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Está enganado quem pensa que Marcelo Crivella (PRB) – bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, fundada por seu tio, Edir Macedo – transformará a prefeitura carioca em um governo teocrático, orientado por versículos da Bíblia e dogmas evangélicos. Quem afirma é o ex-governador Anthony Garotinho (PR), um dos caciques do partido do vice de Crivella, Fernando MacDowell, e espécie de “conselheiro pessoal” do novo prefeito nos últimos meses.
Figura polêmica no Rio – ele não apareceu no material de campanha de seu candidato -, Garotinho adianta que Crivella fará no Rio de Janeiro um “governo conservador e de direita”, obstinado em conquistar simpatia de setores não-religiosos e da elite.
Segundo o ex-governador, Crivella deve fugir de radicalismos religiosos porque não pretende pôr em risco a ascensão de membros da igreja a cargos de destaque.
“Eu não subestimaria o governo do Crivella. Quem subestimou as atitudes do bispo Macedo se deu mal”, alerta Garotinho.
“Eles são extremamente profissionais. O bispo botou sua igreja em mais de 100 países. Tem mais seguidores fora do Brasil do que dentro. Vendia bilhetes (de loteria) e hoje tem a segunda maior rede de televisão do país. Tem 100 emissoras de rádio. Disse que ia construir uma réplica do Templo de Salomão e agora vai fazer mais três. Na prefeitura, não deve ser diferente e quem espera amadorismo vai se decepcionar.”
Em entrevista de mais de duas horas pelo telefone à BBC Brasil, ele nega acusações de envolvimento com milícias, se diz vítima de perseguição de juízes e dispara críticas a dezenas de desafetos políticos, especialmente do PMDB.
Garotinho é conhecido nos corredores de Brasília por carregar pastas pretas com dossiês recheados de escrituras, declarações de Imposto de Renda e cópias de documentos de figuras como o ex-governador Sérgio Cabral e o presidente da Assembléia Legislativa do Rio, Jorge Picciani.
“O PMDB é como uma prostituta. Dorme com tudo mundo, faz amor com todo mundo, mas não se apaixona por ninguém”, dispara, citando a conclusão de uma conversa antiga, à beira de uma lareira em Petrópolis (RJ), com Leonel Brizola, seu ex-padrinho político. O partido não comenta as críticas.
[b]Uma ‘nova Universal'[/b]
De acordo com Garotinho, a igreja de Edir Macedo e Crivella teria se refinado e hoje passa por uma “transformação eclesiástica e ideológica”, deixando de lado o “fundamentalismo religioso para investir no liberalismo econômico e no pragmatismo, como fazem os religiosos conservadores do partido Republicano”, nos Estados Unidos.
“A Universal de hoje não é mais aquela que chuta santa na TV”, diz, afirmando que a igreja renova seu tradicional rebanho oriundo de classes mais pobres com novos seguidores da classe média, do empresariado e formadores de opinião.
Membro da Igreja Presbiteriana, ele critica a postura da atual bancada religiosa no Congresso, cujos expoentes são figuras como o pastor Marco Feliciano e o militar Jair Bolsonaro.
“A Bíblia diz: Cristo foi torturado. Quem torturou Cristo foi o poder da época. Então ele não poderia jamais aceitar o apoio de Bolsonaro, não faz sentido.”
Uma das mais tradicionais lideranças evangélicas do Rio, Garotinho conta que se reaproximou de Edir Macedo após um afastamento de dez anos, por sugestão do próprio Crivella. Também diz que acompanhou de perto a campanha do bispo licenciado.
“Eu dei uma aula particular de PMDB ao Crivella antes da eleição”, afirma o político – sua filha, a deputada Clarissa Garotinho, estava ao lado do novo prefeito no primeiro discurso após a eleição.
A discreta aliança entre os dois foi citada em todos os debates entre candidatos cariocas, geralmente associada à suposta ligação entre Garotinho e milicianos ou a “planos religiosos fundamentalistas” de poder.
