Um estudo realizado pelas universidades britânicas de Kent, Conventry, Queen’s e Saint Mary, conduzida em seis países, mostra o que é ser ateu hoje.
O estudo, que está sendo utilizado pelos pesquisadores, na maior conferência sobre ateísmo, realizada no Vaticano, entrevistou 6,6 mil pessoas —seguindo criteriosa amostragem científica— do Brasil, Estados Unidos, Reino Unido, China, Japão e Dinamarca.
O relatório tem oito pontos-chave para entender o fenômeno da não-crença no mundo:
1. Ateus —aqueles que não acreditam em Deus— e agnósticos —os que não sabem se existe Deus ou não, mas não acreditam que haja uma maneira descobrir— não são homogêneos. Eles aparecem em grupos diferentes nos países pesquisados. “Por conseguinte, há muitas maneiras de ser incrédulo”, pontua o documento.
2. Em todos os seis países, a maioria dos que não acreditam em Deus se identifica como “sem religião”.
3. Na hora de se autorrotularem, os incrédulos que preferem ser chamados de “ateu” ou “agnóstico” não são a maioria. Muitos classificam-se como “humanistas”, “pensadores livres”, “céticos” ou “seculares”.
4. Os ateus do Brasil e da China são os menos convencidos de que sua crença sobre a não-existência de Deus está correta.
5. Não crer em Deus não significa necessariamente não acreditar em outros fenômenos sobrenaturais, ainda que os ateus sejam mais céticos em relação a estes do que as populações gerais.
6. Entre os ateus, o percentual de pessoas que acham que o universo é “em última instância, sem sentido” é maior do que no restante da população. Mas, ainda assim, em número muito inferior ao de metade dos pertencentes ao grupo.
7. Quando confrontados com questões relacionadas a, segundo o relatório, “valores morais objetivos, dignidade humana e direitos correlatos, além do valor profundo da natureza”, as posições dos ateus são semelhantes ao do restante da população.
8. Por fim, quando perguntados sobre quais são os valores mais importantes da vida, houve uma “concordância extraordinariamente alta entre incrédulos e populações gerais”, apontou o levantamento. “Família” e “liberdade” foram muito bem citados por todos, além de “compaixão”, “verdade”, “natureza” e “ciência”.
Da mesma maneira que nem todos os que se descrevem como “sem religião” são ateus —muitos cultivam uma espiritualidade própria— a pesquisa mostrou que nem todos os ateus são “sem religião”.
No caso do Brasil, por exemplo, 73% dos incrédulos se identificam como “sem religião”, enquanto 18% se dizem cristãos. Na Dinamarca, 63% dos ateus se dizem “sem religião” —28% são cristãos.
A explicação para isso pode ser por conta da tradição familiar. Com exceção dos chineses e dos japoneses, a maioria dos ateus entrevistados disseram que romperam uma religião de família —é o caso de 85% dos incrédulos brasileiros e 74% dos norte-americanos, por exemplo.
Em todos os países ouvidos, a grande maioria dos ateus veio de famílias cristãs (79% dos brasileiros, 63% dos norte-americanos, 60% dos dinamarqueses).
A questão dos rótulos também traz variações —muitas vezes motivadas por receio de preconceitos. Entre os que “não sabem se Deus existe” —tecnicamente agnósticos, portanto—, 8% dos brasileiros se autodefinem como ateus e a maioria, 27%, prefere ser chamada de agnóstica; seguida de não religiosa (16%), espiritual mas não religiosa (13%), racionalista (9%) e cética (8%).
Para os chineses desse grupo, 20% se dizem ateus e 18% racionalistas. Japoneses, britânicos e dinamarqueses preferem ser classificados como “não religiosos” (34% e 27% e 17%, respectivamente) e norte-americanos se definem como “agnósticos” (26%).
Já no grupo dos que afirmam que “Deus não existe” —tecnicamente ateus— 30% dos brasileiros se autodenominam ateus, 14% sem religião. Situação semelhante aparece na pesquisa realizada com norte-americanos —39% assumem-se ateus.
E entre os chineses, há um equilíbrio entre os que preferem ser chamados de racionalistas, ateus e livres-pensadores (respectivamente com 22%, 21% e 19%). Dinamarqueses, britânicos e japoneses preferem ser classificados como sem religião (36%, 35% e 31%).
A crença na ciência como o melhor modelo para atingir o conhecimento apareceu como homogênea entre crentes e incrédulos em todos os países aferidos, exceto Brasil e Estados Unidos. No caso brasileiro, os métodos científicos são considerados o melhor caminho para 71% dos não crentes —contra 43% da população em geral.
Entre os norte-americanos, o número é de 70% entre os incrédulos e despenca para apenas 33% da população em geral.
“Essas descobertas mostram de uma vez por todas que a imagem pública do ateu é, na melhor das hipóteses, uma simplificação. E, na pior das hipóteses, uma caricatura bruta”, ressalta Lois Lee, pesquisadora de estudos religiosos da Universidade de Kent e autora dos livros Recognizing the Non-religious: Reimagining the Secular (Reconhecendo o Não-religioso: Reimaginando o Secular, em tradução livre) e The Oxford Dictionary of Atheism (O Dicionário Oxford de Ateísmo).
“Em vez de confiar em suposições sobre o que significa ser ateu, podemos agora trabalhar com uma compreensão real das diferentes visões de mundo que a população ateísta inclui.
As implicações para a política pública e social são substanciais. “Nossos dados vão de encontro a estereótipos comuns sobre os incrédulos”, afirma Lanman.
“Uma visão comum é que os incrédulos não teriam um senso de moralidade e propósito objetivos, nutrindo um conjunto de valores muito diferente do restante da população. Nossa pesquisa mostra que nada disso é verdade. Em um tempo em que as sociedades parecem estar cada vez mais polarizadas, tem sido interessante e encorajador ver que uma das supostas grandes divisões na vida humana —crentes x não crentes— pode não ser tão grande assim.”
Fonte: Folha de S. Paulo