Apesar de suas megaigrejas lotadas, sua força política e visibilidade cada vez maior no cenário nacional dos Estados Unidos, os líderes cristãos evangélicos estão alertando uns aos outros que seus adolescentes estão abandonando a religião em grandes números.
Em uma série incomum de encontros de lideranças em 44 cidades nas últimas semanas, mais de 6 mil pastores estão ouvindo previsões sombrias por parte de alguns dos maiores nomes do movimento evangélico conservador.
O alarme foi provocado por uma alegação altamente suspeita de que se a atual tendência continuar, apenas 4% dos adolescentes serão “cristãos crentes na Bíblia” na idade adulta – um declínio acentuado em comparação aos 35% da atual geração de “baby boomers”, os nascidos pós-Segunda Guerra Mundial, e antes dela aos 65% da geração da Segunda Guerra Mundial.
Apesar de alguns críticos dizerem que as estatísticas são altamente exageradas (uma revista evangélica para o ministério jovem a apelidou de “ataque de pânico de 4%”), há um grande consenso entre os líderes evangélicos de que estão correndo risco de perder seus adolescentes.
“Eu estou olhando para dados”, disse Ron Luce (foto), que organizou os encontros de cúpula e fundou há 20 anos a Teen Mania (mania adolescente), um ministério jovem, “e nos tornamos uma América pós-cristã, como a Europa pós-cristã. Nós estamos trabalhando o mais arduamente que podemos -todos no ministério jovem estão trabalhando arduamente- mas estamos perdendo”.
O conselho da Associação Nacional dos Evangélicos, um grupo que representa 60 denominações e dezenas de ministérios, aprovou uma resolução neste ano lamentando “a epidemia de jovens deixando as igrejas evangélicas”. Entre os líderes que estão falando nos encontros estão Ted Haggard, presidente da Associação Nacional; o reverendo Jerry Falwell; e pregadores conhecidos nacionalmente como Jack Hayford e Tommy Barnett.
Alarme genuíno pode ser ouvido tanto entre adolescentes cristãos quanto pastores, que dizem que não podem competir com a cultura disseminada de cinismo em relação à religião e a abordagem liberal em relação ao sexo predominante na MTV, sites na Internet para adolescentes e na música hip-hop, rap e rock. Pais divorciados e famílias disfuncionais também levam os adolescentes a evitarem totalmente a igreja ou a se afastarem.
Em várias entrevistas, os adolescentes evangélicos dizem que se sentem como uma minúscula minoria sitiada em suas escolas e bairros. Eles dizem que freqüentemente se sentem sós em sua luta para viver segundo os “valores da Bíblia”, evitando o sexo casual, música e vídeos impróprios, pornografia na Internet, álcool e drogas.
Chelsea Dunford, 17 anos, de Canton, Connecticut, disse: “Na escola eu não tenho muitos amigos que são cristãos”. Ela falou no final do mês passado, enquanto ela e seu pequeno grupo jovem da igreja estavam prestes a se juntar a mais de 3.400 adolescentes em uma arena esportiva na Universidade de Massachusetts, em Amherst, para um concerto de rock e festa jovem cristã chamada “Adquira o Fogo”.
“Muitos dos meus amigos se autoproclamam agnósticos ou ateístas”, disse Chelsea, que usa um bracelete com um pingente em forma de coração gravado “tlw”, ou “true love waits” (o amor verdadeiro espera), um lembrete de sua promessa de não praticar sexo antes do casamento. Chelsea disse que suas amigas tendem mais a dizer palavrões e ir a festas do que ela e acrescentou: “Às vezes é assustador. As pessoas tiram sarro de você”.
Para romper o isolamento e reforçar o compromisso dos adolescentes com um estilo de vida conservador, Luce organiza estas festas em estádio há 15 anos. O evento em Amherst foi o primeiro dos 40 que a Teen Mania está promovendo de agora até maio, em um agenda apertada que lembra a turnê de uma grande banda. Os “roadies” (ajudantes) são 700 adolescentes que ingressaram por um ano na “Academia de Honra” da Teen Mania em Garden Valley, Texas.
Mais de 2 milhões de adolescentes participaram nos últimos 15 anos, disse Luce, 45 anos, um pai de três com mestrado pela Escola de Administração de Harvard e a estrela de um velho guitarrista de rock.
“Isto é um público maior do que Paul McCartney conseguiu”, disse Luce, antes de subir ao palco para a pirotecnia de abertura e uma oração.
Nos dois dias seguintes, os adolescentes na arena dançaram ao som de bandas cristãs, prometeram guiar seus amigos até Cristo e cantaram um hino com o refrão “Nós não ficaremos calados”. Centenas percorreram os corredores até o altar e se ajoelharam na frente do palco, alguns chorando abertamente enquanto rezavam em dar suas vidas para Deus.
