Neste 31 de outubro, os cristãos comemoram 507 anos da Reforma Protestante. O evento desencadeou a convulsão religiosa, política, intelectual e cultural do século XVI, que fragmentou a Europa católica, estabelecendo as estruturas e crenças que definiriam o continente na era moderna.
O monge agostiniano e professor universitário em Wittenberg, Martinho Lutero (1483-1546) compôs suas “95 teses”, que protestavam contra a venda de indultos de penitência ou indulgências, por parte do papa.
Pregadas na porta da Catedral da cidade Wittenberg, Alemanha, os argumentos do ex-monge Lutero não pediam que a Igreja se dividisse, mas que passasse por uma reforma teológica, abandonando práticas que contrariavam as Escrituras Sagradas. Rejeitadas pelo Vaticano, foram o início do que seria mais tarde a Igreja Luterana.
Entre as propostas de Lutero estava a de traduzir a Bíblia para que todos pudessem conhecer a Palavra de Deus. Até então isso era privilégio do clero. Foi uma verdadeira revolução no cristianismo. Lutero baseava-se em “5 pilares” que são usados até hoje para definir a fé protestante: “Somente a Escritura, somente a Fé, somente a Graça, somente Cristo e Glória somente a Deus”.
Os ideais se espalharam pela Europa e encontraram eco em vários movimentos similares. Essa é a raiz das igrejas evangélicas que se espalham por todo o mundo até hoje. Embora pouco divulgada pelas igrejas no Brasil, o fato é que a Reforma ajudou a mudar a história.
Lutero foi apoiado por vários religiosos e governantes europeus provocando uma revolução religiosa, iniciada na Alemanha, estendendo-se pela Suíça, França, Países Baixos, Reino Unido, Escandinávia e algumas partes do Leste europeu, principalmente os Países Bálticos e a Hungria. A resposta da Igreja Católica Romana foi o movimento conhecido como Contrarreforma ou Reforma Católica, iniciada no Concílio de Trento.
O resultado da Reforma Protestante foi a divisão da chamada Igreja do Ocidente entre os católicos romanos e os reformados ou protestantes, originando o protestantismo.
Essas são as 95 teses que deram origem à Reforma:
- Ao dizer: “Fazei penitência”, etc. [Mt 4.17], o nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência.
- Esta penitência não pode ser entendida como penitência sacramental (isto é, da confissão e satisfação celebrada pelo ministério dos sacerdotes).
- No entanto, ela não se refere apenas a uma penitência interior; sim, a penitência interior seria nula se, externamente, não produzisse toda sorte de mortificação da carne.
- Por consequência, a pena perdura enquanto persiste o ódio de si mesmo (isto é a verdadeira penitência interior), ou seja, até a entrada do reino dos céus.
- O papa não quer nem pode dispensar de quaisquer penas senão daquelas que impôs por decisão própria ou dos cânones.
- O papa não tem o poder de perdoar culpa a não ser declarando ou confirmando que ela foi perdoada por Deus; ou, certamente, perdoados os casos que lhe são reservados. Se ele deixasse de observar essas limitações, a culpa permaneceria.
- Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa sem, ao mesmo tempo, sujeitá-la, em tudo humilhada, ao sacerdote, seu vigário.
- Os cânones penitenciais são impostos apenas aos vivos; segundo os mesmos cânones, nada deve ser imposto aos moribundos.
- Por isso, o Espírito Santo nos beneficia através do papa quando este, em seus decretos, sempre exclui a circunstância da morte e da necessidade.
- Agem mal e sem conhecimento de causa aqueles sacerdotes que reservam aos moribundos penitências canônicas para o purgatório.
- Essa cizânia de transformar a pena canônica em pena do purgatório parece ter sido semeada enquanto os bispos certamente dormiam.
- Antigamente se impunham as penas canônicas não depois, mas antes da absolvição, como verificação da verdadeira contrição.
- Através da morte, os moribundos pagam tudo e já estão mortos para as leis canônicas, tendo, por direito, isenção das mesmas.
- Saúde ou amor imperfeito no moribundo necessariamente traz consigo grande temor, e tanto mais quanto menor for o amor.
- Este temor e horror por si sós já bastam (para não falar de outras coisas) para produzir a pena do purgatório, uma vez que estão próximos do horror do desespero.
- Inferno, purgatório e céu parecem diferir da mesma forma que o desespero, o semidesespero e a segurança.
- Parece necessário, para as almas no purgatório, que o horror devesse diminuir à medida que o amor crescesse.
- Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos racionais nem da Escritura, que elas se encontrem fora do estado de mérito ou de crescimento no amor.
- Também parece não ter sido provado que as almas no purgatório estejam certas de sua bem-aventurança, ao menos não todas, mesmo que nós, de nossa parte, tenhamos plena certeza disso.
