Bernardo Mello
Revista Época on-line

O apoio do presidente Jair Bolsonaro ao pleito de parlamentares da bancada evangélica que querem afrouxar obrigações fiscais de igrejas e demais organizações religiosas foi recebido com ressalvas por especialistas do meio jurídico, segundo informa site da revista Época.

Embora a imunidade tributária de igrejas seja uma garantia constitucional, o especialista em Direito Tributário Alexandre Ogusuku, integrante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), lembra que cabe ao Fisco vigiar os limites das isenções através de um “conjunto mínimo de obrigações acessórias”.

Em proposta levada à Receita Federal, líderes evangélicos da Câmara recomendaram que as igrejas fiquem livres de obrigações acessórias como a Escrituração Contábil Digital (ECD) e a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), inclusive com anistia de multas no caso desta última.

A Receita, que já atendeu uma das solicitações da bancada evangélica — a de desobrigar inscrição no CNPJ no caso de igrejas menores —, informou que uma hipotética anistia tributária precisaria ser decidida pelo Congresso.

“É por meio destas obrigações acessórias que o Fisco pode verificar corretamente os limites das imunidades e isenções (de igrejas). As entidades imunes ou isentas devem se submeter a isso, sob risco de que o Fisco perca o controle dos limites da imunidade e das isenções”, afirma Ogusuku.

O especialista defende a manutenção de prestações contábeis como a DCFT e a ECD. “São instrumentos hábeis e adequados aos registros de quaisquer atividades econômicas, inclusive aquelas praticadas pelas igrejas”. Já os deputados da bancada evangélica argumentam, com base em um relatório apresentado pela empresa Kadoshi Contabilidade Eclesiástica, que tais controles se aplicam bem a empresas privadas, e não a igrejas — que são, por prerrogativa, associações não lucrativas.

O advogado Hugo Cysneiros, assessor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e autor do livro “O Marco Jurídico das Organizações Religiosas”, concorda que é necessário que igrejas se submetam a padrões contábeis semelhantes ao de empresas lucrativas. Ele argumenta, porém, que o Estado é “muitas vezes insensível a determinadas particularidades” das igrejas. Cysneiros frisa que o problema não se limita às denominações evangélicas.

Segundo ele, igrejas católicas compartilhavam a insatisfação evangélica quando vigorava a obrigação do CNPJ para todos os templos. “É digno de elogio o ato da Receita Federal de acabar com essa obrigação. Não representa nenhum privilégio. É simplesmente reconhecer que não faz o menor sentido tratar capela, por exemplo, como filial de empresa”.

Cysneiros vai contra a maré evangélica ao defender, por exemplo, que a ECD poderia ser mantida, por dar condições para que o Fisco monitore o tratamento tributário diferenciado dado às organizações religiosas. A ECD contém movimentações financeiras diárias das entidades, incluindo pagamentos feitos a funcionários e doações a terceiros. O advogado, no entanto, afirma que os últimos governos impuseram “um cenário hostil” que sufoca as igrejas no campo tributário.

“A história mostra que todos os Estados que quiseram mitigar liberdades religiosas começaram a fazê-lo através da tributação”, diz Cysneiros. “Hoje há limitações violentíssimas, por exemplo, para que as igrejas possam formalizar também arrecadações com outras atividades, como livraria, estacionamento e salão de eventos. O sistema da Receita parte do princípio de que a arrecadação da igreja se limita a doações de fiéis. Não é assim”.

Cysneiros defende que o modelo tributário de empresas lucrativas seja replicado no caso de organizações religiosas, de modo que igrejas menores tenham prestações de contas simplificadas — como é feito, no mundo empresarial, em modalidades como o Simples nacional e o MEI (Microempreendedor Individual). A proposta levada pela bancada evangélica a Bolsonaro defende que adaptações desse tipo poderiam reduzir o número de multas e, consequentemente, de inadimplência das igrejas.

A imunidade blinda as igrejas de pagamento de impostos sobre o patrimônio, mas elas seguem obrigadas a recolher tributos que incidem na folha de pagamento de funcionários, por exemplo. Segundo a Receita Federal, as penalidades cobradas de igrejas que não cumpriram obrigações acessórias estão na casa de R$ 12,5 milhões atualmente. A dívida total das igrejas com o Fisco — que envolve também o não recolhimento de encargos trabalhistas e previdenciários — chega a R$ 453,3 milhões.

Para o advogado Alexandre Ogusuku, as obrigações tributárias criticadas pelas igrejas são apenas parte de um problema mais amplo no país. Ogusuku lembra que o aumento das obrigações acessórias, por exemplo, foi acompanhado pelo aumento da sonegação de impostos.

“Tudo isso há de ser reformado pelo bem do crescimento e desenvolvimento econômico do Brasil. Precisamos de uma reforma que reduza o valor dos tributos brasileiros e simplifique o modelo de obrigações acessórias (custo Brasil) para todos, e não só para as igrejas”.

Fonte: Revista Época on-line

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