Atual dona de um dos cargos mais espinhosos do país, a ministra do meio ambiente, Marina Silva causou polêmica em um simpósio ao equiparar o evolucionismo, a teoria mais aceita entre os cientistas para explicar a evolução da vida na Terra, ao criacionismo, a crença religiosa em que a vida foi criada por Deus exatamente como descreve a Bíblia.
A ministra do meio ambiente, Marina Silva, tem um dos cargos mais espinhosos do país. O avanço assustador do desmatamento na Amazônia (leia a reportagem na pág. 59 da revista Época), a dificuldade em acabar com a corrupção no Ibama e o trabalho de liberação de obras com impacto ambiental são desafios desgastantes. Nos últimos dias, porém, Marina se meteu numa outra polêmica.
Ao participar do 3° Simpósio sobre Criacionismo e Mídia, em São Paulo, ela equiparou o evolucionismo, a teoria mais aceita entre os cientistas para explicar a evolução da vida na Terra, ao criacionismo, a crença religiosa em que a vida foi criada por Deus exatamente como descreve a Bíblia. Depois, em entrevista a um blog de jovens adventistas, Marina – uma ex-candidata a freira que se tornou evangélica e é missionária da igreja Assembléia de Deus desde 2004 – defendeu o ensino nas escolas do criacionismo ao lado do evolucionismo.
O evolucionismo é a teoria elaborada pelo naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882). Ela postula que todos os seres vivos têm um ancestral comum, do qual derivaram todas as outras formas de vida por meio de um processo que envolveu, ao longo de bilhões de anos, mutações graduais e a seleção dos espécimes mais bem adaptados ao ambiente em que viviam.
Diante das evidências de registros fósseis e das pesquisas genéticas, a comunidade científica aceita o evolucionismo como a melhor forma de descrever a história da vida na Terra. Eis o que afirmou a respeito o geneticista americano Francis Collins, um dos líderes do projeto Genoma Humano, que desvendou a estrutura dos nossos genes: “Como alguém que assistiu à emergência de nossa seqüência genética ao longo dos últimos anos e viu como ela é semelhante a de outras espécies, a evidência é avassaladoramente favorável a uma origem única da vida, em um processo perfeitamente consistente com a visão de Darwin”. Detalhe: Collins também é um religioso cristão. E ele afirma que o evolucionismo de Darwin é perfeitamente compatível com a crença em Deus.
Os defensores do criacionismo ou do “design inteligente” – sua versão moderna, difundida por grupos religiosos americanos – dizem que a teoria de Darwin é apenas uma “teoria” entre outras possíveis para explicar a origem da vida. Eles acreditam que apenas uma “força maior” seria capaz de criar seres tão complexos quanto o homem. Para cientistas como Collins, afirmar – como afirma a ministra Marina Silva – que o evolucionismo é uma “teoria” entre tantas outras é fazer uma perigosa confusão semântica. “Em ciência, uma teoria é uma coleção de observações reunidas numa visão consistente”, diz Collins. “A teoria eletromagnética é um exemplo. O termo ‘teoria’ não significa que ela ainda seja hipotética ou que não esteja correta. A biologia não faz quase sentido algum sem o evolucionismo para sustentá-la.”
Ao dar ao criacionismo o mesmo status do evolucionismo, Marina Silva comete uma perigosa confusão entre fé e ciência. “Marina Silva está pura e simplesmente errada ao dizer que não podemos explicar a natureza pela evolução darwiniana”, afirmou em seu blog o jornalista Marcelo Leite, especializado em ciência e meio ambiente. “Ela é a melhor explicação científica que existe. Nem a Bíblia nem o ‘design inteligente’ podem ser colocados no mesmo plano como conhecimento.”
Marina é um dos símbolos do governo Lula. Filha de seringueiros, ela foi semi-analfabeta até os 16 anos. Foi empregada doméstica, formou-se em História pela Universidade Federal do Acre e tornou-se a mais jovem senadora do país. É uma ambientalista respeitada e, por seu trabalho à frente do Ministério do Meio Ambiente, o jornal britânico The Guardian a incluiu na lista das 50 personalidades que podem salvar o planeta de catástrofes ambientais provocadas pelo aquecimento global.
No debate com os criacionistas, Marina afirmou que há um conjunto de preceitos bíblicos de proteção à natureza. Respondendo às perguntas do blog de jovens adventistas, Marina disse que “é impossível crer em Deus sem acreditar que Ele criou todas as coisas. E, se nós não sabemos explicar, não devemos ter a pretensão de dizer que elas não existem. A fé é crermos mesmo sem entender (sic). No espaço da fé, a ciência tem todo o acolhimento. Eu gostaria que a fé tivesse o mesmo acolhimento da ciência”. Depois, ela afirmou que “não há demérito” no ensino do criacionismo. As duas filhas mais novas da ministra estudam em colégios adventistas, que ensinam o criacionismo.
Na gestão de Marina, ela contratou o pastor Roberto Firmo Vieira, da Assembléia de Deus, como consultor do ministério, por intermédio de um contrato mantido com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Segundo o site Eco, Vieira usa a estrutura do ministério para cultos, alguns com a presença da ministra. Na semana passada, ÉPOCA procurou a ministra para ouvi-la. Por meio de sua assessoria, Marina informou que não falaria por problema de agenda. Informou também que viajou a São Paulo com as despesas pagas pela Assembléia de Deus.
Fonte: Revista Época