O presidente argentino, Alberto Fernández , enviou nesta terça-feira (17) ao Parlamento um projeto de lei para a Interrupção Legal da Gravidez (ILE, na sigla em espanhol), por meio de um vídeo publicado em sua conta no Twitter.
Fernández explicou que o objetivo é garantir ” que todas as mulheres acessem o direito à saúde integral “, e para tal enviará a iniciativa do direito à ILE, bem como outro projeto de lei que cria “o Seguro dos mil dias, com o objetivo de fortalecer a atenção integral durante a gravidez e dos filhos e filhas nos primeiros anos de vida”.
Siempre fue mi compromiso que el Estado acompañe a todas las personas gestantes en sus proyectos de maternidad y cuide la vida y la salud de quienes deciden interrumpir su embarazo. El Estado no debe desentenderse de ninguna de estas realidades.#QueSeaLey pic.twitter.com/V7Lr6wBmuB
— Alberto Fernández (@alferdez) November 17, 2020
O projeto de legalização do aborto para quem decidir interromper a gravidez foi enviado junto com outro projeto de assistência sanitária e financeira para quem desejar mas não tiver recursos para continuar com a gravidez. A Igreja Católica já organiza uma marcha contra a legalização e conta com outro argentino aliado: o Papa Francisco.
A estratégia de apresentar os dois projetos juntos visa equilibrar o anúncio de um projeto pelo aborto com outro a favor da vida. Ao mesmo tempo, procura desarticular um dos argumentos contrários ao aborto que aponta às mulheres de baixos recursos financeiros que se veem inclinadas a abortar por não terem condições de manter um filho.
Pesquisas de opinião recentes indicam que a sociedade argentina está dividida em partes iguais quanto ao assunto. Esse equilíbrio se reflete no Congresso. Na Câmara de Deputados, a balança se inclina, por pouca margem, a favor do aborto. No Senado, a paridade de forças é maior com leve tendência à rejeição do aborto, apesar de uma maioria governista.
É o mesmo retrato de 2018, quando grandes marchas feministas encheram as ruas da Argentina ao longo de semanas. Naquele ano, a legalização foi aprovada pelos deputados, mas rejeitada pelos senadores.
Por esse motivo, o debate que começa agora pela Câmara de Deputados pretende aprovar o projeto nesta casa em dezembro, para só depois avançar para o Senado sob as pressões da militância nas ruas e do governo no Parlamento para aprovação da lei que permitiria a interrupção da gravidez até a 14.ª semana de gestação, inclusive.
Do outro lado, os grupos pró-vida prometem lutar contra a legalização. Diversas ONG e grupos religiosos já organizam uma grande manifestação em oposição para o próximo dia 28.
O projeto
Na Argentina, a atual lei de 1921 só permite o aborto em caso de estupro ou em casos nos quais a mãe corre risco de vida.
O novo projeto prevê que, após a solicitação do aborto, a intervenção deva acontecer em até dez dias. As menores de 13 anos de idade deverão estar acompanhadas de um adulto ou de um representante legal. Não há a necessidade de aprovação do pai ou do padrasto, contemplando os casos de estupro intra-familiar.
As adolescentes entre 13 e 16 anos podem decidir o tipo de prática abortiva que preferem. O projeto interpreta as maiores de 16 anos como adultas.
“A criminalização do aborto não serviu de nada, a não ser que os abortos aconteçam clandestinamente em cifras preocupantes. A cada ano, são hospitalizadas cerca de 38 mil mulheres devido a abortos mal praticados e 3 mil morreram desde 1983”, indicou Alberto Fernández, acrescentando que “esses abortos inseguros, muitas vezes, afetam as capacidades reprodutivas das mulheres”.
Nesse ponto, os contrários ao aborto defendem que as duas vidas devem ser salvas: tanto a da mulher quanto a do feto.
Igrejas Evangélica e Católica contra a lei do aborto
Em duas declarações, as Igrejas cristãs rejeitam a tentativa do Executivo de introduzir no Parlamento argentino uma discussão tão séria, em meio a uma pandemia, que causa sofrimento e morte às famílias argentinas e coloca à prova o sistema de saúde pública.
A Comissão Executiva da Conferência Episcopal Argentina (CEA) questiona-se sobre a apresentação do projeto de Lei do aborto no Congresso Nacional, sobretudo, no momento da pandemia da Covid-19, em que o Estado deveria se preocupar mais com a “saúde pública”, isto é, com a vida humana.
Em um comunicado, o Episcopado argentino afirma que uma agenda, autenticamente democrática, além de defender a dignidade da vida e a promoção dos direitos humanos, deve levar em consideração a atual situação dolorosa da Saúde Pública, que torna “insustentável e inoportuna” toda e qualquer tentativa de apresentar e discutir uma Lei deste tipo, onde a própria vida está em jogo.
A Aliança evangélica, por sua vez, reitera que “o direito de nascer é um direito humano inalienável” e afirma que, em meio à pandemia, a tentativa de legalizar o aborto coloca em risco não só a vida dos nascituros, mas também a cidadania, que sairá pelas ruas para expressar a sua oposição.
O comunicado da Aliança adverte: “Os casos de contagiados pelo coronavírus chegam quase a um milhão. Os sistemas de saúde foram à falência em diferentes partes do país, com um recorde de mortes diárias entre os primeiros do mundo”. O comunicado informa ainda que a decisão do Executivo responde à pressão de grupos em prol do aborto, sem se importar pela grave situação de saúde no país.
A declaração das Igrejas Evangélicas recorda, enfim, que, há dois anos, o Congresso Nacional rejeitou este projeto de Lei, por ampla maioria, e uma discussão sobre isso agora poderia produz “divisões” no país.
As Igrejas Evangélicas concluem sua declaração, dizendo: “Defender a vida, desde a concepção até à morte natural, em todos os seus aspectos, é um mandato, uma mensagem, não apenas das nossas leis e da Constituição, mas do próprio sentido comum e natural: a preservação do gênero humano é um direito inalienável, além de ser, sobretudo, uma lei de Deus”.
Fonte: Último Segundo, UOL, RFI