Fiéis de igrejas evangélicas de várias denominações têm subido o morro diariamente para orar na Fazenda do Carmo, Cidade Tiradentes (zona leste).
A peregrinação, que segundo os cristãos chega a reunir 4.000 pessoas nas noites de sextas-feiras, ocorre dentro da APA (Área de Proteção Ambiental) Iguatemi, onde é proibido o acesso de visitantes.
O terreno foi adquirido na década de 1990 pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), hoje sob a gestão João Doria (PSDB). De um milhão de metros quadrados de área total, 30% são de reserva ambiental —cerca de 300 mil metros quadrados.
É exatamente nesse trecho de zona de mata que os crentes pentecostais buscam ouvir Deus pela oração, como a reportagem do Agora presenciou no mês passado.
A entrada se dá pela rua Gitirana, que fica bem em frente aos conjuntos habitacionais erguidos pela companhia estadual.
Não há nenhum portão ou muro que impeça o acesso ao “monte da oração”, como o local é conhecido pelos fiéis. Na entrada até existe uma placa da CDHU que informa ser área de proteção ambiental, inclusive a lei de crimes ambientais (9.605/1998).
O chão de terra batida sem vegetação possui degraus para facilitar o acesso morro acima. “A gente sobe em nome de Jesus. Quando o coração fala pra gente”, disse uma integrante da Igreja Apostólica Plenitude do Trono de Deus, quando descia do monte ao lado de outra mulher.
Outros, entre homens e mulheres, subiam para o interior da mata. A maioria com Bíblias nas mãos.
Em parte da reserva ambiental existe uma espécie de clareira aberta onde ocorrem os cultos há mais de uma década.
Por entre as árvores nativas, se chega a um templo improvisado. Ali, a cerca foi construída com galhos das árvores, bem como os bancos com troncos.
Perigo
O perigo de frequentar o local, principalmente à noite, está na presença de morcegos. A Prefeitura de São Paulo registrou o aumento de acidentes por mordida do mamífero silvestre na área do Iguatemi, habitat natural do animal.
Neste ano, até esta quinta-feira (8), o hospital de referência da região registrou 56 atendimentos por mordida de morcegos. Apesar de dizer que houve aumento nos casos, a gestão Bruno Covas (PSDB) não citou quantos foram em 2018.
Segundo a prefeitura, não é possível determinar se todos os casos foram na área onde ocorrem os cultos.
Todas as espécies de morcegos têm hábitos noturnos e são encontradas em todas as épocas do ano. Os animais são transmissores do vírus da raiva.
No “monte da oração”, o tema morcego não é bem administrado pelos frequentadores. Questionados, muitos disseram que não há perigo algum. “Eu fiquei acampado 30 dias lá em cima e não fui mordido”, afirmou um pastor.
Uma mulher foi mais direta: “As pessoas só são mordidas aqui quando ficam fora do limpão”, disse, enquanto varria as folhas do chão da clareira onde ocorrem os cultos religiosos.
Na unidade de saúde próxima, uma usuária disse que duas filhas foram mordidas há seis anos no monte à noite. “Elas estavam de chinelo, mas não aconteceu nada de grave”, afirmou.
Até em inglês
Um círculo formado e um pastor pregava em inglês para imigrantes, entre angolanos e nigerianos, que costumam frequentar o ponto de peregrinação evangélico na região.
“Muito bom aqui”, disse um nigeriano, que deixou há quatro anos o continente africano para morar no Brasil. O grupo se reúne todas as quartas-feiras.
Segundo um pastor ouvido pelo Agora, o “morro da oração” é frequentado por pessoas de vários lugares. “Tem gente de Itaquá (Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo), até do Rio de Janeiro, nos cultos da noite e da madrugada”, afirmou.
O pastor Marco Almeida, secretário adjunto da Assembleia de Deus — Ministério do Belém, que reúne em torno de 2.000 igrejas na capital e na Grande São Paulo, não recomenda aos seus fiéis reuniões de oração em matas e montes especialmente em altas horas da noite por causa de riscos, por se tratar de matas, embora admita que é um ato de fé dessas pessoas.
Resposta
A CDHU, da gestão João Doria (PSDB), afirmou que mantém no terreno dois postos de vigilância presencial 24 horas, além de ronda motorizada, “justamente para evitar invasões”.
A licitação para a recomposição da cerca destruída por atos de vandalismo está em andamento.
A companhia disse ainda que “em respeito ao livre exercício religioso”, monitora o uso com a realização de “ações educativas e de conscientização” para preservação ambiental do local. O governo não soube dizer há quanto tempo ocorrem os cultos.
Questionada sobre a degradação da reserva ambiental, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente limitou-se a dizer que a “Fundação Florestal realiza monitoramento das áreas verdes da APA [Área de Proteção Ambiental] não registrou nenhum desmatamento no local neste ano”.
A Prefeitura de São Paulo, gestão Bruno Covas (PSDB), informa que, caso se encontre um morcego caído, a orientação a não tocar no animal, colocar sobre ele uma caixa ou um balde e acionar o telefone 156.
Representantes da Igreja Plenitude do Trono de Deus não retornaram as ligações do Agora.
Fonte: Agora S. Paulo (Folha de S. Paulo)