Elaborado pela Congregação para a Doutrina da Fé e ratificado pelo papa Bento 16, o Vaticano tornou público ontem um documento chamado “Respostas a questões relativas a alguns aspectos da doutrina sobre a igreja”, no qual reafirma o dogma de que a Igreja Católica é a verdadeira e única igreja de Cristo e declara que as igrejas protestantes não podem ser chamadas de igrejas.
O documento gerou protestos entre vários clérigos cristãos, que o qualificaram de ofensivo e danoso ao diálogo ecumênico.
Elaborado pela Congregação para a Doutrina da Fé e ratificado pelo papa Bento 16, o texto, em forma de cinco questões e suas respectivas respostas, pretende “dar com clareza a genuína interpretação de algumas afirmações” sobre a natureza da Igreja Católica originadas do Concílio Vaticano 2º (1962-65). Convocado pelo papa João 23, o Vaticano 2º é visto por seus defensores como um movimento que modernizou os ritos e concepções da Igreja Católica e por seus críticos como um concílio que em parte descaracterizou o catolicismo.
As “Respostas…” afirmam que o concílio não quis modificar a “precedente doutrina sobre a igreja”. O texto declara então, a título de esclarecer dúvidas, que as diversas igrejas nacionais ortodoxas podem efetivamente ser chamadas de igrejas, dado que mantêm entre seus ritos a eucaristia e a ordenação de sacerdotes. Assim, “instrumentos de santificação” estão presentes também nelas.
A Igreja Ortodoxa é aquela formada pelos cristãos do Leste Europeu, do Egito e da Ásia e que nasceu de um cisma entre as dioceses de Roma e de Constantinopla, em 1054.
Porém, segue o texto, essas igrejas ortodoxas carecem da ligação com a católica -a verdadeira igreja de Cristo -e, portanto, são “lacunosas”.
Segundo o site “Catholic News Service”, o documento afirma, nessa passagem, que “os elementos de santificação que existem fora da estrutura da Igreja Católica podem ser usados como instrumentos de salvação, mas o valor deles deriva da “plenitude da graça e da verdade que foi confiada à Igreja Católica'”.
Já sobre algumas outras comunidades cristãs, como as igrejas protestantes, entre as quais a luterana e a calvinista, nascidas no século 16 da Reforma dentro do catolicismo, as “Repostas..” atestam que não podem ser consideradas igrejas, dado que não contemplam o sacerdócio e não adotam a eucaristia, que simboliza a comunhão com Cristo.
Longa discussão
Segundo o “Catholic News Service”, o documento publicado ontem encerra uma longa discussão teológica sobre o que de fato se quis dizer quando, no Vaticano 2º, chegou-se á conclusão, registrada na constituição dogmática “Lumen gentium”, promulgada pelo papa Paulo 6º, que Cristo “subsiste na Igreja Católica”, mas que há elementos de “santificação e verdade” fora dela.
Uma discussão relacionada veio a público em 2000, quando a Congregação para a Doutrina da Fé, então chefiada pelo cardeal Joseph Ratzinger, o atual Bento 16, afirmou, na declaração “Dominus Iesus”, que o termo “igrejas irmãs” estava sendo usado de forma equivocada no diálogo ecumênico.
Ainda segundo o “Catholic News”, o texto publicado ontem procurou afastar a idéia de que a igreja de Cristo é a soma de todas as igrejas e comunidades eclesiásticas ou algo que só existe como um objetivo futuro. Ela é, de acordo com a Igreja Católica, a própria Igreja Católica. É nela que Cristo está, e os “elementos de santificação” fora dela originam-se verdadeiramente dela.
A grande portadora
Segundo o padre Augustine di Noia, subsecretário da Congregação para a Doutrina da Fé e que foi ouvido pelo “Catholic News”, “a igreja não está voltando atrás no seu compromisso ecumênico. Mas (…) é fundamental para qualquer diálogo que os participantes tenham clareza sobre sua identidade”.
O professor Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, concorda com o dominicano Di Noia: “Se acharem que esse documento é um ataque ao ecumenismo, o Vaticano estará sendo mal interpretado. Ele é apenas uma explicitação, para precisar bem os termos do diálogo ecumênico. Não significa uma diminuição das outras denominações”.
Ribeiro Neto diz ainda que “é constitutivo da Igreja Católica se autodenominar a grande portadora da mensagem de Jesus Cristo. Qualquer afirmação fora disso é falsa diplomacia”.
Fonte: Folha de São Paulo