Na manhã seguinte, Luce liderou a multidão em um exercício no qual escreviam em pedaços de papel todas as influências culturais negativas, nomes de marcas, produtos e programas de televisão que planejavam eliminar de suas vidas. Novamente os jovens se aglomeraram nos corredores, desta vez para jogar fora o “lixo cultural”.
Latas de lixo com pedaços dobrados de papel nos quais os adolescentes escreveram coisas como Ryan Seacrest, Louis Vuitton, “Gilmore Girls”, “Days of Our Lives”, Iron Maiden, Harry Potter, “necessidade de um namorado” e “minha obsessão por dentes perfeitos”. Um escreveu em pequenas letras embaraçadas: “fornicação”.
Alguns adolescentes jogaram fora isqueiros, suéteres de marca, colares de carnaval e CDs.
“Senhor Jesus”, rezou Luce em um microfone enquanto os adolescentes jogavam suas anotações no lixo, “eu me dispo da identidade do mundo e nesta manhã me visto com Cristo, com seu estilo de vida. É assim que desejo ser conhecido”.
Adultos evangélicos, como os fiéis de toda religião, temem perder a geração seguinte, disse o reverendo David W. Key, diretor de Estudos Batistas da Escola Candler de Teologia, na Universidade Emory, em Atlanta.
“A singularidade da situação evangélica está no fato de que durante os anos 80 e 90 houve a revolução Reagan, que foi o crescimento das seitas evangélicas”, disse Key. Hoje, ele disse, a cultura trivializa a religião e normaliza o secularismo e os costumes sexuais liberais.
O fenômeno pode significar que os jovens evangélicos não estão abandonando sua fé, mas apenas abandonando a igreja institucional, disse Lauren Sandler, autora de “Righteous: Dispatches from the Evangelical Youth Movement” (Viking, 2006). Sandler é uma liberal secular que disse ter considerado o movimento assustadoramente robusto.
“Esta geração não se interesse pela igreja”, disse Sandler, uma editora do Salon.com. “Eles sempre dizem: ‘Nós levamos nossa fé para fora das quatro paredes’. Para muitos jovens evangélicos, a igreja é um festival de rock, um parque de skate ou uma reunião no porão de alguém.”
Contradizendo o senso de isolamento manifestado por alguns adolescentes evangélicos, disse Sandler, “eu conheci muitos garotos que me disseram repetidas vezes que se você não é um cristão em seu colégio, você não é bacana – garotos com cabelo moicano, com bandas de rock, sentem a pressão de seus pares para serem cristãos”.
A realidade é que, quando se trata de organizar a juventude, os cristãos evangélicos causam inveja aos católicos romanos, a corrente principal protestante e aos judeus, disse Christian Smith, um professor de sociologia da Universidade de Notre Dame, especializado no estudo dos evangélicos americanos e que entrevistou adolescentes para seu livro, “Soul Searching: the Religious and Spiritual lives of American Teenagers” (Oxford, 2005).
Smith se disse cético diante da estatística de 4%. Ele disse que o número foi tirado de uma nota de rodapé de um livro e é inconsistente com a pesquisa que realizou e revisou, que apontou que os adolescentes evangélicos apresentam maior probabilidade de permanecer envolvidos com sua seita do que os da corrente principal protestante, católicos, judeus e adolescentes de quase todas as demais religiões.
“Eu apoio muitas das metas”, disse Smith sobre a nova campanha jovem evangélica, “mas me incomoda que esteja emoldurada em termos tão apocalípticos que não resistiriam a meio segundo de uma análise mais atenta. É algo que causa o próprio fracasso”.
Os 4% são citados no livro “The Bridger Generation”, de Thom S. Rainer, um batista do sul e ex-professor de ministério. Rainer disse em uma entrevista que ele veio de uma pesquisa que encomendou, mas que, apesar de considerar a metodologia confiável, ela já tem 10 anos de idade.
“Eu teria que dizer que não houve nenhum acompanhamento posterior
significativo para determinar se os números ainda são válidos”, disse
Rainer.
Luce parece cansado das críticas de que sua mensagem é exageradamente alarmista. Ele disse que uma pesquisa atual de George Barna, um renomado pesquisador evangélico, revelou que 5% dos adolescentes eram cristãos crentes na Bíblia. Mas alguns criticam a metodologia de Barna por definir “crente na Bíblia” de forma muito estreita, excluindo muitas pessoas que se consideram cristãs.
Luce respondeu: “Se os 4% forem verdadeiros, ou mesmo os 5%, é uma condenação do ministério jovem. Certamente eles vão querer dados diferentes”.
Fonte: The New York Times