Flávio Ferreira
Folha de S. Paulo
A lentidão da Justiça resultou na prescrição do processo criminal contra o líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, 74, e o Bispo João Batista, 75, ambos acusados de lavagem de dinheiro e outros delitos.
Segundo o Ministério Público Federal, a ação penal completou oito anos sem julgamento em setembro, e assim se esgotou o prazo legal para aplicar eventuais penas a Edir Macedo e ao Bispo João Batista, que é vereador pelo Republicanos em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.
Edir Macedo foi inicialmente denunciado sob a acusação de quatro crimes: lavagem de dinheiro (atingido pela prescrição no mês passado), evasão de divisas, associação criminosa e falsidade ideológica. Todos esses delitos agora estão prescritos.
Em nota, a Igreja Universal do Reino de Deus afirmou que as acusações na ação penal “são completamente equivocadas, além de quase idênticas a outras que deram origem a processos e inquéritos já julgados e arquivados”.
O processo, na 2ª Vara Criminal Federal em São Paulo, já havia superado no ano passado a etapa de alegações finais das partes e, desde então, estava pronto para receber sentença. Mas até hoje aguarda uma decisão.
O crime de lavagem de dinheiro tem pena máxima de 10 anos de prisão e prazo prescricional de 16 anos. Porém os dois réus são beneficiados pela regra do Código Penal que reduz pela metade a contagem da prescrição para os acusados com mais de 70 anos de idade —de 8 anos, então, no caso deles.
Já os crimes de evasão de divisas e associação criminosa tiveram as prescrições decretadas no ano passado pela vara federal, que tem como titular a juíza Silvia Maria Rocha. O de falsidade ideológica teve a prescrição reconhecida logo no início do processo.
De acordo com o procurador da República Sílvio Luís de Oliveira, responsável pelo processo, quando ocorrer o julgamento e se houver condenações, a execução das penas somente poderá ser determinada em relação aos outros dois réus na causa, o ex-bispo Paulo Roberto Gomes da Conceição e a executiva Alba Maria Silva da Costa, em razão das prescrições.
Quanto ao suposto crime de lavagem de dinheiro, em suas alegações finais no ano passado o procurador pediu a absolvição de Macedo e do Bispo João Batista.
A mudança na orientação da Procuradoria ocorreu porque, ao analisar a denúncia, em 2011, o juiz Marcelo Costenaro Cavali, que substituía Rocha, discordou da acusação do procurador de que a origem da lavagem de capitais tinha sido um estelionato contra fiéis da igreja.
O juiz entendeu que a lavagem de dinheiro tinha sido precedida por evasão de capitais e determinou que o processo seguisse sob essa linha de acusação.
Porém, nas alegações finais, o procurador disse que não havia provas suficientes para demonstrar a lavagem de capitais antecedida por evasão de divisas —e então pediu as absolvições.
O requerimento do procurador, todavia, não obrigou a juíza a seguir a orientação do Ministério Público, e a magistrada poderia condenar ou absolver Macedo e Bispo João Batista de acordo com seu entendimento sobre os aspectos técnicos da causa.
Caminho do processo
O processo começou em setembro de 2011, após a denúncia criminal da Procuradoria relatar que dirigentes da Universal adotaram estratégias para usar o dinheiro doado por fiéis em operações financeiras fraudulentas e, assim, comprar emissoras de TV e rádio e bens.
De acordo com o procurador, o esquema utilizou empresas offshore sediadas em paraísos fiscais e contas bancárias no exterior. A acusação apresentou um histórico das operações financeiras atribuídas a dirigentes da Universal desde o começo de década de 1990.
As transferências de dinheiro vivo também ocorreram entre porta-malas de carros, nos estacionamentos de templos da Universal ou entre cofres alugados em uma mesma instituição financeira, de acordo com os depoentes.
Os doleiros a serviço dos réus também encaminharam valores para contas controladas por pessoas ligadas à Universal em cinco bancos nos Estados Unidos, segundo a acusação.
O dinheiro voltou ao Brasil por meio de empréstimos realizados pelas offshores em favor de pessoas ligadas à Universal, que atuavam como laranjas, e os recursos foram usados para comprar participações em emissoras de rádio e TV e bens, de acordo com a denúncia.
Segundo o Ministério Público, dados oficiais fornecidos pela Receita Federal mostram que a Universal arrecadou mais de R$ 5 bilhões de 2003 a 2006.
Em junho de 2005, quando era deputado federal e presidente da Universal, o Bispo João Batista foi abordado pela polícia no aeroporto de Brasília com malas de dinheiro que abrigavam cerca de R$ 10 milhões em espécie.
Os valores foram apreendidos e no dia seguinte o Bispo João Batista, que era filiado ao PFL, atual DEM, foi expulso do partido. Ele e a Universal alegaram à época que o dinheiro era proveniente de doações de fiéis.
