Mulheres dessa minoria religiosa são comercializadas e violentadas por membros do grupo terrorista. Um programa está levando mil delas para atendimento na Alemanha.
Para os jihadistas do Estado Islâmico (EI), as mulheres yazidis – minoria étnica e religiosa concentrada no norte do Iraque – são uma mercadoria, com a qual eles podem fazer o que quiserem. Eles vendem as mulheres em bazares e abusam delas como escravas sexuais. Cerca de 2 mil conseguiram fugir.
O destino dessas mulheres chocou o governador de Baden-Württemberg, Winfried Kretschmann. O líder desse rico estado no sul da Alemanha lançou, quase sozinho, um programa para trazer mil mulheres yazidis para a Alemanha até o final de 2015. O projeto deverá custar cerca de 30 milhões de euros.
Cerca de 500 já chegaram à Alemanha. Uma delas é Lea – a jovem de 22 anos pediu para não revelar seu nome. Ela foi prisioneira do EI por dois meses e 16 dias. “A vida era um inferno. Mesmo se nós chorássemos, eles nos batiam”, relata.
“Não havia comida e não podíamos tomar banho. Rezávamos a Deus para morrer, mas não era possível. Cada uma de nós foi levada por um homem do EI. Se a mulher não quisesse ir, eles eram violentos, quebravam o braço ou batiam na cabeça com uma arma.”
Lea é uma mulher pequena e delicada. Nas mãos, ela segura um smartphone, que ela usa para se comunicar com a família pelo Facebook: com o irmão, que ficou no campo de refugiados de Dohuk, no norte do Iraque, e com duas cunhadas que foram enviadas, pelo mesmo programa, para o sul da Alemanha. Elas estão alojadas numa cidade distante.
Lea vive com a irmã mais velha num alojamento supervisionado – o nome da cidade não pode ser revelado por questões de segurança. “Nós conduzimos tudo com a maior discrição”, diz o secretário estadual Klaus-Peter Murawski.
[b]Um gesto, não uma solução[/b]
As 500 mulheres que já estão na Alemanha foram escolhidas pelo psicólogo Jan Ilhan Kizilhan, um especialista em traumas que, com uma pequena equipe, viaja regularmente para o norte do Iraque. Os requisitos para participar do programa são claros, afirma. “São mulheres que estavam nas mãos do EI, conseguiram escapar e agora precisam de cuidados, ou seja, apresentam transtornos causados por um trauma ou doenças que têm origem na situação que vivenciaram”, explica Kizilhan.
Kizilhan concorda que não é fácil escolher quem vai participar do programa. “Há cerca de 120 mil pessoas lá que precisam de atendimento médico e psicológico. É difícil deixar alguém de fora.” Porém, o programa pode atender apenas mais 500 mulheres. Trata-se de um gesto, não de uma solução, argumenta Kizilhan.
Para o psicólogo Salah Ahmad, um alemão de ascendência curda, é injusto selecionar apenas mil mulheres para levá-las para a Alemanha. Ahmad trabalha há uma década com vítimas de tortura e da guerra no norte do Iraque. Ele afirma que os 30 milhões de euros gastos no programa poderiam ser usados de maneira mais eficaz no próprio país.
Ahmad supervisiona a construção de um centro de atendimento apenas para mulheres yazidis em Chamchamal, cidade no norte do Iraque. A obra é financiada por doações, pela Misereor (organização da Igreja Católica da Alemanha) e pelo Ministério de Cooperação Econômica e Desenvolvimento.
“Os yazidis são muito unidos, não apenas dentro da família, mas também na comunidade. Quando uma mulher é retirada da comunidade e levada para a Alemanha, isso pode ser psicologicamente muito difícil para ela suportar”, diz Ahmad.
[b]Alta taxa de suicídio[/b]
Com sua organização humanitária Jiyan Foundation, Ahmad cria, nos próprios campos de refugiados, centros de tratamento para vítimas de tortura. “As mulheres são tratadas em regime de internação ou ambulatorial, e parentes podem visitá-las. Geralmente integramos a mãe como uma espécie de coterapeuta, assim ela pode ficar de olho na filha e nos informar caso seja necessário”.
Esse acompanhamento é importante porque, justamente entre as mulheres yazidis que sofreram violência sexual, a taxa de suicídio é muito elevada.
A organização de Ahmad já treinou 20 traumatologistas para ajudar os refugiados que estão nos campos. Mas o psicólogo admite que consegue atender apenas uma parte das pessoas que precisam de auxílio. “Precisamos de 2 mil terapeutas, não de apenas 20. A guerra, infelizmente, continua.”
[b]Reunindo forças[/b]
Lea, no sul da Alemanha, diz que sofre com a separação. Se as condições no campo de refugiados de Dohuk fossem um pouco melhores, ela preferiria ter ficado. Mas lá não havia nada: nem espaço, nem cuidados médicos, nem mesmo água limpa.
Agora a jovem está em segurança e recebe atendimento e proteção. Sua maior preocupação, no entanto, se mantém: ela não sabe se os pais estão vivos. Dos 1.700 moradores de sua aldeia natal, nas montanhas de Sinjar, 1.200 estão desaparecidos.
“Estamos com raiva. Isso já se arrasta há mais de um ano. Estamos cansados dessa vida, não podemos mais continuar assim. Ninguém conseguiria suportar tudo isso. Mas nós não vamos nos deixar derrotar, a necessidade nos torna mais fortes”, diz Lea.
[b]Fonte: DW Brasil[/b]