Quando o assunto é religião, Barack Obama se encontra em uma encruzilhada. O presidente americano manda mensagens mistas, tentando apaziguar os conservadores cristãos, ao mesmo tempo em que procura agradar grupos de outros credos e ateístas.
A religião é, sem dúvida, um dos grandes assuntos que voltam a ser discutidos a cada novo pleito nos Estados Unidos. Este ano não é diferente. Debate após debate, os republicanos que disputam a indicação do partido trazem o tema à tona, por vezes com mais força que a taxa de desemprego, o crescimento da economia ou a política externa norte-americana. Comentaristas especulam sobre a fé religiosa de Barack Obama, enquanto seus adversários políticos não perdem uma oportunidade de insinuar que o presidente americano não é suficientemente religioso e, talvez, nem mesmo seja cristão, como se isso tornasse sua presidência ilegítima.
“Não sei exatamente o que pensa Barack Obama, mas é uma vergonha vivermos em um país onde o presidente tem de afirmar acreditar em Deus para ser eleito”, diz Ed Buckner, antigo presidente e atual diretor da American Atheists, principal organização ateísta dos EUA que promove a total separação da igreja e do Estado.
[b]Fé tardia
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Quando o assunto é religião, Barack Obama se encontra em uma encruzilhada. O presidente americano manda mensagens mistas, tentando apaziguar os conservadores cristãos, ao mesmo tempo em que procura agradar grupos de outros credos e ateístas, que compõem uma parte significativa do seu eleitorado com raízes liberais. O resultado disso é uma maior suspeita quanto à fé do ocupante da Casa Branca, que é filho de pai muçulmano não praticante e mãe agnóstica.
No seu livro A origem dos meus sonhos, Obama conta que se uniu formalmente a uma igreja (Igreja da Trindade Unida em Cristo, de uma paróquia predominantemente negra de Chicago) pela primeira vez quando tinha 27 anos, causando rumores de que a sua descoberta da fé não passou de uma decisão pragmática do então jovem e ambicioso líder comunitário.
A necessidade de provar sua fé religiosa acompanha Obama desde sua primeira campanha presidencial, em 2008. Em meados daquele ano, o político passou a concluir seus pronunciamentos com “God Bless America” (Deus abençoe a América), desfecho praticamente obrigatório para todos os discursos presidenciais americanos, desde que a frase começou a ser usada pelo ídolo dos conservadores dos EUA, o ex-presidente Ronald Regan, na década de 80. Antes de ser consagrada por Reagan, a frase só tinha sido usada uma vez por um presidente americano da era moderna. Richard Nixon, quando conclui seu discurso sobre Watergate, em 1973.
No aniversário de dez anos dos atentados de 11 de Setembro de 2001, Obama abriu seu discurso para os sobreviventes e as famílias das vítimas, no Marco Zero, em Nova York, com o Salmo 46 da Bíblia, dizendo “Deus é nosso refúgio e nossa força”. Surpreendentemente, na mesma ocasião, George W. Bush, apesar da fama de cristão linha dura, dispensou referências bíblicas e citou uma carta escrita por Abraham Lincoln, em 1864, consolando uma viúva que perdera cinco filhos durante a Guerra Civil.
[b]Política e religião de mãos dadas
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O caráter religioso da maior potência mundial não deixa de ser um fenômeno curioso. Na Europa, o ateísmo não só é comum como predominante em algumas nações (a porcentagem de ateístas em países como a Suécia, França, Dinamarca e Noruega varia entre 50% e 85%, segundo dados da publicação Cambridge Companion to Atheism).
Desde a Revolução Francesa, a religiosidade não está tão arraigada aos governos do velho continente como está no caso dos Estados Unidos, onde a figura divina faz parte da identificação nacional. No país norte-americano, referências a Deus são encontradas em prédios públicos, no juramento à bandeira e até nas notas de dólares, que trazem impressa a frase “In God We Trust” (Em Deus Confiamos). “Vivemos em um Estado quase teocrático”, afirma Buckner.
A Constituição dos EUA proíbe o governo federal de estabelecer uma igreja ou credo nacional, mas, no dia a dia das decisões políticas em Washington, os grupos religiosos são sempre considerados, impactando decisões que vão desde o acesso ao aborto e casamento entre homossexuais até pesquisa com células-tronco e ensino de ciência em salas de aula de escolas públicas.
“A América é uma nação de grande fé em Deus. A religião pode e deve ter um papel para que pessoas de todos os credos tenham assegurado que podem confiar em um líder que lhes dará a liberdade para praticar religião como elas querem e devem praticar”, diz Kevin Irwin, monsenhor e teólogo da Universidade Católica da América.
Nos EUA, o credo religioso do presidente pode ter consequências profundas e de longo prazo para a sociedade, uma vez que o ocupante da Casa Branca pode, potencialmente, escolher um juiz da Suprema Corte que, por sua vez, pode criar paradigmas para ordens judiciais em toda a nação. “Uma pessoa que enxerga as leis ou os eleitores como a fonte dos direitos do povo pode adotar políticas diferentes daquelas adotadas por alguém que acredita que o Criador confere ‘direitos inalienáveis’ às pessoas, conforme estabelece a Declaração da Independência”, afirma Ryan Messmore, pesquisador da Heritage Foundation, uma think tank (laboratório de ideias) sediada na capital americana.
Em um recente debate, todos os candidatos republicanos à presidência afirmaram que Deus ocupa um papel importante na vida deles. Newt Gingrich, ex-presidente da Câmara de Representantes dos EUA que, em 2009, se converteu ao catolicismo, foi mais longe. O político garantiu que, se chegar à Casa Branca, ele sempre consultará Deus antes de tomar decisões importantes para a nação.
Semanas depois, foi a vez de Rick Santorum, candidato católico ultraconservador, declarar seu desgosto por um Estado laico. “O secularismo de John F. Kennedy me faz vomitar”, declarou.
O único candidato republicano que evita falar sobre sua fé é o atual favorito, Mitt Romney. O ex-governador de Massachussetts é mórmon, religião vista pela maioria dos americanos como um culto baseado em credos pouco familiares.
No entanto, o enfoque que os políticos americanos, e particularmente os conservadores, estão colocando no fervor religioso não está alinhado com os dados demográficos da nação, podendo resultar na perda de votos. Ateístas e agnósticos compõem o grupo que atualmente mais cresce no país. Pesquisas recentes do Pew Research Centre e do Instituto para o Estudo do Secularismo do Trinity College, de Hartford, indicam que entre 12% e 20% dos americanos se enquadram nesse grupo, e o número de cidadãos sem identificação religiosa dobrou nos últimos 30 anos.
[b]Fonte: Terra[/b]