Em dois anos, mais de duas dezenas de padres católicos migraram para a Igreja Anglicana. Obrigação do celibato é, quase sempre, o motivo da mudança.
Todo aquele que é ordenado faz três votos fundamentais e obrigatórios até o fim da vida religiosa: a obediência, a pobreza e a castidade.
O objetivo é que o corpo, frágil em sua essência, não sirva às necessidades pessoais, mas tão somente à vocação de pregar a palavra de Deus.
A prática, no entanto, mostra que sobretudo o terceiro item configura um desafio ao qual muitos homens de fé terminam por sucumbir.
OI não cumprimento do celibato, esse voto que se aprofundou com o correr dos séculos, tem sido o motor de uma crescente revoada de religiosos católicos para outras igrejas.
A Catedral Anglicana de São Paulo, por exemplo, fundada em 1873, tinha apenas três reverendos até 2016. No espaço de dois anos, saltou para 23 — e todos, sem exceção, são egressos da Igreja Católica.
Outros vinte religiosos devem se somar a eles até o fim do ano, fazendo o número pular para 43.
Para a grande maioria desses ex-padres, o fracasso em seguir as regras do celibato foi fundamental para a sua despedida do catolicismo. É o caso de Dionísio Pereira, de 49 anos.
Dionísio Pereira, de Pouso Alegre (MG) foi excomungado após descobrirem que ele teve um filho com uma auxiliar de sua paróquia. Benedito Alves, de São Paulo, cansou de viver vida dupla: há seis anos ele mora com seu companheiro, que conheceu em uma sala de bate-papo online. Jailson Sandes, de Bacabal (MA) manteve o celibato por 15 anos – mas não conseguiu controlar seus instintos ao se apaixonar por uma fiel.
O crescimento anglicano tem sido observado em países como Estados Unidos, sobretudo entre os jovens. O motivo é a cartilha menos conservadora da Igreja, que aceita, por exemplo, o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
“Ela tem pautas atuais, os cultos são ágeis e sempre abertos às minorias”, diz o sociólogo Ribeiro Neto. “Aceitamos divorciados, homossexuais, adúlteros e todos aqueles para quem o Vaticano vira as costas”, diz Aldo Quintão, reverendo-chefe da Catedral Anglicana de São Paulo.
O anglicanismo — fundado pelo rei Henrique VIII (1491-1547), que rompeu com Roma depois de ver negado pelo papa seu pedido de anulação do casamento com a rainha Catarina de Aragão para unir-se a Ana Bolena — prevê a observância dos sete sacramentos, a crença nos santos e na Santíssima Trindade.
Mas seus sacerdotes não estão obrigados ao celibato, defendem o uso de contraceptivos e realizam casamentos entre divorciados. Em 2009, o papa Bento XVI autorizou que reverendos anglicanos, casados e com filhos, pudessem ser ordenados padres.
Desde então, da mesma forma que ex-padres são bem-vindos à Igreja Anglicana, ex-reverendos podem migrar para a Católica. Não surpreende, porém, que, por enquanto, esse último fluxo não tenha a intensidade do primeiro.
Leia a matéria completa na revista VEJA de 4 de julho de 2018, edição nº 2589