Neste domingo, o Vaticano fará a maior cerimônia de beatificação coletiva da história do Catolicismo. Serão beatificados 498 religiosos espanhóis mortos durante a Guerra Civil (1936-1939) e que apoiaram o ditador Francisco Franco. Para a Igreja Católica espanhola, são os mártires do século 20. Para os republicanos, uma polêmica.
Muitas igrejas espanholas foram atacadas e algumas incendiadas pelos republicanos, durante a Guerra Civil. A frase repetida pelo ditador fascista “Por Deus e pela Espanha” e o apoio direto do clero ao golpe militar provocaram um ambiente anti-religioso para os que lutavam contra Franco. Atualmente na maioria das igrejas, inclusive próximo ao altar, permanecem as placas de mármore com nomes de religiosos mortos e descrições como: “morreu pela Espanha, mártir contra o marxismo e por Franco com a graça de Deus”. “Estamos falando da maior perseguição religiosa do século. É necessário assumir a história como aconteceu. E com todas as responsabilidades. Na Igreja há e houve pessoas coerentes que assumiram sua postura e fé até as últimas conseqüências”, disse o arcebispo de Sevilha, Carlos Amigo, que anunciou a beatificação em entrevista coletiva.
Para a esquerda espanhola, a cerimônia é uma polêmica que reabre velhas feridas.
O líder do Partido Esquerda Unida, Gaspar Llamazares, disse que respeita a memória da Igreja Católica, mas pediu ao Vaticano “que lamente e peça perdão pelo papel negativo que ocupou, dando aval ao franquismo e a repressão”. Para o deputado do Partido Basco, Manuel Millán, a decisão do Vaticano é “imoral e injusta”, porque, segundo ele, só enaltece os caídos de um dos lados da guerra e também porque não há precedentes históricos com outros ditadores.
“Quantas ruas na Itália existem dedicadas a Mussolini e quantas estátuas de Hitler permanecem em pé na Alemanha? Quantos religiosos que apoiaram estes regimes foram beatificados? Os papas anteriores se negaram a isto. Porque aqui na Espanha nunca houve reconhecimento e reconciliação”, afirmou.
Alguns deputados acreditam ainda que a decisão seja uma resposta a medidas políticas do governo espanhol que desagradaram ao clero, como a lei de casamentos entre pessoas do mesmo sexo ou a Lei da Memória Histórica, que deve ser votada em breve.
Esta nova lei condena a ditadura franquista e oferecerá ajuda a todos os parentes das vítimas. Mas a Igreja nega o confronto político. “Não é uma represália, nem resposta. Apenas coincidiram as datas”, disse o porta-voz da Conferência Episcopal Espanhola, Juan Antonio Martírez Camino.
O teólogo espanhol Juan José Tamayo chamou a beatificação de “involução da Igreja”. E afirmou que “é muito delicado qualificar como mártires a pessoas que tiveram implicações políticas”.
Além dos 498 novos beatos, a Igreja Católica espanhola tem outros 836 casos em trâmite avançado no Vaticano. São no total mais de 2 mil pedidos de reconhecimento para o que o Arcebispado de Madri chama de mártires da guerra que morreram pela nação.
O governo espanhol estará representado na cerimônia de domingo pelo Ministro de Relações Exteriores, Miguel Ángel Moratinos. O primeiro-ministro Rodríguez Zapatero recusou o convite do Vaticano. O avô dele, o capitão Lozano, também morreu na Guerra Civil. Foi um dos militares que se negaram a apoiar o golpe militar e terminaram fuzilados.
As estimativas indicam a morte de cerca de 500 mil pessoas durante o conflito e 450 mil exilados. O ditador fascista Francisco Franco iniciou o golpe militar em 1936 e morreu em 1975.
Fonte: BBC Brasil