O Conselho Permanente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) enviou uma carta de apoio ao padre Júlio Lancelotti (foto), alvo de uma investigação da Polícia Civil de São Paulo que apura uma denúncia de corrupção de menor supostamente cometido pelo religioso.

O órgão da entidade, que está reunido em Brasília, onde redigiu a correspondência, enviou a carta a Lancelotti na quarta-feira (24).

“O Conselho Permanente da CNBB, reunido em Brasília, expressa-lhe profundos sentimentos de solidariedade nesta hora de grande sofrimento pelo qual o senhor está passando e garante suas fervorosas orações para que Deus lhe dê forças”, diz a carta, assinada pelo presidente da entidade, dom Geraldo Lyrio Rocha, e o vice-presidente, dom Luiz Soares Vieira.

Na carta, a CNBB relata que reconhece e agradece o trabalho pastoral que Lancelotti realiza há décadas “junto aos pobres, em especial às crianças carentes, moradores de rua e portadores do vírus da Aids”. Lancelotti é coordenador das pastorais do menor e dos moradores de rua.

Os bispos manifestam na carta que lamentam as denúncias contra o padre. “Desejamos que tudo seja esclarecido rapidamente e que o exercício de sua nobre missão possa logo retornar ao seu curso natural”, diz a carta da CNBB.

Denúncia

Ontem, o SIG (Setor de Investigações Gerais) da 5ª Delegacia Seccional de São Paulo abriu inquérito para apurar uma denúncia de corrupção de menor feita por uma pessoa que disse ter testemunhado uma cena de suposto abuso do padre contra um ex-interno da Febem (atual Fundação Casa).

A testemunha tem seu nome protegido pela polícia e o nome do ex-interno, vítima do suposto abuso, também não foi revelado pela SSP (Secretaria da Segurança Pública). O caso teria ocorrido no final de 1999.

Coordenador da Pastoral do Povo de Rua e um dos principais defensores dos direitos de jovens infratores, o padre também acusa um ex-interno da Febem, Anderson Marcos Batista, foragido da Justiça, de tê-lo extorquido, por quase três anos.

Lancelotti disse que o ex-interno alegava dificuldades financeiras e ameaçava procurar a imprensa para denunciá-lo por pedofilia –o alvo do abuso seria o enteado de Batista, de oito anos. O padre também diz ter recebido ameaças de agressão e nega as acusações de abuso.

Nesta semana a Polícia Civil informou que abriu inquérito para investigar o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, entidade jurídica que representa serviços sociais na zona leste de São Paulo, e que tem o padre no conselho deliberativo.

A Polícia Civil de São Paulo informou que investiga o contrato da ONG com o objetivo de identificar, por exemplo, se o valor pago pela extorsão saiu dos cofres da entidade. A ONG nega que o padre tenha acesso a seus recursos financeiros.

Polícia quer ouvir funcionários do padre Júlio
Um dia após ouvir depoimento de uma mulher que disse ter visto o padre Júlio Lancellotti em suposta ação libidinosa com um adolescente, a polícia procura provas que possam sustentar a investigação. O delegado assistente do Setor de Investigações Gerais (SIG) da 5ª Seccional, Marco Antonio Bernardino Santos, pediu informações à Casa Vida 2, onde a mulher teria visto Lancellotti com um rapaz, sobre seus funcionários. Também foi solicitado à Vara da Infância e Juventude da capital que forneça a lista de internos que receberam o benefício de liberdade assistida entre 1999 e 2000 na ex-Febem, atual Fundação Casa.

O delegado Santos disse temer que o caso se torne “uma nova Escola Base”. Em 1994, donos de uma escola na Aclimação, professores e pais de um aluno foram acusados de abusar sexualmente de crianças. Ao fim do inquérito, todos os acusados foram inocentados.

“Quero saber quais eram os funcionários da Casa Vida 2 no final de 1999 e início de 2000. Também quero saber da Justiça quais eram os jovens que tinham licença para sair da Febem”, disse Santos. De acordo com a polícia, a mulher afirmou ser evangélica e não reconheceu por foto Anderson Marcos Batista como o rapaz flagrado juntamente com o padre no fim de 1999 na Casa Vida 2. A identidade da ex-funcionária está sendo mantida em sigilo.

A polícia também apura extorsão contra o religioso por uma quadrilha chefiada por Batista, que em três anos teria achacado pelo menos R$ 80 mil. Batista, sua mulher Conceição Eletério e Evandro Guimarães estão foragidos. Apenas Everson Guimarães, irmão de Evandro, está detido no Centro de Detenção Provisória do Belém.

A Casa Vida 2 atende pacientes de 8 a 17 anos , portadores do vírus HIV. Na época em que teria ocorrido o suposto flagrante, segundo a polícia, a maioria dos internos era de meninas.

Ontem, chegou à 5ª Seccional ofício da Fundação Casa, pedindo cópia do inquérito que apura a extorsão contra Lancellotti. A sindicância interna foi aberta no dia 18 de outubro e teria como objetivo acompanhar as investigações, uma vez que o padre é funcionário da ex-Febem desde 1975.

Para preso, padre Júlio não praticou pedofilia

Única pessoa presa até agora sob acusação de extorquir o padre Júlio Lancelotti, 64, o faxineiro Everson dos Santos Guimarães disse ontem à Folha, no CDP (Centro de Detenção Provisória) 1 do Belém (zona leste de SP), que “nunca viu nenhuma ação que indicasse” que o religioso praticou corrupção de menores ou pedofilia, como a polícia diz investigar agora.

