Uma segunda chance. É assim que o padre Frank Luiz Franciscatto, 41 anos, interpreta o fato de ter sobrevivido ao ataque que matou a professora de Religião Vitória Lúcia Marques Kurrik, 55 anos, na noite de 2 de dezembro do ano passado.

Com o braço esquerdo apoiado na tipóia devido ao ferimento a bala, padre Frank aproveita sua “segunda chance” para retomar as atividades como vigário paroquial da Igreja Santa Teresinha do Menino Jesus, em Botafogo.

“Está sendo muito bom voltar ao trabalho. O convívio com os amigos, os paroquianos, a comunidade, enfim, é sempre reconfortante. Estas demonstrações de afeto me ajudam a recomeçar. Celebrar a missa ajuda a superar o trauma que eu enfrentei”, afirma o sacerdote.

A primeira missa que padre Frank celebrou após o trauma de ter sido vítima de um “bonde” de assaltantes na Rua da Passagem, em Botafogo, foi justamente a de 30º dia de falecimento da catequista Vitória na última quarta-feira, dia 2 de janeiro. Apesar de traumatizado, o sacerdote não pensa em se mudar do Rio, onde cursa Psicologia na Universidade Santa Úrsula, em Botafogo.

Vigília de fiéis

“No fim de janeiro, passarei 30 dias com a minha família no Rio Grande do Sul, mas, em fevereiro, já estarei de volta. Não penso em sair do Rio de maneira nenhuma. Já morei aqui antes, entre 1995 e 1997, quando fiz um curso de Direito Canônico, e a cidade sempre foi muito acolhedora. O povo carioca, aliás, é muito solidário e acolhedor. Não é justo que a imagem do Rio que fique seja a da violência”, lamentou.

A volta de padre Frank à Igreja de Santa Teresinha foi recebida com alegria pelos paroquianos. “Padre Frank é muito querido por todos nós. Durante a sua ausência, fizemos vigília por sua recuperação. Como ele é gaúcho de Palmeira das Missões, sua família no Rio somos nós. Por isso, nos mobilizamos para pagar um enfermeiro particular para ele. Só não fizemos romaria até o Miguel Couto, para visitá-lo na enfermaria, porque a direção do hospital certamente não nos deixaria entrar”, brinca Zenon do Nascimento, coordenador dos ministros da Eucaristia da paróquia.

A alegria da secretária Vera Lúcia Marques de Araújo, 54 anos, pela volta de padre Frank só não foi maior porque a dor pela perda da irmã ainda é forte. “Sei que nada do que possa ser feito trará a minha irmã de volta. Mesmo assim, espero por Justiça. O meu consolo é que a prisão impedirá esses sujeitos de fazer mal a outras famílias. Espero que a morte da Vitória não se transforme apenas em mais um número de estatística da violência”.

Bandidos sem piedade

O padre Frank Franciscatto e a professora de Religião Vitória Lúcia voltavam de uma missa em Bonsucesso quando o Santana Quantum do sacerdote foi atacado por um ‘bonde’ de criminosos na Rua da Passagem, em Botafogo. O padre foi ferido no braço esquerdo e a catequista, morta com dois tiros no abdome e na cabeça.

Segundo o pároco da Santa Teresinha, Abílio Soares de Vasconcelos, não era para Frank e Vitória estarem no carro. Na verdade, padre Frank só celebrou a missa em Bonsucesso porque padre Abílio já tinha outros compromissos na paróquia. Além disso, Vitória só acompanhou padre Frank para evitar que ele se perdesse.

De acordo com a polícia, os bandidos que mataram a catequista são do bando do traficante Alexandre da Silva Inocente, o Merenda, chefão do pó na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, que planejava invadir a Cruzada São Sebastião, no Leblon.

Na ocasião, o motoboy Magno Oliveira de Paiva, 28, chegou a registrar queixa na 12ª DP (Copacabana) como vítima dos assaltantes, mas foi reconhecido por uma testemunha que o viu descer do carro com um fuzil.

‘Ainda lembro do terror’

ENTREVISTA DO PADRE FRANK FRANCISCATTO, vigário da Santa Teresinha.

Os quatro pinos colocados no braço ainda limitam os movimentos do padre Frank. Durante as missas, ele recorre à ajuda de um ministro da Eucaristia para levantar o cálice ou dar a comunhão. Mas nada que arrefeça seu ânimo.

Como está o braço? O tiro deixou seqüelas?
Ainda estou com os movimentos limitados. Atualmente, só movimento três dedos da mão. Só o tempo dirá se terei seqüelas.

Qual a lembrança que você guarda do ataque?
Ainda hoje, lembro do terror que senti. Lembro dos gritos, das pessoas armadas, da porta que não abria. Ainda hoje, quando fecho os olhos, a cena toda me assusta muito.

O que aconteceu exatamente?
Numa hora dessas, acontece tudo o que não poderia acontecer. A porta não abre, o cinto não destrava, essas coisas. Você fica tão tomado pelo terror que nada parece dar certo.

Que lembrança ficará da Vitória?
A Vitória era de uma simplicidade impressionante. Quando saía às ruas, falava com todo mundo: porteiros, camelôs, guardadores de carro. Não podia ver nenhum tipo de humilhação.

O que mudou na sua vida depois da tragédia?
A vida ganhou um significado novo. É como se Deus tivesse me dado uma segunda chance. Não que fosse mau ou coisa parecida, mas o sofrimento melhora a gente como ser humano.

Fonte: O Dia

Comentários