Entidades evangélicas e católicas têm manifestado forte preocupação diante do avanço, no Senado Federal, de um projeto de lei que proíbe qualquer tipo de alteração nos textos da Bíblia.
A proposta, aprovada na Câmara dos Deputados em 2022, impede “alteração, adaptação, edição, supressão ou adição nos textos da Bíblia Sagrada, composta pelo Antigo e pelo Novo Testamento, em seus capítulos e versículos”, e tem como objetivo, segundo o autor, garantir que o conteúdo bíblico “permaneça imutável”.
O deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante-BA), responsável pelo Projeto de Lei n° 4606, de 2019, afirma que existe receio entre grupos religiosos sobre possíveis tentativas futuras de manipulação das Escrituras. Por isso, a proposta busca preservar o que o parlamentar classifica como “patrimônio espiritual, cultural e religioso do povo brasileiro”.
Divergências entre versões e o desafio de definir uma Bíblia “oficial”
Apesar da intenção declarada, especialistas e entidades cristãs alertam que o projeto esbarra em um ponto crucial: cada tradição cristã utiliza versões diferentes da Bíblia. O exemplo mais conhecido é o do Pai Nosso. Nas igrejas evangélicas, a oração tradicionalmente termina com “teu é o reino, o poder e a glória para sempre, amém”. Já na liturgia católica, a expressão final é “livrai-nos do mal, amém”.
O reverendo Erní Walter Seibert, diretor executivo da Sociedade Bíblica do Brasil, explica que as duas versões convivem há séculos e que as diferenças não alteram a mensagem central. “Tem Bíblia que vai ter o Pai Nosso com o ‘livrai-nos do mal, amem’. Mas por toda a Bíblia vamos ter os textos dizendo que o reino é de Deus”, afirmou.
Para Seibert, definir uma versão “oficial” significaria colocar o Estado como árbitro sobre um texto religioso — algo inadequado e, na prática, impossível de aplicar. Ele lembra ainda que revisões fazem parte da história da tradução bíblica, como a inclusão tardia de capítulos, versículos e vogais em textos antigos. “Quando Paulo escreveu aquela carta, aquele texto original não tinha capítulo nem versículo. Isso foi um acréscimo? Foi uma anotação técnica”, observou.
Críticas no Senado e preocupações ecumênicas
Em audiência pública realizada em outubro, lideranças cristãs demonstraram desconforto com o conteúdo do projeto. Representando a CNBB, o padre Cássio Murilo Dias da Silva questionou a viabilidade da proposta e os riscos ao diálogo entre as tradições cristãs. “Nesse projeto, a Bíblia deixa de ser palavra de Deus para ser palavra humana ou palavra do Congresso. Optar por um texto seria destruir o esforço para o diálogo inter-religioso e ecumênico”, declarou.
O consenso entre teólogos e entidades é que o texto abre precedentes problemáticos, interfere em competências religiosas e não leva em conta a variedade histórica de traduções existentes.
Isidório e Malta defendem o projeto
Em resposta às críticas, o deputado Isidório afirma que o PL não pretende criar uma Bíblia oficial nem padronizar versões. Segundo ele, o objetivo é impedir tentativas de alteração motivadas por agendas políticas, ideológicas ou comerciais. Ele ressaltou que diferenças históricas, como as relacionadas aos livros deuterocanônicos, continuarão respeitadas.
Já no Senado, o projeto ganhou força após o senador Magno Malta (PL-ES) assumir a relatoria em março. Malta defendeu o texto ao afirmar que ele “protege o conteúdo, não a forma” da Bíblia. “Cada denominação continuará com sua Bíblia. O objetivo é evitar distorções que deturpem a Palavra de Deus”, declarou.
Ceticismo entre parlamentares cristãos
Apesar do impulso dado pela relatoria, parlamentares evangélicos e católicos reconhecem que o texto ainda provoca dúvidas. Na audiência pública requerida pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF), representantes das duas tradições apontaram que o projeto causa confusão e que há pautas mais urgentes para serem analisadas.
O deputado Luiz Gastão (PSD-CE), presidente da Frente Parlamentar Católica, afirmou ver “falhas no texto” e defendeu que o caminho mais adequado seria reconhecer a autenticidade de cada Bíblia adotada pelas diferentes tradições cristãs.
Após passar pela Comissão de Direitos Humanos, o projeto seguirá para a Comissão de Educação antes de ser levado ao plenário do Senado.
Folha Gospel com informações de UOL

