Quanto mais os adolescentes brasileiros ficam expostos às propagandas de cerveja mais gostam delas e consomem álcool em maiores quantidades em relação àqueles menos expostos. A constatação foi feita por pesquisadores da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e divulgada pela Fundação Oswaldo Cruz.

Os pesquisadores estudaram o comportamento de estudantes de 14 a 17 anos da rede pública de ensino de São Bernardo do Campo (SP) diante da exposição de 32 propagandas de cerveja. Entre os adolescentes que já haviam sido expostos previamente a mais propagandas, a pesquisa constatou que o consumo de bebidas alcoólicas é de cinco a dez vezes maior.

“O estudo vem desfazer o mito da indústria das bebidas alcoólicas de que a publicidade serve apenas para fidelizar a marca”, afirma o principal autor do estudo, Alan Vendrame. “As propagandas que mais chamavam a atenção dos estudantes estavam associadas a sexualidade, humor e futebol”, disse.

Para os pesquisadores, as constatações são preocupantes por ser o Brasil um país com frágil regulamentação e sem redes de prevenção consistentes. Mas podem ser usadas para a criação de políticas públicas, no sentido de restringir e regulamentar a veiculação e o conteúdo das propagandas de bebidas alcoólicas.

Código

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) já criou um código de ética que prevê algumas restrições para as propagandas de bebidas alcoólicas. Mas organizações da sociedade civil e o Ministério da Saúde são enfáticos na defesa da proibição de publicidade dessas bebidas, assim como ocorreu com o tabaco em 1996.

“A gente nem discute mais isso. Para o adulto, a propaganda serve para trocar a marca, mas para os adolescentes serve para a indução do consumo”, afirma coordenadora do Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Ana Cecília Marques. “O ideal é que as propagandas sejam proibidas, mas o lobby das agências de publicidade e da industria das bebidas alcoólicas não permite”, afirma.

A psiquiatra acredita que evitar esse debate é negligenciar a “alarmante” realidade de que 3% dos adolescentes brasileiros já desenvolveram dependência do álcool. Fato, segundo a pesquisadora, que se agrava por duas constatações: é preciso, em média, três anos de consumo para adquirir a dependência e o álcool é a porta de entrada para outras drogas.

Para os pesquisadores da Fapesp, a alta exposição dos adolescentes às propagandas de bebidas alcoólicas questionam o objetivo protetivo das regras de autorregulamentação publicitária e a eficácia do controle ético das propagandas de álcool. “O público que deveria ser protegido está exposto, de modo significativo, às mensagens notadamente atraentes para os adolescentes menores de idade”, diz o estudo.

Por esse motivo e pela carência de pesquisas sobre o tema no Brasil, Alan Vandrame resolveu investigar a violação das regras impostas pelo código de ética do Conar. A pesquisa inédita que irá ser publicada nas próximas semana pelo Journal of Studies on Alcohol and Drugs (JSAD) constatou que 12 das 16 regras para a publicidade de bebidas alcoólicas são violadas. Entre elas, a que determina que a propaganda não pode utilizar imagens, linguagens ou idéias que sugiram ser o consumo do produto sinal de maturidade ou que contribua para o êxito profissional, social ou sexual.

A determinação de que os personagens da propaganda não devem ter, nem aparentar ter menos de 25 anos, também é violada. Assim como a que impede o apelo sexual. O pesquisador entrevistou 282 estudantes de 14 a 17 anos de escolas públicas de São Bernardo dos Campos. Os alunos pesquisados para esse estudo não foram os mesmos que participaram da pesquisa divulgada pela Fiocruz.

O presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abrap), Dalton Pastore, assume que a publicidade é uma ferramenta muito influente e que precisa ser controlada, mas discorda de qualquer tentativa de censura das mesmas.

“A autorregulamentação do setor é muito mais rigorosa do que as leis vigentes”, Afirma Pastore. “Não é o fim da publicidade que vai resolver o problema. É educação”, disse. Para ele, a educação foi a grande responsável pela diminuição do consumo de tabaco no Brasil e não a proibição da propaganda do produto:

“Nos Estados Unidos e na Europa a propaganda de tabaco não é proibida e o consumo está caindo. No Brasil, os picos de queda no consumo do tabaco nem correspondem com a proibição da publicidade”, garante.

A responsabilidade pela educação, no entanto, Pastore coloca na conta “dos pais, das escolas e das associações da sociedade civil”. A psiquiatra e também pesquisadora da Fapesp, Ilana Pinsky, acredita que os estudantes do Brasil, assim como de outros países, deveriam sim ter nas escolas uma educação para a mídia para que consigam olhar para as propagandas de uma maneira mais crítica. Mas acredita que o poder público não pode se omitir de suas responsabilidades e, por isso, deve olhar com mais cuidado para a regulamentação do setor.

O pagamento de multas não está previsto para as empresas que não cumprem o código de ética do Conar, mas Pastore garante que o órgão é ágil para tirar de circulação uma publicidade que descumpre as regras. Na opinião do presidente, as multas são desnecessárias, uma vez que os prejuízos acarretados pela não veiculação de uma publicidade são altíssimos.

Fonte: JB online

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