Outro lado
A juíza Silvia Maria Rocha afirmou, por e-mail, que o processo relativo aos bispos da Universal “teve problemas graves desde o início quando outro juiz de primeira instância, a quem não me cabe declinar o nome, rejeitou significativa e parte importante da denúncia, onde estavam descritas grande parte das condutas delituosas imputadas a esse réu”.
A magistrada referiu-se ao juiz Marcelo Costenaro Cavali, que a substituía em setembro de 2011 e analisou a denúncia do caso.
Segundo a juíza, “embora tenha recorrido o Ministério Público Federal dessa decisão, não obteve sucesso em seu intento. Com isso, a parte das acusações que sobrou, principalmente contra Edir Macedo, restou substancialmente desidratada, desfigurada. Por uma série de razões jurídicas que não me cabe, e que estou impedida de discutir no momento, a acusação perdeu o ‘grosso’ da importância”.
“Tanto, que o próprio Ministério Público Federal esqueceu de mencionar que em suas alegações finais pediu a absolvição de Edir Macedo pelo crime de lavagem de dinheiro. Assim sendo, prescrição, ou absolvição pura e simples, qual a diferença para o combativo órgão ministerial?”, afirmou a juíza.
A magistrada disse que o processo ficou paralisado até junho de 2018 aguardando o julgamento de um recurso da Procuradoria no Tribunal Regional Federal da 3ª Região contra a decisão de Cavali de 2011.
Segundo Rocha, o tribunal confirmou a decisão de Cavali e “o processo retomou o seu regular andamento praticamente prescrito”.
Procurado pela Folha de S. Paulo para se manifestar sobre as afirmações da magistrada, o juiz Cavali disse que “a decisão que recebeu parcialmente a denúncia —à qual não tenho mais acesso, pois o processo é sigiloso— foi por mim proferida em 2011 e mantida integralmente pelo TRF3, pelo STJ e pelo STF.”
“Não atuei mais no referido processo desde 2011, de modo que me é impossível comentar as razões da demora processual que levaram à prescrição”, acrescentou Cavali.
Em nota, a Igreja Universal do Reino de Deus afirmou que as acusações na ação penal “são completamente equivocadas, além de quase idênticas a outras que deram origem a processos e inquéritos já julgados e arquivados”.
“Embora perseguido e investigado durante muito tempo por autoridades judiciárias, de forma reiterada, a própria Justiça tem reconhecido a inocência do Bispo Edir Macedo. A Igreja Universal do Reino de Deus tem convicção de que esse processo terá igual destino”, afirma a nota.
O Bispo João Batista, em nota, negou a prática dos crimes indicados na acusação.
“Eu fui inserido na denúncia em questão sem que houvesse prova de minha participação em qualquer ilícito penal, tão somente em razão de posição de destaque por mim ocupada na Igreja Universal do Reino de Deus à época dos fatos”, disse o vereador.
“Não obstante tenha se aperfeiçoado a prescrição da pretensão punitiva estatal, cumpre recordar que, ao final do processo, o próprio Ministério Público Federal, responsável pelo oferecimento da denúncia em questão, pugnou por minha absolvição –permitindo que se conclua que, de fato, se estava diante de acusação infundada”, completou.
Procurada pela reportagem, a defesa do ex-bispo Paulo Roberto Gomes da Conceição e da executiva Alba Maria Silva da Costa não se manifestou.
COMO OCORREU A PRESCRIÇÃO NO CASO DOS BISPOS DA IGREJA UNIVERSAL
Veja quais são as quatro etapas para calcular o prazo prescricional do processo
1ª Etapa – Verificação da pena máxima do crime – De acordo com as regras do Código Penal, na primeira instância da Justiça a prescrição é calculada com parâmetro na pena máxima do crime. No caso dos bispos da Universal, a acusação mais grave foi a de prática de lavagem de dinheiro, cuja pena máxima é de 10 anos de prisão
2ª Etapa – Enquadramento na tabela do artigo 109 do Código Penal – A segunda etapa do cálculo é feita enquadrando a pena máxima do crime em uma tabela que está no artigo 109 do Código Penal. Esse quadro legal estabelece que o prazo prescricional é de 16 anos nas hipóteses em que o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a 12 anos. Deste modo, a regra geral é a de que nos crimes de lavagem de dinheiro a prescrição ocorre em 16 anos
3ª Etapa – Verificação da idade dos réus – Segundo o Código Penal, o prazo de prescrição para os maiores de 70 anos é reduzido pela metade. Como Edir Macedo tem 74 anos e Bispo João Batista, 75, o prazo prescricional para eles em relação à acusação de prática de lavagem de dinheiro cai pela metade, e fica em 8 anos
4ª Etapa – Apuração da data inicial da contagem da prescrição – O marco inicial do prazo prescricional foi em 16 de setembro de 2011, quando a 2ª Vara Criminal Federal em SP aceitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal e deu início à ação penal do caso. Assim, a prescrição em relação ao suposto delito de lavagem de dinheiro de Edir Macedo e do Bispo João Batista ocorreu em setembro de 2019, oito anos após o começo do processo, que ainda não tem sentença de primeira instância.
Fonte: Folha de S. Paulo