“O carioca tem direito de saber que Garotinho vai voltar com o Crivella’, dizia o rival Marcelo Freixo (PSOL), derrotado no segundo turno por 59,36% a 40,64% dos votos válidos. O bispo licenciado reagia: “Não tenho compromisso com o Garotinho. Espero que esse assunto se encerre.”
Crivella chegou a emitir nota negando planos de oferecer uma secretaria ao colega. “O que existe entre o partido de Crivella e o de Garotinho é uma coligação, como também existe com outros partidos. Não houve nenhuma barganha de cargos”, disse.
Garotinho faz piada: “Saí do governo há 14 anos e fui o nome mais citado das eleições 2016.”
[b]Tráfico de drogas X milícias[/b]
Acusado em primeira instância, em 2010, por formação de quadrilha junto ao ex-chefe de política de seu governo, Álvaro Lins, ele se diz “perseguido” pelo Judiciário fluminense e nega acusações recorrentes de favorecimento a milícias.
À BBC Brasil, Garotinho reconhece que elas foram um “efeito colateral” do combate de seu governo ao tráfico de drogas.
“Tínhamos uma determinação: desmontar o Comando Vermelho (CV). Prendemos todos os cabeças, de Marcinho VP a Fernandinho Beira-Mar. Chegou um momento em que o CV estava acabado no Rio. E quem ocupa o lugar de benfeitor do mal? Isso foi o surgimento da milícia. Por isso insinuaram que eu tinha envolvimento com milícia: nunca tive, muito pelo contrário.”
Questionado por que razão teria priorizado traficantes e poupado milicianos, cuja atuação se expandiu pelo Estado durante sua gestão, Garotinho se esquiva.
“A milícia não se fortaleceu porque eu atuei para isso. Atuei para combater o CV, que era uma grande força. Não tinha milícia (antes do meu governo). Era uma coisa residual, pequena, só tinha em Rio das Pedras. Quem mandava em todo lugar era o traficante.”
À reportagem, ele critica Marcelo Freixo, que em 2008 presidiu uma CPI sobre o tema que resultou no indiciamento de mais de 200 pessoas, além de levar à prisão vereadores e um deputado.
“Ele não entende disso e nunca parou para discutir esse assunto comigo”, diz. “Não existe mal menor, a milícia tem que ser combatida. Mas se você não entende a origem dela, vai combater errado.”
Freixo, por sua vez, criticou Garotinho durante toda a campanha e defende que o apoio do político a Crivella “não pode vir de graça, sem contrapartida”.
[b]Rosinha Garotinho[/b]
Há mais de dez anos, o ex-radialista exerce uma faceta de analista político em seu blog, onde comenta governos e partidos, acusa rivais e se defende de revezes – como a derrota de seu candidato à prefeitura de Campos dos Goytacazes, seu principal reduto eleitoral.
“O resultado da eleição não foi o que de fato aconteceu. Ali tem fraude e a coisa não é pequena. Mais do que isso eu não posso falar”, diz.
Sua esposa, Rosinha, eleita governadora do Rio após sua gestão, em 2003, enfrenta um processo que pode cassar seu mandato de atual prefeita de Campos por “abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação”.
Para o Tribunal Regional Eleitoral, o site da prefeitura teria sido usado para favorecer a reeleição de Rosinha e seu vice, em 2012. Garotinho novamente nega ilegalidades. “Olha que loucura: caçar uma prefeita por uma matéria publicada no portal da prefeitura. Não tem sentido. Isso é clara perseguição.”
Ele prefere falar sobre supostas ilegalidades e erros políticos de seus desafetos.
O político atribuiu à “arrogância” a derrota do peemedebista Eduardo Paes, que não conseguiu levar seu sucessor Pedro Paulo ao segundo turno mesmo depois da visibilidade de eventos como a Olimpíada.
“Paes perdeu pela soberba. Tem um versículo bíblico que diz que a soberba precede a queda. Tanto é assim que ele escolheu um candidato inviável. O povo perdoa um mau gestor, mas não perdoa quem bate em mulher”, diz, em referência às acusações de agressão de Pedro Paulo à então esposa – as quais ele nega veementemente.
[b]Fonte: BBC Brasil[/b]