O papa Pio 12 (1939-1958) ordenou que os mosteiros dessem cobertura aos judeus perseguidos pelos nazistas, segundo um documento de 1943 achado num convento de freiras agostinianas de Roma, informou a Rádio Vaticano nesta quarta-feira.

Grupos judaicos acusam o papa que comandou a igreja durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945) de não atuar firmemente contra o Holocausto.

Segundo a rádio, uma nota extraída do “Memorial das Religiosas Agostinianas do Mosteiro dos Quatro Santos Coroados de Roma” traz a seguinte mensagem: “O Santo Padre quer salvar todos os seus filhos, também os judeus, e ordena que os mosteiros deem hospitalidade a estes perseguidos”.

O documento inclui ainda os nomes de 24 pessoas que foram recebidas pelo convento.

“Trata-se de um documento muito importante, já que é escrito” à mão, o que confirma os vários testemunhos orais sobre o trabalho de Pio 12 a favor dos judeus durante a perseguição nazista, destacou à Rádio Vaticano o jesuíta Peter Gumpel, postulante da causa de beatificação de Pio 12, processo que pode levar o antigo pontífice a ser decarado santo pela igreja.

Historiadores e líderes judeus acusam Pio 12 de antissemitismo por, segundo eles, não ter enfrentado com força suficiente o regime de Hitler, algo sempre negado pelo Vaticano.

Gumpel acrescentou que, nos anos de perseguição do nazismo, nas “situações como as que eram vividas em Roma, uma pessoa prudente não colocava muitas coisas por escrito, já que havia o risco de elas caírem nas mãos dos inimigos e de serem adotadas medidas ainda mais hostis contra a Igreja Católica”.

“A obra de salvamento de Pio 12, confirmada também por fontes judaicas, foi feita mediante mensagens pessoais, mediante sacerdotes que eram enviados a instituições e casas católicas de Roma, à universidade, aos seminários, às paróquias e aos conventos de freiras, sempre com a mensagem ‘Abram as portas a todos os perseguidos pelo nazismo'”, o que significava “primeiro, os judeus”, afirmou Gumpel.

O jesuíta reiterou que o novo documento desarma todos aqueles “que de maneira persistente querem denegrir Pio 12 e toda a Igreja Católica”. Além disso, declarou esperar que o papa Bento 16 assine o decreto que abrirá caminho para a beatificação de um de seus antecessores.

Autoridades israelenses e grupos judaicos disseram que, enquanto os arquivos do Vaticano sobre o papado de Pio 12 permanecem fechados para os pesquisadores, a questão sobre o que o pontífice fez ou não fez para salvar os judeus continua sem solução.

No ano passado, o papa Bento 16, em uma homenagem a Pio 12, insistiu que o antecessor trabalhou silenciosamente nos bastidores para salvar o maior número possível de judeus. Ele manifestou esperança de que o antigo papa fose elevado a santo, mas também determinou o congelamento do processo até que os arquivos do Vaticano do período da guerra sejam abertos aos pesquisadores.

Outros episódios

A controvérsia em relação ao papel de Pio 12 no auxílio aos judeus é apenas um dos pontos de atrito entre o Vaticano e grupos judaicos. Em janeiro deste ano, a reabilitação do bispo britânico Richard Williamson, cuja excomunhão foi suspensa junto às de outros três bispos tradicionalistas expulsos da igreja nos anos 80, deu origem a uma polêmica que ainda não terminou. Depois de anunciado o perdão papal, foi ao ar uma entrevista em que Williamson negou a extensão do Holocausto.

Segundo ele, os nazistas teriam matado cerca de 300 mil judeus, e não 6 milhões como é amplamente aceito pelos historiadores. Williamson também disse não acreditar que câmaras de gás tivessem sido usadas para matar os prisioneiros judeus nos campos de concentração.

Em meio a uma forte reação internacional, o papa exigiu que Williamson se retratasse, dizendo que negar o Holocausto é “totalmente inaceitável”.

No último dia 26, após ser expulso da Argentina, Williamson pediu perdão pelas declarações sobre o Holocausto, mas não rejeitou o que dissera. Nem o Vaticano nem grupos judaicos aceitaram o pedido.

Dias antes do início da polêmica em torno de Williamson, o cardeal Renato Martino, presidente do Conselho Pontifício de Justiça e Paz do Vaticano, disse que a faixa de Gaza, durante uma ofensiva de 22 dias das Forças Armadas de Israel, assemelhava-se a um campo de concentração.

Em 2007, o papa enfureceu muitos judeus ao suspender restrições a missas em latim com o rito tridentino, que contém uma oração pela conversão dos judeus. A Associação dos Rabinos Italianos decidiu, em resposta à decisão sobre a missa, boicotar as celebrações do dia anual de diálogo inter-religioso entre judeus e cristãos, no dia 17 de janeiro, instituído pelo papa João Paulo 2º como uma forma de combater o antissemitismo.

Fonte: Folha Online

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