa mundial que visa a enaltecer o indivíduo como pessoa e que hoje se fortalece com a hipermodernidade ou a pós-modernidade. “O mote de hoje é ‘se isso te traz satisfação e deixa feliz, então, é certo, assuma!’ Assim, estamos no terreno do relativismo não-conceitual. O que me preocupa é que temas como esse não estão na agenda das denominações, igrejas e dos líderes cristãos”, enfatiza.
Já o pastor Jorge Linhares lembra que não há risco de a família “acabar”, exatamente porque ela foi criada por Deus. Por outro lado, ideologias perigosas estão adentrando os lares, colocando a pureza e a santidade da família em perigo. “A família sofre com aquilo que não se ouvia antes, como a homossexualidade e a liberação sexual de jovens solteiros morando juntos.
A virgindade passou a ser motivo de piada nas universidades.
E a própria faculdade zomba do jovem que entra lá puro, limpo e santo. Ele passa a ser alvo de zombarias dos colegas e até dos professores. Então, é um mundo mau, sujo, onde as leis são feitas contra a família”, sublinha.
Consagração para que haja dias melhores no ano que vem
Contudo, de uma forma geral, todos os entrevistados são unânimes em afirmar que o modo de vida cristão, pautado nos princípios bíblicos, será fundamental para que 2024 seja um ano feliz e abençoado. “Jesus nos chama de luz do mundo e sal da terra. O cristão não precisa gritar, só precisa viver. Ele não precisa dizer que a família tradicional é melhor, ele só precisa amar os seus filhos e cuidar dos avós. Quando nos amamos, pregamos o Evangelho e salgamos esse mundo, impedindo que o manto de ódio e indiferença destrua tudo ao nosso redor”, ressalta o pastor Gonçalves.
Ele lembra ainda que o segredo para uma vida feliz em 2024 passa pela comunhão com Jesus. “Andar com Deus, ter uma vida íntima com o Senhor da Criação. Somente buscando íntima comunhão com o Pai a família crescerá saudável, individual ou coletivamente.
Precisamos fomentar a conexão com nossa pátria celestial, trazendo de lá poder e visão, enquanto levamos para lá as necessidades e desafios dessa Terra perdida”, afirma.
Já o teólogo Lourenço Stelio Rega alerta que 2024 será o ano de tomarmos uma decisão, escolher de que lado estamos. “De qual história fazemos parte?
Só podemos responder à pergunta sobre a nossa importância se respondermos a pergunta que a antecede, como nos ensina o estudioso Alasdair MacIntyre: de que história a igreja faz parte? Da esquerda, da direita, ou da história de Deus?
Além disso, uma família cristã deve discipular seus filhos e ensiná-los a compreender de que história farão parte: se da “Missio Dei” ou da visão contemporânea de mundo”, orienta.
Para o pastor Jorge Linhares, é fundamental que a família dedique mais tempo ao discipulado, ao estudo da Palavra de Deus e à oração, que passe a testemunhar dentro de casa, que aja com amor e respeito para com todos.
“É lutarmos para sermos o exemplo junto aos nossos familiares. Eles olharão para o meu casamento, meu comportamento, minha vida como marido, esposo, pai, para minha esposa como mulher de Deus, como mãe, como filho, filha, educadora. Participar de congressos para casais, das células, dos congressos de homens, de mulheres, da escola bíblica. O pastor não consegue entrar em todas as casas, mas cada cristão é uma lâmpada, uma luz no trabalho, na escola, na vizinhança e, principalmente, dentro da sua família”, enfatiza.
Para Linhares, a prioridade sagrada para 2024 é manter Jesus no centro da família. “Muitos de nós, pastores, perdemos a família porque construímos grandes igrejas, um patrimônio enorme, mas deixamos o núcleo familiar de lado.
O desafio é manter o diálogo entre marido e esposa, pais e filhos, conservando as prioridades sagradas. A alegria no Senhor é a minha força. Quanto mais eu me alegrar em Deus, mais serei fortalecido”, finaliza o pastor.
Fonte: Comunhão