Há séculos religiosos optam pela castidade para se dedicarem completamente a Deus. O celibato até o casamento também não é novo: uma grande variedade de culturas tradicionais e as principais religiões monoteístas – cristianismo, islão, judaismo – prescrevem a virgindade até o matrimônio. Mas a psicologia alerta que tais práticas podem ser prejudiciais, gerando neuroses.
Entretanto, se a decisão for por opção, ao invés de ser por medo de punição, é possível ser casto sem problemas. É o que garante a psicóloga paraense Karina Darwich, 38, mestra em Psicologia: Teoria e Pesquisa do Comportamento Humano. Segundo ela, há como canalizar o desejo sexual para outras atividades. ‘Pela sublimação, a pessoa pode extravasar as energias para a solidariedade e para atividades físicas, por exemplo. Neste caso, diminuem as chances de ocorrer algum problema’, afirma a psicóloga, especialista em Psicodiagnóstico e Terapia Infantil e do Adolescente.
Neuroses podem ocorrer, diz Karina, quando a razão da castidade é o medo de ser reprovado por Deus, de punição. ‘Muitos religiosos se reprimem de maneira que pode vir a ser prejudicial psicologicamente. A pressão de evitar uma atitude pelo medo de ser condenado não é saudável’, explica.
Tal teoria é apoiada no pensamendo do psicanalista Sigmund Freud, que dizia que o sentimento de culpa é problema capital da civilização.
Ciente do que diz a psicologia, o pastor José de Arimatéia afirma não se preocupar com isso e abraça a opinião que tem a maioria dos evangélicos: sexo, apenas depois do casamento. ‘O psicólogo tem a ciência para se apoiar e nós (crentes) nos guiamos por outro parâmetro, pela parte espiritual’, diz. ‘Deus tem suas leis e elas não dependem do que diz a ciência’, afirma o pastor.
Arimatéia reconhece que o ser humano tem cinco instintos: de reprodução, auto-preservação, de possuir, de se alimentar e de dominar. ‘É natural nossa inclinação para estes instintos. A questão é que devemos dominar todos eles e como a ‘Bíblia’ deixa claro que o sexo é para depois do casamento, devemos ter controle sobre isso também’, diz.
O pastor acredita firmemente que Deus não permite que os crentes sofram neuroses por causa da castidade temporária. ‘Isto não acontece, pois é um ato voluntário da pessoa se preservar até o casamento’, fala.
O padre Djalma Lopes da Costa, 53, diretor-geral do Instituto Nossa Senhora Mãe da Divina Providência, concorda com a opinião da psicóloga Karina Darwich. Para Djalma, se a pessoa decide pelo celibato por motivos errados sofrerá as conseqüências psicológicas da escolha. ‘Há pessoas que se tornam padre por orgulho, sem espiritualidade. A única maneira de conseguir é pelo dom de Deus, pois se a pessoa se dedicar completamente ao sacerdócio, a parte sexual fica em segundo plano’, explica.
‘À luz da fé, é possível ser casto de maneira saudável; de qualquer outra maneira vai ser um peso muito grande para a pessoa’, diz.
Atenções canalizadas para fé
Segundo o padre Djalma Lopes da Costa, 53, diretor-geral do Instituto Nossa Senhora Mãe da Divina Providência, há pessoas que deixam de ser padre por falta de doação sincera a Deus e por falta de humildade, pois durante todo o tempo os padres são tentados. ‘A gente não deixa de ser homem, mas deve canalizar as atenções para a oração, renovação da fé. Devemos nos relacionar com todos sem nos misturar, sem nos sujar, olhar as demais pessoas como se fossem irmãs e mães’, explica.
O padre Djalma conta que até hoje é virgem. Ingressou no seminário há 30 anos, após completar curso de edificações na Escola Técnica do Pará, hoje Cefet, mas tinha vontade de ser padre desde criança. ‘Minhas brincadeiras eram de fingir missa e procissões’, conta. Após momentos de dúvida sobre o que faria na sua vida, Djalma seguiu a carreira de padre e hoje não se arrepende. ‘Se um dia eu cair, levanto, sabendo que é este o caminho que Deus quer para mim’, completa.
