Os consultores jurídicos do Vaticano, que respondem diretamente ao papa Bento XVI, impediram que modificações propostas por alguns bispos no texto da Conferência do Episcopado da América Latina, que ocorreu em Aparecida em maio, fizessem parte do documento final.

As informações foram reveladas ao Estado por um entrevistado em Roma que não quis se identificar e confirmadas pela embaixada do Brasil na Santa Sé.

O texto de Aparecida, que marca um novo esforço da Igreja na América Latina, foi aprovado pela conferência em 31 de maio e enviado ao papa em 11 de junho. Em menos de dois meses, Bento XVI deu sinal verde para a publicação – tempo recorde para aprovação de documento oficial da Igreja, que, em geral, leva até um ano.

Segundo revelou o Estado, mais de 200 mudanças no texto teriam sido feitas exclusivamente pelo cardeal chileno Francisco Javier Errázuriz Ossa e pelo bispo argentino Andrés Stanovnik, presidente e secretário-geral do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), antes de ser entregue ao papa. As mudanças revoltaram alguns bispos, que chegaram a sugerir que o texto fosse devolvido para ser revisto.

Ocorre que o Vaticano teria tido participação direta na mudança. O centro do debate foi a inclusão ou não de um artigo no documento sobre as comunidades eclesiais de base (CEBs). Em uma primeira votação, o artigo foi reprovado. No debate final, o artigo voltou à votação e, então, foi aprovado.

Antes de qualquer alteração, o cardeal chileno teria consultado o órgão jurídico do Vaticano sobre a legalidade das votações antes de enviar o texto ao papa. Os consultores tinham duas opções: considerar a última votação e permitir que o artigo fosse adicionado ou considerar que ele já havia sido recusado em votação anterior.

A versão que vingou foi a de que o que valeria era a primeira votação e o artigo não poderia entrar. O cardeal Giovanni Battista Ré, presidente da Pontifica Comissão para a América Latina, mandou uma carta confidencial aos bispos explicando a modificação.

As demais mudanças teriam sido feitas pelo próprio cardeal Errázuriz, numa suposta tentativa de adequar a linguagem do texto aos objetivos de Bento XVI. “Ele se antecipou ao que o papa provavelmente faria”, explicou uma fonte no Vaticano. Só que o cardeal não comunicou as mudanças a seus pares. Não por acaso, o texto entregue ao papa foi aprovado quase que imediatamente. “A assinatura dele significa que o texto não mais será debatido. O assunto foi encerrado”, concluiu o entrevistado.

Bispo questiona explicação de veto jurídico

O bispo de Jales (SP), d. Demétrio Valentini, um dos delegados brasileiros na 5ª Conferência-Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, estranha a explicação de que consultores jurídicos do Vaticano tenham vetado a inclusão no Documento de Aparecida de um artigo sobre as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) pelo fato de o texto ter sido rejeitado em votação anterior.

“Nenhum texto foi rejeitado antes. O que ocorreu foi a omissão, na quarta redação (versão final), do artigo sobre as CEBs que constava da terceira redação e desapareceu da noite para o dia, alegadamente por um erro de digitação no computador”, disse d. Demétrio. O bispo boliviano d. Sérgio Gualberti, de Santa Cruz de la Sierra, coletou então dez assinaturas de presidentes de conferências episcopais para que a questão fosse votada em destaque na última sessão, em 31 de maio.

Embora a votação não tenha alcançado os dois terços dos votos necessários – houve 70 votos a favor do artigo sobre as CEBs e 37 contra -, a coordenação da conferência entendeu que o texto deveria ser mantido porque a omissão se deveu a “um erro de digitação”, conforme alegou o perito argentino Carlos Maria Galli. As alterações foram feitas posteriormente pelo Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), antes da entrega do documento ao papa Bento XVI, em 11 de junho.

“Como essa questão continua nebulosa, mantenho a minha posição de que temos a obrigação moral de publicar o texto original votado pelos bispos, apontando os cortes e acréscimos feitos antes da entrega do documento ao papa”, insistiu d. Demétrio.

A CNBB informou que não tem conhecimento da interferência de consultores jurídicos do Vaticano na redação do Documento de Aparecida. A única informação que a entidade tem é um comunicado à imprensa que o bispo de Reconquista, na Argentina, d. Andrés Stanovnik, na época secretário-geral do Celam e da 5ª Conferência, distribuiu em 27 de agosto.

Segundo o comunicado, o texto aprovado em 31 de maio “foi entregue ao Celam para uma revisão final que consistiu em: corrigir falhas de digitação; erros gramaticais, de ortografia e pontuação; melhorar o estilo e ordenar vários parágrafos que estavam fora de lugar (…); corrigir erros nas citações ao pé de página e melhorar a redação confusa de algum número (item)”. Stanovnik garante que tudo “se realizou em comunicação permanente com a Santa Sé” e que “não houve alterações de conteúdo”.

Revisão coletiva

Mais uma informação do então secretário-geral do Celam: “O Documento Conclusivo, após sua revisão final, foi entregue ao Santo Padre no dia 11 de junho, em Roma. Ali, o texto foi distribuído aos diversos organismos da Santa Sé, que colaboram com o papa. Esses, por sua vez, encaminharam propostas ao Santo Padre sobre diversos números do documento”.

Stanovnik informa que o Documento Conclusivo que Bento XVI autorizou publicar “contém variações sugeridas por seus consultores”, mas afirma que, “mesmo com os matizes que essas variações introduziram em alguns números do documento, não se pode afirmar que tenham modificado substancialmente o texto aprovado pela assembléia”.

Fonte: Estadão

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