- Portanto, por remissão plena de todas as penas, o papa não entende simplesmente todas, mas somente aquelas que ele mesmo impôs.
- Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do papa.
- Com efeito, ele não dispensa as almas no purgatório de uma única pena que, segundo os cânones, elas deveriam ter pago nesta vida.
- Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a alguém, ele, certamente, só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos.
- Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente ludibriada por essa magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena.
- O mesmo poder que o papa tem sobre o purgatório de modo geral, qualquer bispo e cura tem em sua diocese e paróquia em particular.
- O papa faz muito bem ao dar remissão às almas não pelo poder das chaves (que ele não tem), mas por meio de intercessão.
- Pregam doutrina mundana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando [do purgatório para o céu].
- Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, pode aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus.
- E quem é que sabe se todas as almas no purgatório querem ser resgatadas, como na história contada a respeito de São Severino e São Pascoal?
- Ninguém tem certeza da veracidade de sua contrição, muito menos de haver conseguido plena remissão.
- Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire autenticamente as indulgências, ou seja, é raríssimo.
- Serão condenados em eternidade, juntamente com seus mestres, aqueles que se julgam seguros de sua salvação através de carta de indulgência.
- Deve-se ter muita cautela com aqueles que dizem serem as indulgências do papa aquela inestimável dádiva de Deus através da qual a pessoa é reconciliada com Ele.
- Pois aquelas graças das indulgências se referem somente às penas de satisfação sacramental, determinadas por seres humanos.
- Os que ensinam que a contrição não é necessária para obter redenção ou indulgência, estão pregando doutrinas incompatíveis com o cristão.
- Qualquer cristão que está verdadeiramente contrito tem remissão plena tanto da pena como da culpa, que são suas dívidas, mesmo sem uma carta de indulgência.
- Qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, participa de todos os benefícios de Cristo e da Igreja, que são dons de Deus, mesmo sem carta de indulgência.
- Contudo, o perdão distribuído pelo papa não deve ser desprezado, pois – como disse – é uma declaração da remissão divina.
- Até mesmo para os mais doutos teólogos é dificílimo exaltar simultaneamente perante o povo a liberalidade de indulgências e a verdadeira contrição.
- A verdadeira contrição procura e ama as penas, ao passo que a abundância das indulgências as afrouxa e faz odiá-las, ou pelo menos dá ocasião para tanto.
- Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências apostólicas, para que o povo não as julgue erroneamente como preferíveis às demais boas obras do amor.
- Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do papa que a compra de indulgências possa, de alguma forma, ser comparada com as obras de misericórdia.
- Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências.
- Ocorre que através da obra de amor cresce o amor e a pessoa se torna melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mas apenas mais livre da pena.
- Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de Deus.
- Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens em abundância, devem conservar o que é necessário para sua casa e de forma alguma desperdiçar dinheiro com indulgência.
- Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de indulgências é livre e não constitui obrigação.
- Deve ensinar-se aos cristãos que, ao conceder perdões, o papa tem mais desejo (assim como tem mais necessidade) de oração devota em seu favor do que do dinheiro que se está pronto a pagar.
- Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do papa são úteis se não depositam sua confiança nelas, porém, extremamente prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.
- Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa soubesse das exações dos pregadores de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a Basílica de S. Pedro a edificá-la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
- Deve-se ensinar aos cristãos que o papa estaria disposto – como é seu dever – a dar do seu dinheiro àqueles muitos de quem alguns pregadores de indulgências extorquem ardilosamente o dinheiro, mesmo que para isto fosse necessário vender a Basílica de S. Pedro.
- Vã é a confiança na salvação por meio de cartas de indulgências, mesmo que o comissário ou até mesmo o próprio papa desse sua alma como garantia pelas mesmas.
- São inimigos de Cristo e do Papa aqueles que, por causa da pregação de indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas demais igrejas.
- Ofende-se a palavra de Deus quando, em um mesmo sermão, se dedica tanto ou mais tempo às indulgências do que a ela.
- A atitude do Papa necessariamente é: se as indulgências (que são o menos importante) são celebradas com um toque de sino, uma procissão e uma cerimônia, o Evangelho (que é o mais importante) deve ser anunciado com uma centena de sinos, procissões e cerimônias.
- Os tesouros da Igreja, a partir dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo.
- É evidente que eles, certamente, não são de natureza temporal, visto que muitos pregadores não os distribuem tão facilmente, mas apenas os ajuntam.
- Eles tampouco são os méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operam, sem o papa, a graça do ser humano interior e a cruz, a morte e o inferno do ser humano exterior.
- S. Lourenço disse que os pobres da Igreja são os tesouros da mesma, empregando, no entanto, a palavra como era usada em sua época.
- É sem temeridade que dizemos que as chaves da Igreja, que foram proporcionadas pelo mérito de Cristo, constituem estes tesouros.
