O controvertido arcebispo da Zâmbia, Emmanuel Milingo (foto), foi excomungado pelo Papa Bento XVI após ter ordenado quatro bispos ilegalmente, informou nesta terça-feira a Santa Sé. Monsenhor Emmanuel Milingo “está numa condição irregular e claramente está rompendo a comunhão com a Igreja”, diz o comunicado divulgado pela Santa Sé.
“Está em curso a ‘scomunica latae sententiae’ (sentença de excomunhão) prevista pelo artigo 1382 do Código do Direito Canônico”, diz o comunicado.
Trata-se da pena mais severa que a Igreja Católica pode determinar para um crente. O arcebispo da Zâmbia, Emmanuel Milingo, de 76 anos, o representante mais carismático da Igreja na África, exorcista e curandeiro, ordenou recentemente quatro bispos casados nos Estados Unidos, razão pela qual foi automaticamente excomungado. A sentença de excomunhão se aplica também aos quatro religiosos que foram consagrados bispos ilegalmente pelo arcebispo Milingo em 24 de setembro nos Estados Unidos.
Só o pontífice pode ordenar bispos, segundo as leis da Igreja.
Os quatro religiosos ordenados fazem parte do movimento internacional “Married Priest Now”, fundado em julho pelo prelado africano em Washington, Estados Unidos.
A hierarquia da Igreja Católica reconhece que “acompanhou com preocupação” o comportamento recente de Milingo, sobretudo depois que ele fundou em julho uma associação de sacerdotes casados.
O prelado africano, que desencadeou um escândalo em 2001 dentro da Igreja Católica ao se casar com a coreana María Sung, da seita Moon, regressou depois de um ano a sua atividade de religioso oficiando uma missa solene numa abadia localizada perto de Zagarolo, leste de Roma.
Milingo, que pediu perdão ao então Papa João Paulo II por seus erros, teve que passar um ano de penitência e retiros espirituais numa casa religiosa da Argentina a pedido das autoridades eclesiásticas.
Oriundo de Mnukwa, na Zâmbia, analfabeto até os 12 anos, monsenhor Milingo foi ordenado sacerdote aos 28 anos, após estudos de teologia, filosofia e ciências sociais.
Muito conhecido na África por ter dirigido programas de rádio, o prelado foi nomeado arcebispo de Lusaka aos 39 anos.
Quatorze anos depois foi obrigado a renunciar a sua diocese a pedido de João Paulo II e se mudou para Roma, já que suas atividades de curandeiro e exorcista caçador de demônios eram incompatíveis com seu cargo eclesiástico.
Na Itália, tampouco abandonou essas atividades, chegando a se tornar famoso graças a seus discos inspirados na música da cultura zulu.
Excomunhão é a pena mais severa da Igreja Católica
A sentença de excomunhão dada nesta terça-feira pelo Vaticano ao controvertido arcebispo emérito de Lusaka, na Zâmbia, Emmanuel Milingo, é o castigo mais severo que a Igreja Católica pode decretar.
Existem dois tipos de excomunhão: a “latae sententiae” e a “ferendae sententiae”.
Para o Código de Direito Canônico, os que cometem faltas graves, como tomar o lugar do pontífice para ordenar bispos, que é o caso de Milingo, devem ser excomungados automaticamente, ou seja, “latae sententiae”, sem que seja necessária uma sentença prévia da autoridade competente.
Os motivos para que se aplique a excomunhão “latae sententiae” são a heresia, o cisma, a violência contra o Papa, a consagração de um bispo sem mandato do pontífice, a realização de um aborto, a profanação da Eucaristia, a absolvição de um “cúmplice” em caso de relações sexuais e a violação do segredo da confissão, diz o Código.
A maioria dos casos de excomunhão é tratada pela Santa Sé, pelo Papa diretamente ou pela Congregação para a Doutrina da Fé.
Para faltas menos graves, existe a “ferendae sententiae”, pela qual a autoridade competente abre um processo que pode concluir com a sentença de excomunhão.
