O papa argentino surpreendeu no Rio de Janeiro ao admitir que um modelo de Estado laico é benéfico para a “convivência pacífica entre as diferentes religiões”.

Várias outras afirmações do papa também se destacaram pelo tom de reprimenda a uma hierarquia eclesiástica acomodada, que em especial no Brasil tem assistido ao constante êxodo dos fiéis para outras igrejas.

A reivindicação da laicidade do Estado foi durante muitos anos considerada como marca de água de uma cultura jacobina e anticlerical.

Em Portugal, a título de exemplo, a Primeira República foi sempre acusada de ter separado a Igreja e o Estado, ao arrepio de sentimentos populares supostamente arreigados no país mais profundo. O papa, qualquer papa, seria portanto a última figura de quem pudesse esperar-se um aplauso para a ideia do Estado laico.

E, no entanto, foi mesmo isso que ontem afirmou Jorge Mario Bergoglio numa das suas intervenções públicas no Rio de Janeiro: “A convivência pacífica entre as diferentes religiões vê-se beneficiada pela laicidade do Estado, que, sem assumir como sua nenhuma posição confessional, respeita e valoriza a presença do fator religioso na sociedade”.

Esta visão não implica, contudo, que a Igreja deixe de pronunciar-se sobre a política, como ficou claro no remoque lançado pelo papa aos ventos dominantes na política atual: “O futuro exige-nos uma visão humanista da economia e uma política que consiga cada vez mais e melhor participação das pessoas, que evite o elitismo e erradique a pobreza. Que a ninguém falte o necessário e que a todos se assegure a dignidade, fraternidade e solidariedade”.

Em sentido inverso, também a Igreja terá de contar com os olhares críticos da política sobre si própria, como instituição e cultura. Mas o papa não parece disposto a esperar passivamente que essa crítica chegue de fora e lançou igualmente um remoque aos seus bispos: “Por vezes perdemos os que não nos entendem porque olvidamos a simplicidade (…) Talvez a Igreja se tenha mostrado demasiado distante das suas necessidades, demasiado fria para com eles, demasiado centrada em si própria, prisioneira da sua própria linguagem rígida; talvez o mundo pareça ter convertido a Igreja numa relíquia do passado”.

Para não deixar dúvidas sobre os destinatários desta parte da mensagem, Bergoglio lançou: “Que me perdoem os bispos e padres, mas a Igreja tem de mudar”

[b]Fonte: RTP – Portugal[/b]

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