- Pois está claro que, para a remissão das penas e dos casos especiais, o poder do papa por si só é suficiente.
- O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus.
- Mas este tesouro é certamente o mais odiado, pois faz com que os primeiros sejam os últimos.
- Em contrapartida, o tesouro das indulgências é certamente o mais benquisto, pois faz dos últimos os primeiros.
- Portanto, os tesouros do Evangelho são as redes com que outrora se pescavam homens possuidores de riquezas.
- Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as redes com que hoje se pesca a riqueza dos homens.
- As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como as maiores graças realmente podem ser entendidas como tais, na medida em que dão boa renda.
- Entretanto, na verdade, elas são as graças mais ínfimas em comparação com a graça de Deus e a piedade da cruz.
- Os bispos e curas têm a obrigação de admitir com toda a reverência os comissários de indulgências apostólicas.
- Têm, porém, a obrigação ainda maior de observar com os dois olhos e atentar com ambos os ouvidos para que esses comissários não preguem os seus próprios sonhos em lugar do que lhes foi incumbidos pelo papa.
- Seja excomungado e amaldiçoado quem falar contra a verdade das indulgências apostólicas.
- Seja bendito, porém, quem ficar alerta contra a devassidão e licenciosidade das palavras de um pregador de indulgências.
- Assim como o papa, com razão, fulmina aqueles que, de qualquer forma, procuram defraudar o comércio de indulgências,
- muito mais deseja fulminar aqueles que, a pretexto das indulgências, procuram fraudar a santa caridade e verdade.
- A opinião de que as indulgências papais são tão eficazes a ponto de poderem absolver um homem mesmo que tivesse violentado a mãe de Deus, caso isso fosse possível, é loucura.
- Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais não podem anular sequer o menor dos pecados venais no que se refere à sua culpa.
- A afirmação de que nem mesmo São Pedro, caso fosse o papa atualmente, poderia conceder maiores graças é blasfêmia contra São Pedro e o Papa.
- Dizemos contra isto que qualquer papa, mesmo São Pedro, tem maiores graças que essas, a saber, o Evangelho, as virtudes, as graças da administração (ou da cura), etc., como está escrito em I Coríntios XII.
- É blasfêmia dizer que a cruz com as armas do papa, insigneamente erguida, eqüivale à cruz de Cristo.
- Terão que prestar contas os bispos, curas e teólogos que permitem que semelhantes sermões sejam difundidos entre o povo.
- Essa licenciosa pregação de indulgências faz com que não seja fácil nem para os homens doutos defender a dignidade do papa contra calúnias ou questões, sem dúvida argutas, dos leigos.
- Por exemplo: Por que o papa não esvazia o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas – o que seria a mais justa de todas as causas, se redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica – que é uma causa tão insignificante?
- Do mesmo modo: Por que se mantêm as exéquias e os aniversários dos falecidos e por que ele não restitui ou permite que se recebam de volta as doações efetuadas em favor deles, visto que já não é justo orar pelos redimidos?
- Do mesmo modo: Que nova piedade de Deus e do papa é essa que, por causa do dinheiro, permite ao ímpio e inimigo redimir uma alma piedosa e amiga de Deus, mas não a redime por causa da necessidade da mesma alma piedosa e dileta por amor gratuito?
- Do mesmo modo: Por que os cânones penitenciais – de fato e por desuso já há muito revogados e mortos – ainda assim são redimidos com dinheiro, pela concessão de indulgências, como se ainda estivessem em pleno vigor?
- Do mesmo modo: Por que o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos ricos mais crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?
- Do mesmo modo: O que é que o papa perdoa e concede àqueles que, pela contrição perfeita, têm direito à plena remissão e participação?
- Do mesmo modo: Que benefício maior se poderia proporcionar à Igreja do que se o papa, assim como agora o faz uma vez, da mesma forma concedesse essas remissões e participações cem vezes ao dia a qualquer dos fiéis?
- Já que, com as indulgências, o papa procura mais a salvação das almas do que o dinheiro, por que suspende as cartas e indulgências, outrora já concedidas, se são igualmente eficazes?
- Reprimir esses argumentos muito perspicazes dos leigos somente pela força, sem refutá-los apresentando razões, significa expor a Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e fazer os cristãos infelizes.
- Se, portanto, as indulgências fossem pregadas em conformidade com o espírito e a opinião do papa, todas essas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido.
- Portanto, fora com todos esses profetas que dizem ao povo de Cristo “Paz, paz!” sem que haja paz!
- Que prosperem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo “Cruz! Cruz!” sem que haja cruz!
- Devem-se exortar os cristãos a que se esforcem por seguir a Cristo, seu cabeça, através das penas, da morte e do inferno.
- E que confiem entrar no céu antes passando por muitas tribulações do que por meio da confiança da paz.