Os excomungados não podem cumprir tarefas litúrgicas ou pastorais e são proibidos de participar da vida sagrada da Igreja.
As excomunhões são pouco freqüentes.
A última sentença de excomunhão que se conhece foi pronunciada em fevereiro pelo bispo de Piemonte, norte da Itália, monsenhor Pier Giorgio Bernardi, contra o sacerdote Franco Barbero, por ter benzido o casamento entre homossexuais.
Em 2002, o Vaticano ameaçou várias vezes o arcebispo Milingo de excomungá-lo por ter se casado com uma coreana seguindo o ritual da seita Moon.
Mas o religioso africano renunciou ao casamento e se reincorporou à Igreja.
Excomunhão de Milingo tem pouco impacto nos Estados Unidos
A excomunhão de Emmanuel Milingo pelo Vaticano é, para alguns de seus seguidores nos Estados Unidos, “irrelevante”, e também não preocupa outros sacerdotes casados que se dizem católicos e que não concordam com ele.
Para Cheryl Cavalconte, de Rhode Island, ordenada sacerdotisa católica em 1967 pelo bispo Robert Allman, de Nova York, e simpatizante de Milingo, assim como seu marido Charles, que também é padre, o assunto “é irrelevante”.
“Roma não mudará, e é fútil a tentativa de mudar Roma”, disse Cavalconte à Efe ao comentar a decisão do Vaticano.
Cheryl e seu marido Charles, que foi ordenado padre antes de ambos se casarem, atualmente celebram casamentos bodas, batismos, funerais e fornecem assistência religiosa em sua comunidade.
Para Cheryl Cavalconte, “quando Milingo, os bispos Peter Paul Brennan, Joseph Gouthro e tantos outros” tomaram a decisão que tomaram, se afastaram “da ‘comunhão’ da Igreja Católica”.
O Vaticano, além de Milingo, excomungou também Brennan, Gouthro e Patrick Trujillo, titular da arquidiocese de Nossa Senhora de Guadalupe de Nova Jersey.
Mas, “a esta altura, o que o Vaticano faz ou não faz é irrelevante”, reiterou Cavalconte.
“Aqui a questão é em quem acreditamos, em última instância, a quem devemos responder por nosso chamado vocacional: a Deus ou à Igreja?”, disse.
“Quando Jesus distribuiu a eucaristia disse ‘a ti Pedro, que me negarás, a ti Judas, que me trairás, e a todos os demais que me abandonarão'” ressaltou Cavalconte. “E se até a essas pessoas, sabendo o que fariam, Jesus deu a comunhão, como podemos nos considerar excomungados quando cumprimos com nossa vocação?”.
Cavalconte afirmou que há em todo Estados Unidos pelo menos 1.500 padres católicos que se casaram e continuam exercendo o ofício sacerdotal.
Entre eles está John Schuster, padre católico e casado que vive em Seattle (Washington) e que, em conversa telefônica, disse à Efe que há muito “não se interessa pelo que Milingo faz, porque o que busca é estabelecer outra Igreja”.
Sua posição é bem diferente. “Nós queremos mudar a Igreja dentro da tradição católica”, acrescentou Schuster, que foi “padre dentro do sistema” durante 18 anos e que exerceu o sacerdócio casado por outros 23 anos.
Schuster disse que “Milingo tem um histórico de atitudes extravagantes e se vinculou à Igreja da Unificação”.
Para ele, “a mudança será possível desde dentro da Igreja Católica quando as pessoas prestarem atenção à forma como a Igreja conduzida”, acrescentou.
Schuster foi além: “A homossexualidade é abundante entre padres e bispos. Os homens heterossexuais vão, os homossexuais ficam”.
Da mesma forma que os Cavalconte, Schuster exerce seu oficio de padre “dando apoio espiritual aos que se aproximam, sabendo que falam com um padre católico que é casado”.
“Eu dou apoio espiritual, e quando as pessoas falam de seus problemas matrimoniais, dou apoio matrimonial, como sacerdote e como homem casado, porque tenho a experiência”, afirmou.
Fonte: AFP e EFE