Christian von Wernich, que foi capelão da polícia, é acusado de participação em sete homicídios e em 41 casos de tortura. No início do julgamento, que deve terminar em três meses, sacerdote prefere não se pronunciar; serão ouvidas 126 testemunhas.

Um julgamento iniciado ontem em La Plata levou pela primeira vez a um banco dos réus argentino um padre acusado de crimes cometidos durante a última ditadura militar no país (1976-1983). Trata-se de Christian von Wernich, 69, ex-capelão da polícia da Província de Buenos Aires.

Von Wernich é o terceiro funcionário do regime militar que vai a julgamento desde a revogação, em 2005, das leis de perdão promulgadas durante o governo Raúl Alfonsín (ver quadro). O padre é acusado de participação em sete homicídios e em 41 casos de privação ilegal de liberdade e tortura.

Como capelão da polícia, Von Wernich é acusado por testemunhas de ter buscado a confissão de presos políticos depois que eles já haviam sido torturados. Também teria usado sua posição de sacerdote para falar com as famílias dos detidos em busca de dinheiro que supostamente seria usado para que os presos pudessem sobreviver no exílio. O padre atuaria a mando de Ramón Camps (morto em 1994), chefe da polícia e um dos condenados por violar os direitos humanos antes das leis de perdão, de quem Von Wernich era confessor.

A maior acusação que pesa contra Von Wernich é a de ter assistido o assassinato de sete “montoneros” (guerrilheiros de esquerda), a quem havia prometido a liberdade em troca de colaboração com as forças repressoras. A colaboração veio, a liberdade não -os jovens, o mais velho com 28 anos, foram fuzilados no fim de 1977.

O julgamento de von Wernich começou ontem em La Plata, capital da Província de Buenos Aires, e tem seu desfecho previsto para 5 de outubro. Testemunharão contra o padre 126 pessoas, entre as quais a principal é Luis Velasco, autor do livro “Maldito Tú Eres. El Caso Von Wernich” (Maldito És – o Caso Von Wernich, sem tradução para o português).

Velasco relata, entre outras coisas, que Von Wernich defendia que os presos tinham que ser castigados pelo mal que haviam feito à Argentina. “Vocês causaram muito dano ao país com suas bombas e atentados. A dor é a maneira de redimir o mal”, teria dito ele a Velasco.

Proteção

As testemunhas contra o padre estão sob proteção policial para evitar a repetição do caso Júlio López. Testemunha no processo contra o repressor Miguel Etchecolatz, López desapareceu no dia do julgamento do militar, em setembro de 2006, e seu paradeiro é desconhecido até hoje. Von Wernich está sendo julgado pelo mesmo tribunal que condenou Etchecolatz à prisão perpétua.

Ontem, no primeiro dia do julgamento, Von Wernich, que compareceu ao tribunal vestindo uma batina, abdicou de seu direito de falar, por orientação do seu advogado. O julgamento foi interrompido e continua na próxima terça-feira, com o início dos testemunhos.

Von Wernich nunca perdeu a condição de padre e continuou exercendo o sacerdócio, primeiro na Argentina e depois no Chile, até ser preso em 2003.

Na única entrevista que concedeu sobre sua atuação durante a ditadura, em 1984, Von Wernich disse: “Não temo que por essas acusações me tirem o sacerdócio. Sei bem o que fiz e com quem o fiz. Ninguém vai me proibir de celebrar missas nem perderei nenhuma das minhas atribuições. Quando for o momento, a Justiça decidirá.”

Movimentos sociais que protestaram em frente ao tribunal cobram da igreja um reconhecimento de que alguns de seus membros agiram mal durante a ditadura, o que nunca aconteceu. No mês passado, o cardeal José Bergoglio deu uma declaração em que, sem citar o governo Kirchner, criticava quem “maldizia o passado para tirar vantagem no presente”. Kirchner, que ontem anunciou um aumento salarial de 16,5% para as Forças Armadas, disse que Von Wernich deve ser julgado “sem vingança, mas com justiça e a defesa a que tem direito”.

Fonte: Folha de São Paulo

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