A Congregação dos Humildes Servos da Rainha do Amor, grupo religioso católico que atua no Jardim Peri, Zona Norte da Capital, é desautorizado pela própria Igreja Católica.
Na cadeira de rodas, com a visão bastante prejudicada em decorrência de diabetes, uma ex-professora de 67 anos faz dois pedidos ao receber o DIÁRIO. Pede para não ser fotografada e para ser identificada apenas por madre Maria de Jesus. É assim que gosta de ser chamada desde que fundou, em 1994, a Congregação dos Humildes Servos da Rainha do Amor, grupo religioso católico que atua no Jardim Peri, Zona Norte da Capital, desautorizado pela própria Igreja Católica.
– Somos uma congregação católica que espera o reconhecimento. Não desanimo, mas hoje não estou buscando muito isso (o reconhecimento) não – vai logo avisando madre Maria, que comanda os Humildes Servos sob críticas de fora e dentro da Igreja Católica.
O primeiro a se opor à congregação foi o cardeal arcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes, que proibiu as missas na sede da congregação, exigiu que os Humildes Servos deixassem de usar o hábito característico de freiras e frades e abdicassem do Santíssimo Sacramento, representação-mor do catolicismo. Segundo sacerdotes católicos, o arcebispo chegou a escrever uma carta aos representantes da Igreja na região desautorizando o grupo do Jardim Peri.
Nos últimos tempos, a desaprovação partiu de familiares de internos do grupo religioso, que reclamaram de que os filhos romperam com a família depois que entraram para a congregação. No mês passado, duas famílias de Unaí (MG) tentaram retirar os filhos à força da sede religiosa e o caso foi parar na delegacia.
– Já recebi telefonema de um pai do Rio Grande do Sul reclamando. Ele estava desesperado, dizia que não sabia onde o filho estava. Pedi que o avisassem para falar com o pai. Mas a Igreja não pode responder pelo que acontece lá – avisa dom Joaquim Justino Carreira, bispo de Santana, na zona norte.
A despeito do não reconhecimento, a congregação cresceu nos últimos anos sob o sermão católico. A sede na zona norte conta com 34 seguidores, entre homens e mulheres, que convivem no mesmo espaço, mas dormem em recintos distintos. No local, há também uma incipiente escola de ensino fundamental, com cerca de 70 crianças que estudam, comem e passam o dia no lugar.
O grupo religioso presta atendimento a outras 60 pessoas, entre crianças e moradores de rua, que podem tomar banho e comer na congregação. Além da sede no Jardim Peri, os Humildes Servos estão presentes em outras cinco localidades, três delas em outros estados (Ceará, Bahia e Paraná).
– Nossos recursos vêm de doações. Só trabalhamos, rezamos e cuidamos dos pobres – diz a madre superiora, ex-dona de um orfanato e autora de mais de dez livros religiosos.
Quanto às leis que regem a rotina dos Humildes Servos, madre Maria fala pouco, quase nada. Só rebate a acusação de que os internos da congregação vivam enclausurados.
– Eles só não visitam as famílias porque não teríamos dinheiro para pagar as viagens. Nem os telefonemas podemos pagar. Mas os recebemos.
Entre as regras da congregação controladas por madre Maria estão proibições de barba nos homens e cabelos compridos nas mulheres e a obrigatoriedade de sempre andar de hábito e guardar ao menos três horas do dia para orações.
– Recebi uma reclamação e fiz uma visita. É uma congregação fechada e rígida, que está um pouco fora do tempo. Essas são práticas da Idade Média, que a Igreja já deixou para trás – afirma a freira Antônia Dal Mas, coordenadora regional da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB).
Procurado, o cardeal dom Cláudio Hummes limitou-se a dizer, por meio de sua assessoria, que os Humildes Servos não têm aprovação para atuar como congregação católica.
O delegado titular do 38º Distrito Policial da Vila Amália, Jair de Castro Vicente, afirma que já recebeu duas denúncias de familiares de internos contra a congregação do Jardim Peri, mas em nenhum dos casos houve indiciamento dos acusados.
– Foram instaurados dois inquéritos, mas já foram arquivados. Não visualizei crime a se apurar – afirma o delegado.
No último caso, ocorrido no mês passado, a família de Maria Geralda Ferreira Lima, 21 anos, de Minas Gerais, acusava os Humildes Servos de manter a jovem sob cárcere privado. Ouvida pelo delegado, Maria Geralda-que virou irmã Salete Maria de Jesus-desmentiu a história.
– É difícil para a minha família aceitar, mas estou aqui porque quero – disse a irmã, que chegou à congregação há cinco anos, ainda menor de idade.
– Na época, os pais deram autorização. Hoje, é ela quem decide – diz o delegado.
Segundo Eleonora Sartori, de 33 anos, a irmã Isabel, a congregação deixou de acolher menores de idade no ano em que irmã Salete chegou.
Fonte: Globo Online