“Ele é um homem de Deus”, disse Guimarães, preso desde 6 de setembro acusado de ajudar o ex-interno da Febem (atual Fundação Casa) Anderson Marcos Batista, 25, e sua mulher, Conceição Eletério, 44, a extorquir mais de R$ 80 mil do padre nos últimos três anos.

Assim como Evandro, 28, irmão de Guimarães, o casal é procurado pela polícia.

Com as mãos algemadas para trás e na sala do diretor do CDP 1 do Belém, Guimarães afirmou que, entre junho e setembro (quando foi preso), e a mando de Batista, buscou ao menos cinco vezes envelopes com grandes quantias de dinheiro nos locais em que o ex-interno da Febem pedia para ele encontrar o religioso.

“Era sempre muito dinheiro. Dava para perceber por causa do volume. Teve vezes em que ele dava R$ 15 mil, R$ 30 mil. A única vez que veio menos dinheiro foi a última, quando fui preso, e tinha R$ 2.000”, disse Guimarães, que era faxineiro na pensão arrendada por Batista na zona leste de São Paulo. O dinheiro era sempre dividido em maços de R$ 1.000.

Guimarães disse que o padre ia atrás de Batista “quase que todos os dias” e que quando o religioso não o localizava “ficava nervoso” “Quando ele [Lancelotti] não ia lá na pensão, ele ligava para saber dele [Batista]. Ele vivia atrás do Anderson.”

Em uma das vezes em que foi encontrar Lancelotti para buscar dinheiro para Batista, Guimarães disse ter levado um tapa na orelha esquerda do religioso quando respondeu não saber o paradeiro do ex-interno da Febem. O religioso foi procurado pela Folha ontem, mas não quis se manifestar.

O faxineiro afirmou também que o padre parecia dar o dinheiro a Batista “porque queria”. Ao ser questionado se a extorsão ocorria porque Batista e Conceição ameaçavam denunciar um suposto abuso do padre contra um dos filhos dela, disse não saber nada.

Guimarães afirmou ter aconselhado o padre em uma das vezes em que foi buscar dinheiro e disse que “ele deveria tentar se livrar daquilo” [a entrega de dinheiro]. O padre, segundo o faxineiro, havia pedido para Anderson “dar um tempo”. “Eu nunca fiquei com um só centavo do padre e ele sabe disso.”

Guimarães disse ontem que, quando foi preso, em setembro, foi espancado por três policiais dentro da sede do 81º DP (Belém), para onde foi levado após ser flagrado ao pegar um envelope com R$ 2.000 das mãos do padre. Disse ter recebido socos no peito e que assinou seu depoimento “sem ler”.

Ontem, o delegado André Luiz Pimentel disse que irá interrogar Guimarães para tentar saber mais sobre a suposta tortura.

Instituições

Veja os valores que as 36 entidades ou serviços que recebem verba da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social por meio do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, entidade que tem o padre Júlio Lancelotti como um dos conselheiros:

Casa Bakhita – R$ 51.467
Centro Comunitário São Martinho de Lima – R$ 46.164
Centro Tatuapé – R$ 41.274
Centro São Mateus – R$ 36.635
Centro Henry Ford – R$ 35.785
Espaço de Convivência Meninos e Meninas do Belém – R$ 28.350
Casa Maria Maymard – R$ 26.466
Casa Edith Stein – R$ 26.466
Casa Coração de Maria – R$ 24.151
Centro Educacional Nove de Julho (valor destinado ao atendimento de crianças e adolescentes de 6 a 15 anos) – R$ 18.605
Centro Educacional Nove de Julho (valor destinado ao atendimento de jovens de 15 a 18 anos) – R$ 17.367
Centro Educacional Tabor (valor destinado ao atendimento de crianças e adolescentes de 6 a 15 anos) – R$ 16.409
Centro Educacional São Paulo Apóstolo (valor destinado ao atendimento de jovens de 15 a 18 anos) – R$ 14.561
Centro Educacional Maria Cursi – R$ 13.013
Centro Educacional Tabor (valor destinado ao atendimento de jovens de 15 a 18 anos) – R$ 11.268
Centro Educacional São Francisco de Assis – R$ 10.729
Dona Perseverança – R$ 10.729
Centro Educacional Cristo Rei – R$ 10.729
Centro Educacional Emília Mendes de Almeida – R$ 10.729
Centro Educacional São Paulo Apóstolo (valor destinado ao atendimento de crianças e adolescentes de 6 a 15 anos) – R$ 10.729
Centro Educacional Miralda dos Santos Lima – R$ 9.075
Centro Educacional São Francisco e Santo André – R$ 9.075
Centro Educacional Vila Rica – R$ 9.075
Centro Educacional Santa Rosa do Panorama – R$ 6.938
Centro Educacional Carrãozinho – R$ 13.013
Centro Educacional São Vicente Pallotti – R$ 6.938
Centro Educacional São Pedro – R$ 10.729
Centro Educacional Sammutti – R$ 6.938
Centro Educacional Santa Marina Virgem – R$ 6.938
Centro Educacional Itápolis – R$ 6.938
Centro Educacional Maria Imaculada – R$ 6.938
Centro Educacional Santa Rosa de Lima – R$ 6.938
Centro Educacional João Paulo 2 – R$ 6.938
Centro Educacional Santa Isabel Rainha – R$ 6.938
Centro Educacional Imaculada Conceição – R$ 6.938
Centro Educacional Elizabeth Gasperavícius – R$ 6.938

Fonte: Folha Online e Estadão

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