Tabus geram neurose coletiva
Nem todos os pastores defendem que o sexo deve ser consumado apenas depois do casamento. O reverendo Caio Fábio (foto) – famoso nas décadas de 80 e 90 por suas pregações em estádios de futebol e em programas televisivos – acredita que a Igreja Evangélica acaba por produzir milhares de neuróticos ao criar um tabu em torno do assunto. ‘Usar tabus para impedir a sexualidade, é, em si, neurose. Tudo aquilo que acontece em razão de impedimentos vinculados ao medo, vira neurose’, afirma no site www.caiofabio.com, em resposta a um e-mail de um jovem em dúvida sobre o assunto.
A idéia central de Caio Fábio é que cada crente deve seguir as limitações da sua consciência e não de uma lei instituída pela religião. Mas, dentro desta idéia, o reverendo vê como prejudicial as relações sexuais sem sentimento, sem amor. ‘Você pergunta: até onde eu posso ir? Minha resposta é simples: ..’bem-aventurado é todo aquele que não se condena naquilo que aprova’. Ou seja: quem quer que lhe diga faça ou não faça, está pecando contra a sua consciência’, diz.
Origens e comportamento
Segundo o dicionário Aurélio, ser casto é se abster de quaisquer relações sexuais. A castidade na visão religiosa significa não pecar contra o próprio corpo. O voto de celibato é exigido pela Igreja Católica a todas as hierarquias sacerdotais.
A origem da castidade, de acordo com o historiador Fernando Artur, pesquisador de história da religião, é incerta. Professores de história costumam dizer que é uma prática implementada apenas na Idade Média, para evitar que a Igreja perdesse posses em eventuais disputas de herança, mas tal afirmativa, segundo Fernando Artur, não é comprovada. ‘Pode ter sido relacionado com isso, mas foi uma série de fatores que fez a Igreja decidir, por meio de concílios, que os vocacionados para serviço exclusivo na igreja seriam castos’, diz.
Da mesma forma, diz o historiador, o sexo após o casamento tomou força na Idade Média, mas nem em todas as sociedades. ‘Na Palestina, na época de Jesus, uma mulher grávida antes do casamento, como foi o caso de Maria (mãe de Jesus), era passível de apedrejamento’, afirma. ‘Entretanto, no Japão, por exemplo, até o século XVI, a mulher casar após perder a virgindade não era visto de forma negativa pela sociedade’, completa.
Com amor e responsabilidade
O reverendo Caio Fábio acredita que obedecer a Deus em qualquer área da vida não adoece a alma: se as leis da religião estão adoecendo almas, é porque elas nada têm a ver com o espírito do Evangelho.’No amor não existe neurose, porque nele não existe fobia. Pessoas adultas de alma e que se amam responsavelmente nunca se sentem em pecado quando estão livres para fazer amor’, afirma. Assim, o pastor não condena o sexo antes do casamento, desde que seja de forma responsável e com amor.
Histórico
O historiador Fernando Artur afirma que até o início da Idade Média o casamento era uma celebração privada, um acordo entre famílias, sem ingerência da Igreja ou do poder público. ‘Demorou séculos para a Igreja conseguir se impor nesta questão e chegar ao ponto que estamos hoje’, fala. Antes disso, conta, casava-se logo após a puberdade. ‘Com 15 anos a pessoa era considerada adulta, já que a média de idade era pouco maior que 30 anos’, diz. Como hoje a expectativa de vida é mais longa, a fase considerada adulta, quando a maioria dos casamentos ocorrem, é depois do início da puberdade. ‘Este meio tempo que tem feito a sociedade quebrar o tabu de sexo apenas depois do casamento, embora a religião ainda não pense assim’, diz.
Fonte: Jornal Amazônia Hoje