Terras doadas em 1911 à Igreja Católica para serem repassadas para famílias carentes têm sido negociadas em dinheiro desde a década de 1960.

Terras doadas em 1911 à Igreja Católica com o propósito de serem repassadas de graça a famílias carentes, em Selvíria, cidade distante 410 km de Campo Grande (MS), têm sido negociadas em dinheiro desde a década de 1960. Somas caíram na conta da igreja, conforme cópias de depósitos bancários, os quais o Correio do Estado teve acesso.

A suspeita de que os terrenos ainda escriturados em nome da igreja são vendidos ou comprados por meio de fraudes em papeis imobiliários motivou a abertura de inquérito policial em dezembro passado a pedido do Ministério Público Estadual (MPE).

Até agora, o vereador da cidade de Selvíria, José Cecílio da Silva Filho, do PT, também corretor de imóveis, é o único que aparece na mira da investigação.

Contudo, o MPE deve ouvir daqui a alguns dias o parlamentar, famílias que venderam ou compraram os lotes e também líderes da igreja em questão.

[b]HISTÓRICO[/b]

A história da doação ocorreu um século atrás, quando uma fazendeira da região de Três Lagoas transferiu à Diocese de Campo Grande a escritura de 217 hectares, parte de uma área rural do então distrito de Véstia, hoje um bairro distante 3 km de Selvíria, conhecido agora como Loteamento Guadalupe do Alto Paraná.

Na area vivem em torno de mil pessoas, quase todas “nascidas e criadas” lá, segundo disseram alguns moradores ouvidos pelo Correio do Estado há uma semana, no início do Carnaval.

Habitantes do loteamento Guadalupe mostraram um calhamaço de documentos que comprovariam que a Diocese de Três Lagoas doou poucos lotes à comunidade e sempre manteve a prática de negociar os imóveis em dinheiro.

Embora a área tenha sido doada em 1911, ainda hoje, boa parte do loteamento permanece em nome da igreja. Hoje é a Diocese de Três Lagoas é quem administra as escrituras do loteamento.

[b]CONTRATO PAGO
[/b]
Aqui, um exemplo: o lavrador Manoel Cardoso de Brito assina um compromisso de venda e compra de quatro lotes que somam 1,9 mil metros quadrados, no dia 25 de novembro de 1967. No documento é citado que Brito é o comprador e a vendedora do imóvel em questão, a Diocese de Campo Grande.

O contrato sustenta que o lavrador pagou NCr$ 20,00 (cruzeiro novo, moeda da época) como sinal no negócio, e se comprometeu a quitar os imóveis em parcelas de NCr$ 20,00 – o preço final dos lotes, segundo o documento, é de NCr$ 800,00. Neste período, o salário no Brasil girava em torno de NCr$ 95,63.

Note ainda que o acordo entre a igreja e o comprador, era rigoroso, em caso de falha nas prestações. “Na falta de pagamento de qualquer prestação na data prefixada para o vencimento o (s) comprador (es) será (ão) constituídos em mora, importando na imediata rescisão do presente compromisso”.

Ainda segundo o papel, a prova definitiva de que os imóveis foram vendidos pela igreja ao lavrador aparece numa das últimas cláusula do contrato, que diz: “A vendedora [Diocese] se obriga com o(s) comprador(es) a outorgar-lhe(es) escritura definitiva do terreno ora compromissado, após o pagamento total do preço ora convencionado”.
Esse documento foi registrado no cartório de paz do loteamento Guadalupe e reconhecido no Tabelionato Veiga, à época cartório do estado de São Paulo.

[b]DEPÓSITOS[/b]

O Correio do Estado teve acesso ainda a cópias de 16 depósitos destinados a conta 14390045802, de uma agência do Bamerindus, hoje HSBC.

Somadas, as aplicações alcançaram a cifra de Cr$ 360.640,00 – à época a moeda nacional era o cruzeiro. A quantia foi depositada por um comprador entre maio de 1991 a fevereiro de 1993, na conta da Paróquia de São João Batista, que fica em Selvíria.

Nesse período, o salário mínimo no Brasil oscilou entre Cr$ 12.325,60 e R$ 18.760,00. Num cálculo presumido, é possível afirmar que o dinheiro arrecadado pela igreja equivaleria a 20 salários mínimos de hoje, ou em torno de R$ 12 mil.

[b]Fonte: Correio do Estado[/b]

Comentários