Kaylane, de 11 anos, está com medo de vestir indumentária de sua religião em público após levar uma pedrada na cabeça depois de sair de uma festa de candomblé.

“Vai queimar no inferno”. Foi ao ouvir esta frase, pega de surpresa, que Kaylane Campos, de 11 anos, colocou a mão na cabeça e sentiu o sangue escorrendo por ela. A garota, que saía de uma festa de candomblé na Vila da Penha no domingo vestindo a indumentária de sua religião, junto com um grupo de amigos, levou uma pedrada de um grupo que, com Bíblias em punho, insultava os praticantes da religião afro-brasileira.

[img align=left width=300]http://og.infg.com.br/in/16462883-581-c61/FT1086A/420/2015-825481799-2015061629598.jpg_20150616.jpg[/img]— Eles estavam com a Bíblia na mão e chamavam todo mundo de “diabo”, dizendo que Jesus estava voltando. A gente nunca tinha vivido algo assim. É muito preconceito gratuito. Ela está com medo de usar a roupa branca na rua. Diz que vai continuar praticando (o candomblé), mas está com medo — afirmou Kátia Marinho, avó da menina, que publicou uma foto na internet com o cartaz: “Eu visto o branco da paz. Sou do Candomblé. E você?”.

O caso será avaliado pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR-RJ) por meio do babalaô Ivanir dos Santos, interlocutor do grupo:

— Essas agressões são cotidianas em todo o país. Nós vamos identificar os agressores para que eles possam responder criminalmente. E faremos na sexta-feira, na Vila da Penha, um ato de repúdio a esta violência contra uma criança.

Logo após o episódio, Ivanir recebeu solidariedade de representantes das religiões judaica e católica. Ele cobrou um posicionamento de líderes evangélicos.

— Essa pedra atingiu mais do que nós, membros do candomblé, ela atingiu o silêncio dos líderes evangélicos. É muito importante para a comunidade evangélica se posicionar neste momento, para que não fique parecendo que uma minoria representa o todo.

[b]EVANGÉLICO PREGA SOLIDARIEDADE[/b]

Sérgio Mendes, representante da Associação Evangélica Beneficente, repudiou a intolerância e a violência praticada contra Kaylane.

— É lamentável o que aconteceu. Nós, evangélicos, pregamos pelo amor. O ensinamento de Cristo é amar ao próximo. É necessário ler, estudar e entender a religião para praticar esses ensinamentos. Quem fere uma criança não está seguindo os preceitos que Cristo ensinou.

Sérgio afirmou que desconhece os posicionamentos das diversas ramificações da comunidade evangélica, mas se disse solidário à menina e à comunidade de que ela faz parte.

— A crítica feita sobre a falta de posicionamento é válida, mas me coloco solidário e disposto a ir a atos. Não posso falar dos outros, a comunidade evangélica é grande e com linhas teóricas bastante divergentes, mas a maioria quer e prega o amor — afirma Sérgio.

O caso foi registrado na 38ª DP, em Irajá, que informou, em nota, que a menina e os parentes prestaram depoimentos. O episódio foi registrado como lesão corporal, baseado no artigo 20 da lei 7.716, que trata sobre a prática, a indução ou a incitação a preconceitos de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

A delegacia afirmou que fará diligências para localizar imagens e testemunhas que possam auxiliar na identificação dos autores do crime.

Kátia, avó da menina, espera que a justiça seja feita.

— Não se pode viver com tanto preconceito. É muito assustador o que está acontecendo.

[b]Menina é alvo de ofensas ao ir fazer exame de corpo de delito[/b]

Três dias após levar uma pedrada na cabeça desferida por dois homens que a chamaram de “macumbeira” e dizer que ela deveria “queimar no inferno”, a candomblecista de 11 anos voltou a ser vítima de ofensas, na manhã desta quarta-feira. Ela estava com a avó, Kátia Marinho, de 53 anos, no Instituto Médico-Legal (IML) para fazer exame de corpo de delito quando um homem passou e gritou: “A imprensa só dá ibope para macumbeiro e gay!”. Kátia dava uma entrevista pelo telefone ao EXTRA quando as ofensas aconteceram.

— É impressionante. A gente veio para cá de metrô e recebeu muito apoio na rua. No metrô, duas pessoas que disseram ser evangélicas se aproximaram da gente e falaram que não devemos nos abater. Falaram que vão usar branco, para mostrar que não são a favor da intolerância. E agora acontece uma coisa dessas. Mas isso não vai fazer com que eu desista de lutar por justiça. Vamos continuar até o fim — afirmou Kátia.

Para ela, algumas pessoas ainda não conseguiram separar fanatismo de religião:

— Apesar disso que acabou de acontecer, estamos com esperança de que esse preconceito diminua. Acabar, sabemos que não vai. Mas temos que acreditar que as pessoas vão ver que somos gente do mesmo jeito que elas. Somos todos a mesma coisa, independente do credo.

Kátia contou ainda que a neta, que havia desistido de usar branco na rua por temer ser alvo de novos episódios de intolerância religiosa, voltou atrás. Nesta quarta, a menina usou as roupas de sua religião para ir ao IML.

— Conversamos muito com ela. Ela entendeu que não pode ceder. A fé tem que ser maior que tudo — disse a avó.

Nesta terça, em entrevista ao EXTRA, a garota chegou a dizer que temia morrer se fosse alvo de novas agressões por causa da religião.

A 38ª DP (Brás de Pina) investiga a agressão sofrida pela menina e tenta identificar os dois homens responsáveis por ela: seriam morenos e jovens, na casa dos 20 anos. O caso foi registrado como lesão corporal e no artigo 20, da Lei 7716 (praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional).

A agressão ocorreu no domingo, na Avenida Meriti, na Vila da Penha, Zona Norte do Rio. Segundo testemunhas, pessoas que estavam num ponto de ônibus começaram a xingar os candomblecistas que, na ocasião, vestiam com as roupas típicas

Um evento criado no Facebook convida as pessoas para uma manifestação contra a intolerância religiosa. A ideia é que todos vistam branco no próximo dia 8 de julho. Mais de quatro mil pessoas já confirmaram participação no evento.

[b]Fonte: O Globo[/b]

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