Rogério Pagnan e Rogério Gentile
Folha de S. Paulo
O Ministério Público de São Paulo investiga a associação religiosa Testemunhas de Jeová por suspeita de ter acobertado casos de abuso sexual, inclusive de crianças e de adolescentes, em suas congregações.
De acordo com a apuração da Promotoria, a organização teria constrangido vítimas a não denunciar os crimes. Por conta disso, afirma, muitos dos delitos já estariam prescritos.
Iniciado em setembro de 2019, o inquérito, que corre sob segredo judicial, tem como base o relato de seis pessoas que afirmam terem sofrido diversos abusos de natureza sexual e psicológica, informa reportagem da Folha de S. Paulo.
Em documento enviado à Justiça, a promotora Celeste Leite dos Santos diz que a associação, sempre que sabia de alguma situação de abuso, afirmava que só poderia tomar providência caso houvesse confissão do autor ou se existissem duas testemunhas presenciais do crime.
Ela afirma também que as vítimas poderiam ser afastadas da organização se fizessem denúncias. Quando alguém é desassociado das Testemunhas de Jeová, diz a promotora na petição, “perde-se também o elo com os parentes” que integram a igreja.
A promotora diz que a investigação começou após ela ter sido procurada por uma das vítimas. “Precisava de ajuda porque foi ameaçada por estar denunciando”, diz. “Estava sendo intimidada, nos escreveu pedindo socorro.”
Um dos casos é o de E.G.L.B, de 37 anos. Aos 12 anos, ela era candidata ao batismo quando foi entrevistada por um ancião (nome dado aos membros experientes, que têm a função de supervisionar as congregações).
“O ancião começou falando sobre sexo”, disse. Logo depois, segundo o relato feito à Promotora, levantou-se e passou a apalpar os seios da garota. “Ele me disse, não precisa ficar com medo de mim, sou como um pai para você. Na sequência, abriu a calça e tirou o pênis.”
Meses depois, E.G.L.B e sua mãe decidiram relatar o caso a outros dois anciões. “Eles ficaram transtornados, mas acabaram por pedir que não falássemos nada para ninguém”, lembra. “Disseram que deveríamos deixar nas mãos de Jeová, que ele resolve tudo.”
Além do relato das vítimas, o Ministério Público colheu o depoimento de nove testemunhas, entre as quais alguns ex-anciões. Segundo essas testemunhas, a igreja registra todos os relatos de abuso e os arquiva nas congregações. Posteriormente, esses dados seriam repassados à sede da entidade, nos Estados Unidos.
Em razão de uma série de casos de abusos investigados no exterior, o comando mundial da organização teria ordenado, de acordo com o relato feito à Justiça, a destruição de todos os registros confidenciais de crimes.
À Justiça, a entidade afirmou que não há nenhuma prova de ilegalidade ou omissão de sua parte. “Pelo contrário, as provas juntadas nos autos pelo próprio Ministério Público indicam que a associação preocupa-se em proteger os menores em seu meio”, afirma.
Em petição apresentada ao Tribunal de Justiça, a entidade pediu a suspensão do inquérito. Declarou que nunca “houve qualquer orientação para encobrir tais casos ou tratá-los apenas internamente, como se houvesse um tribunal eclesial próprio”.
Disse também que nenhum documento apreendido pelos policiais tem relação com as supostas vítimas que procuraram o Ministério Público. “A busca serviu apenas para violar o sigilo eclesiástico, expor dados sensíveis de pessoas alheias às investigações e violar garantias constitucionais de uma entidade religiosa e de seus fiéis.”
O Tribunal de Justiça não aceitou o pedido. Em decisão no final de janeiro, afirmou que a investigação contém indícios bastante relevantes quanto à prática de crimes sexuais. “Não há motivo para suspender o procedimento.”
Fonte: Folha de S. Paulo