O mais novo mapa dos assassinatos no país revela que 10% dos municípios brasileiros -boa parte distribuídos pelo interior do país, longe das regiões metropolitanas- concentram 72% dos 48,3 mil homicídios registrados em 2004.
Os dados mostram que a vítima de homicídio geralmente é, além de jovem, um homem negro morto no final de semana. 92% das vítimas são homens e a taxa de homicídio é 73% maior entre negros do que entre a população branca.
O estudo foi divulgado ontem pela OEI (Organização dos Estados Ibero-Americanos), que anualmente compila dados sobre mortes violentas no país com base nos registros de óbitos do Ministério da Saúde.
Essa é a primeira vez que a pesquisa separou os dados por município.
O resultado foi um ranking nacional que surpreendeu as autoridades. Das dez cidades com as mais altas taxas médias de homicídio entre 2002 e 2004, apenas duas têm mais de cem mil habitantes.
A campeã foi Colniza (MT), que em 2004 tinha 12,4 mil habitantes. Sua taxa de homicídios (mortos para cada 100 mil habitantes) foi de 165,3, mais de seis vezes maior que a média nacional, de 27,0, em 2004.
Foram, naquele ano, 18 assassinatos -levando-se em conta o total de habitantes, esse número mostra que o risco de morrer assassinado em Colniza é maior do que em qualquer outra cidade do país.
Disputa de terra
De acordo com o Ministério da Saúde, uma hipótese para explicar a violência em Colniza é o fato de o município estar em uma região de divisa agrícola, com muitas disputas de terra e de difícil acesso.
Outras três cidades de Mato Grosso também estão no topo da lista: Juruena, São José do Xingu e Aripuanã.
A primeira capital a aparecer na lista é Recife, na 13ª posição. A cidade de São Paulo, com uma taxa de 48,2 homicídios, está no 182º lugar. Os primeiros municípios paulistas no ranking são São Sebastião (28º), Diadema (30º) e Itapecerica da Serra (36º).
Pernambuco, que, em 94, ocupava o quinto lugar no ranking dos Estados, assumiu o topo da lista em 2004.
Interiorização
A “interiorização” dos assassinatos, fenômeno já captado no ano passado, foi confirmada pelo estudo. O mapeamento dos 556 municípios com as maiores taxas de homicídios mostra uma situação geograficamente alarmante concentrada no Centro-Oeste, sul do Pará e Pernambuco, Estado que lidera o ranking nacional.
“Eu esperava ver isso em faixas no litoral e próximo das maiores cidades”, afirmou Julio Jacobo Waiselfisz, responsável pela levantamento.
Segundo ele, o crescimento médio anual do número de homicídios nas grandes cidades passou de 6,1% (1994-1999) para 0,8% (1999-2004). No interior, foi o inverso -de 4,9% para 5,3%.
Para Waiselfisz, isso é reflexo de políticas de segurança mais fortes nas grandes cidades, da descentralização do crescimento econômico e da melhoria na implementação do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), usado como base de dados.
As informações do estudo dependem dos registros de óbitos, obrigatórios por lei para o enterro. Além da subnotificação, há desvios por omissões no preenchimento de dados. O levantamento também leva em conta o local da morte, que pode ser diferente do local onde ocorreu o assassinato.
Waiselfisz comparou o estudo a um termômetro, que mostra uma “febre” grave em 10% dos municípios. Porém, o levantamento não pode indicar a “doença”. Por isso, recomendou a adoção de políticas públicas em nível municipal e com foco na juventude, faixa etária que concentra essas mortes.
“É como se a história da violência brasileira fosse a história do extermínio de sua própria juventude”, disse.
Jovens e negros
O Brasil é líder mundial em morte de jovens (15 a 24 anos) por arma de fogo, com taxa de 43,1, segundo a OEI.
Da faixa de 14 a 17, houve um crescimento de 63% na taxa de homicídios entre 1994 e 2004. No mesmo período, a faixa de 20 a 24 anos teve um crescimento de 36%, chegando ao patamar mais alto de todas as faixas etárias, 64,9 assassinatos para cada 100 mil pessoas.
Questionado, Waiselfisz se posicionou de forma contrária à redução da maioridade penal. Para ele, não há estudos que demonstrem uma correlação clara entre a punição de menores e a queda de criminalidade.
A incidência de homicídios é maior na população negra. Taxa de homicídios entre negros é 31,7 para 100 mil e, entre brancos, 18,3 por 100 mil.
Em dois Estados, Paraíba e Alagoas, há oito vezes mais assassinatos de negros do que de brancos.
Especialização
O ministro da Saúde, Agenor Alvarez, ressaltou a importância da integração dos esforços de Estado em políticas de prevenção. E se disse decepcionado com a realidade de violência.
“É complicado saber que os serviços de atendimento de urgência são usados principalmente para atender violência de arma de fogo. Às vezes os profissionais precisam de reciclagem para aprender a tratar perfuração de AR-15 [tipo de rifle]”, afirmou o ministro
Fonte: Folha de São Paulo