Felipe Bächtold e Daniela Arcanjo
Folha de S. Paulo
O jornal Folha de S. Paulo pediu a psicanalistas de diferentes correntes e abordagens profissionais para que comentassem aspectos recentes do comportamento do presidente da República.
Da decisão de se manter em confronto permanente com variadas forças políticas, mesmo em um momento de comoção social, à arriscada iniciativa de se expor ao contato público apesar do risco de infecção, as atitudes do presidente provocaram o afastamento de antigos aliados e intrigaram inclusive, colaboradores próximos.
A imprevisibilidade das atitudes presidenciais levou parte dos opositores a questionar suas condições para permanecer no cargo —a ex-presidenciável Marina Silva (Rede) disse na sexta (3) que a situação beira a “necessidade de uma urgente interdição clínica”.
Um dos pontos que mais chamam a atenção dos profissionais entrevistados pela reportagem da Folha de S. Paulo, é a necessidade de manter posição agressiva recorrente ante adversários e mesmo apoiadores —caso do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a quem Bolsonaro acusou na semana passada de falta de humildade.
Além disso, os psicanalistas destacam lógica paranoica, messiânica e delirante, demonstrações de fragilidade e onipotência, como alguns dos elementos nos discursos de Bolsonaro das últimas semanas.
Eles fizeram a ressalva de que as observações sobre suas declarações e atitudes, feitas à distância, não constituem um diagnóstico profissional.
Para o psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP, o bolsonarismo tem na criação de inimigos o mecanismo de seu funcionamento. “A pandemia viola muito fortemente essa lógica. Porque aí é um inimigo que não foi você quem criou, portanto não é você quem manipula”, afirma Dunker.
Ao se dar conta disso, diz o professor, Bolsonaro tentou negar a gravidade do vírus. “A negação é uma atitude psíquica, a mais simples diante do desconhecido”, diz.
Para a professora Miriam Debieux Rosa, da USP e da Rede Interamericana de Psicanálise e Política, Bolsonaro tenta agora transpor para a gestão política sua “lógica de guerra”, de respostas violentas a problemas, que defendia enquanto deputado. O resultado disso são crises incessantes.
“É uma cultura que não admite desaforo. O que o outro diz e que é contra o que eu estava pensando já é considerado uma ameaça.”
O psicanalista e escritor Mário Corso vê nas reações exacerbadas contra os mais variados atores uma consequência de um sentimento de fragilidade.
“Ele se sente inferiorizado e ataca. Sai em ataque de tudo, mas justamente pela fraqueza intelectual dele. Quando não tem argumento, troca de assunto chutando canelas do adversário. Ele não faz discussão nenhuma. Só ataca o adversário porque ele é consciente da sua fragilidade intelectual”, afirma.
Sérgio de Castro, diretor-geral da Escola Brasileira de Psicanálise, considera que o presidente busca demonstrar que “não vacila” e não abre “nenhuma brecha para se questionar”. “Isso tudo é perfeitamente articulado com um narcisismo desmedido”, afirma.
Para Marcelo Galletti Ferretti, professor da Escola de Administração da FGV (Fundação Getulio Vargas), classificar o presidente como alguém psicopatologicamente acometido, como fazem alguns de seus opositores, é preocupante porque pode desresponsabilizá-lo por suas atitudes, como a de estimular a população a sair de casa em meio a uma pandemia.
“O impulso de colocar na conta da loucura as idiossincrasias dele tira a discussão do campo político para o campo psicopatológico.”
A professora Tânia Coelho dos Santos, do programa de pós-graduação em teoria psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, vai em direção diversa da de seus colegas e considera que o presidente tem uma personalidade teatral e histérica, que faz com que possua grande habilidade em conquistar o interesse das pessoas devido à sua espontaneidade. Não o vê tomado de um sentimento de inferioridade.
Para ela, seria quase um “desafio clínico” analisar, ao mesmo tempo, o comportamento encrenqueiro e inábil de Bolsonaro com o histórico de quem montou um bom time de ministros, “com valores bastante raros na cultura política brasileira”.
“Ele é tão colorido em matéria de sentimentos que vai ter raiva, vai ter ressentimento, afeto. Ele é muito muito espontâneo. Não dá para dizer que é um ressentido crônico, de jeito nenhum.”
Aspectos mencionados por parte dos especialistas acerca de atitudes do presidente
Insegurança
Menções frequentes a seu poder no cargo ecoam uma sensação de inferioridade ao exercer a Presidência
“Não se esqueça que eu sou o presidente” na terça (31), sobre manutenção das recomendações de isolamento por Mandetta
Onipotência
A ida a uma manifestação a seu favor, no último dia 15, e o passeio por Brasília, no domingo passado, apontam despreocupação com os riscos da Covid-19, o que indica uma sensação de ser inatingível pela moléstia
“Não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar” no dia 20 sobre a possibilidade de ter contraído Covid-19 em viagem aos EUA
Lógica paranoica
A relação de confiança é rara e vinda basicamente da família; mesmo aliados são vistos como adversários em potencial. Fenômenos de fora da política são vistos como meios para prejudicá-lo
“Em 2009, 2010, teve crise semelhante, mas, aqui no Brasil, era o PT que estava no poder e, nos Estados Unidos, eram os Democratas, e a reação não foi nem sequer perto do que está acontecendo” em entrevista sobre o coronavírus no último dia 15
Messianismo
A insistência nas menções ao tratamento com hidroxicloroquina indicam uma tendência a querer ser aquele que vai apresentar a cura para a moléstia
“Graças a Deus, Deus é brasileiro, a cura tá aí” sobre hidroxicloroquina em giro por Brasília, no dia 29.03
Estilo narcísico
A oposição veemente a um movimento global de combate à doença e a recomendações de todas as autoridades de saúde sugere uma valorização exclusiva da própria opinião
“Não é isso tudo que dizem. Até que na China já está praticamente acabando” no dia 16, sobre a Covid-19
Fonte: Folha de S. Paulo