Entediado com essas repetições infindáveis do reverendo Jeremiah Wright [ex-pastor de Barack Obama]? Então, vá diretamente ao YouTube, procure por “John Hagee Roman Church Hitler” e seja recarregado por um novo choque de bobagens clericais.
Você encontrará um televangelista branco, o reverendo John Hagee, palestrando em frente a um enorme diorama. Com uma caneta luminosa, ele aponta para a imagem de uma mulher com seios do tamanho dos de Pamela Anderson, segurando um cálice dourado nas mãos. A mulher é “a Grande Prostituta”, explica Hagee, e ela está bebendo “o sangue do povo judeu”. Isto porque “a Grande Prostituta” representa “a Igreja Católica Romana”, que, na visão dele, teve sede de sangue judeu ao longo da história, das Cruzadas ao Holocausto.
Hagee não é um excêntrico obscuro, mas o pastor de uma megaigreja texana. Em 27 de fevereiro, ficou ao lado de John McCain e endossou sua candidatura contra a de Mike Huckabee, o favorito dos conservadores religiosos, que ainda estava na disputa republicana pela candidatura à Casa Branca.
Katrina e gays
Devíamos acreditar que nem McCain nem sua campanha tinham a mínima idéia das posições de Hagee? Este vídeo do YouTube, que não é o único, foi postado em 1º de janeiro, quase dois meses antes dos pronunciamento Hagee-McCain para a imprensa. Hagee está em múltiplas redes religiosas, incluindo duas aparições diárias na maior delas, “Trinity Broadcasting”, que chega a 75 milhões de lares.
Desde então, McCain ficou chocado em descobrir que seu aliado religioso fez muitos outros pronunciamentos bizarros. Hagee, é verdade, jamais culpou o governo americano por criar a Aids. Mas ele diz que Deus mandou o furacão Katrina para punir Nova Orleans por seus pecados, particularmente uma “parada homossexual marcada para a segunda na qual veio o Katrina”.
Hagee não fez essa acusação em circunstâncias obscuras. Ele a transmitiu em um dos programa de rádio de maior audiência nos EUA, “Fresh Air” da NPR, em setembro de 2006. Ele reafirmou o que disse há menos de duas semanas. Somente depois que um repórter perguntou a McCain sobre o sermão do Katrina, em 24 de abril, o candidato classificou as declarações como “absurdas” e o pastor se retratou.
McCain diz que não endossa nenhum dos ataques de Hagee, não mais que Obama endossa os de Wright. Mas aqueles que tentam livrar McCain da acusação de ter abraçado o pastor problemático têm um argumento tênue, que pode ser resumido a isto: McCain não foi por 20 anos um fiel da igreja de Hagee.
Fica implícito, na defesa, que McCain foi um recipiente passivo do apoio de um radical intolerante. Na verdade, de acordo com ele próprio, foi McCain quem procurou Hagee, que talvez seja mais conhecido por defender uma “guerra santa” preventiva contra o Irã. (Os discursos agressivos do pastor talvez nos digam mais sobre as posições políticas de McCain que os de Wright sobre as de Obama).
Mesmo depois de os ataques de Hagee aos católicos reverberarem na mídia tradicional, McCain não o rejeitou, como fez Obama com o apoio não solicitado de Louis Farrakhan [líder do grupo Nação do Islã], após conclamações feitas pelo âncora da NBC Tim Russert e por Hillary Clinton.
Os vídeos de Hagee nunca tiveram a mesma circulação dos de Wright. A grandiloqüência de um pastor branco destilando veneno não fica tão bem na TV quanto o entusiasmo teatral de um homem negro.
Talvez por isso quase ninguém retransmita o diálogo entre Pat Robertson e Jerry Falwell, protótipo da alegação de Wright de que o 11 de Setembro foram as galinhas americanas “retornando ao galinheiro”. Na conversa transmitida pela TV em 13 de setembro de 2001, eles responsabilizam os pró-aborto, as feministas, os gays e os advogados da União Americana de Liberdades Civis pelos ataques -Wright culpou a política externa americana.
Padrão duplo
Caso o vídeo tivesse ressurgido no frenesi noticioso da TV a cabo, McCain talvez tivesse sido indagado sobre o porquê de não mais chamar esses pastores de “agentes da intolerância” e de ter escolhido aproximar-se de Falwell ao palestrar, em 2006, na Universidade Liberty, instituição batista fundamentalista criada pelo pastor.
Dois pastores brancos ensandecidos não tornam um Wright correto. É inteiramente justo que qualquer eleitor pondere sobre o longo relacionamento entre Obama e seu pastor ao julgar sua adequação para a Presidência. É igualmente justa ponderar a capacidade de Obama de lidar com essa crise pessoal e política que tem respingado repetidamente.
Qualquer que seja o veredicto, porém, é ingênuo fazer de conta que não há um padrão duplo operando. Se tivermos de julgar candidatos negros baseando-nos em seus apoiadores mais controversos -e à rapidez com que o renegam- deveríamos fazer o mesmo com os políticos brancos.
Fonte: Folha de São Paulo