Em seu terceiro dia de visita à Baviera, o Papa Bento XVI abordou temas delicados como fé, islamismo, fanatismo, criacionismo e evolucionismo na missa que oficializou e numa reunião acadêmica que conduziu na cidade de Ratisbona.

Ante inúmeros cientistas e professores universitários, assim como personalidades eclesiásticas, o Sumo Pontífice, em aula magna, analisou a natureza da vontade do Deus do Islã e afirmou que o caminho do ser humano para a fé passa pelo discurso racional e nunca a violência.

“A vontade do Deus do Islã não está subordinada à razão”, afirmou o Sumo Pontífice, que foi catedrático de teologia e história do dogma na Universidade de Ratisbona de 1969 a 1977. O papa usou um diálogo entre um imperador bizantino do século XIV e um erudito persa para expor seu pensamento.

“A fé é o fruto da alma, não do corpo. Quem quiser conduzir alguém à fé precisa falar bem e argumentar corretamente ao invés de usar a violência e a ameaça”, afirmou ele. “Não atuar segundo a razão é contrário à natureza de Deus”.

“Em compensação, para a doutrina muçulmana, Deus é absolutamente transcendental. Sua vontade não está ligada a nenhuma de nossas categorias, nem sequer à razão”.

Bento XVI também citou o teólogo muçulmano Ibn Hazn, do século X, segundo o qual Deus sequer se submete à sua palavra “e nada o obriga a nos revelar a verdade”.

O Papa insistiu na recusa do uso da violência e da ameaça como métodos de transmissão da fé e considerou que a sociedade precisa de um diálogo entre culturas e religiões. Pela manhã, durante uma missa ao ar livre em Ratisbona, Bento XVI também tratou de outros temas delicados, afirmando que fanatismo destrói a imagem de Deus e que o evolucionismo enquanto ciência por si só não explica a origem do mundo.

O Sumo Pontífice pediu aos fiéis reunidos na esplanada de Islinger Feld, nas proximidades de Ratisbona, que definam sem ambigüidades suas crenças em relação ao fanatismo e os orientou ao resumir em uma frase quem é o Deus dos católicos.

“Acreditamos neste Deus que é o espírito criador, a razão criadora de onde tudo procede e de onde também viemos nós”, explicou o chefe da Igreja Católica a entre 220.000 e 250.000 peregrinos, segundo a polícia, que o receberam, como já se tornou habitual durante a viagem a sua terra natal, com cartazes e bandeiras brancas e amarelas, as cores do Vaticano.

O Papa alemão destacou a existência de enfermidades fatais que corroem a fé e um fanatismo que de alguma maneira atenta contra Deus.

“Hoje em dia, em que existem patologias e doenças fatais da religião e da razão, destruições da imagem de Deus por causa do ódio e do fanatismo, é importante dizer com clareza em que Deus acreditamos”, disse durante a homilia celebrada em um altar situado perto de uma imensa cruz.

“Apenas isto pode nos libertar do medo de Deus, um sentimento do qual nasce o ateísmo moderno. Somente este Deus nos salva do medo do mundo e da angústia diante do vazio de nossa própria existência”, acrescentou o Sumo Pontífice.

Bento XVI também abordou outro tema que sempre provoca polêmica, inclusive entre os teólogos cristãos, e que em uma época opôs a Igreja aos círculos científicos: o evolucionismo contra o criacionismo.

O Papa Joseph Ratzinger opinou sobre o assunto com base em uma fundamentação própria de professor de teologia dogmática, função que exerceu de 1969 a 1977 na Universidade de Ratisbona.

“O que existe na origem? A razão criadora, o espírito que opera em tudo e proporciona o desenvolvimento, ou a irracionalidade que, despojada de toda razão, produz estranhamente um universo ordenado de maneira matemática, assim como o Homem e sua razão?”, questionou o Papa durante a missa que teve a presença de seu irmão, o padre Georg Ratzinger, 82 anos.

“Neste caso, seria então apenas o resultado casual da evolução e, portanto, no fundo, também algo irracional”, argumentou.

De nada vale, afirmou o Papa, tentar explicar a origem do mundo com cálculos que nunca fecham.

“Apesar de uma parte da ciência se dedicar desde o século do iluminismo a buscar uma explicação ao mundo na qual Deus seria supérfluo, nunca conseguiu porque sem Deus os cálculos sobre o homem não encaixam e os cálculos sobre o mundo, sobre todo o vasto universo, não fecham sem Ele”, advertiu.

O evolucionismo é uma doutrina filosófica fundamentada em que tudo é gerado pela evolução. O criacionismo defende a teoria de que o mundo foi criado segundo o Gênesis, primeiro livro do Antigo Testamento da Bíblia, ou seja, que Deus criou o mundo do nada e participou na criação da alma humana no momento da concepção.

O Sumo Pontífice fez a crítica à ciência durante a terceira e última missa ao ar livre da viagem de seis dias à Baviera natal, que chegará ao fim na quinta-feira.

Após a cerimônia, quando o Papa se preparava para deixar a esplanada, a polícia alemã prendeu um jovem que corria em direção a Bento XVI, anunciou o ministro do Interior do estado regional da Baviera, Gunther Beckstein.

A polícia não sabe quais seriam as intenções do jovem.

De acordo com o prefeito de Ratisbona, Hans Schaidinger, que presenciou a cena, poderia se tratar de um “admirador que queria expressar alegria”.

Fonte: AFP

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