A decisão de alguns prefeitos da direita francesa de acabar com as refeições sem carne de porco nas cantinas das escolas, que eram oferecidas aos alunos muçulmanos e judeus, está provocando polêmica no país.

A controvérsia começou quando Gilles Platret, prefeito de Châlon-sur-Saône, do partido Os Republicanos (novo partido do ex-presidente Nicolas Sarkozy, ex-UMP), anunciou um cardápio único para todos os alunos, sem distinções, a partir de setembro, quando começa o ano letivo na França.

Eleito em 2014, Platret decidiu pôr fim neste ano a uma prática em vigor desde 1984: os pais dos alunos de Châlon-sur-Saône recebiam um formulário da prefeitura que permitia escolher se eles desejavam ou não refeições sem carne de porco para seus filhos.

Para o prefeito, propor um cardápio alternativo sem carne de porco equivale a fornecer um serviço público particular em função da religião, o que desrespeita, em sua avaliação, o princípio da laicidade do Estado francês, determinado por uma lei de 1905.

“A prefeitura não deve diferenciar a oferta de seus serviços em funções de considerações que são da esfera privada”, alegou Platret para impor um cardápio único nas cantinas escolares da cidade.

[b]’Fraturas’ da sociedade[/b]

Pais de alunos se disseram indignados com a decisão. A oposição municipal também contestou a medida, que acabou criando debates em todo o país.

O prefeito ganhou o apoio de Sarkozy, líder de seu partido. “Quem deseja que seus filhos tenham hábitos alimentares religiosos devem procurar escolas privadas religiosas”, disse ele.

A medida criou divisões na própria legenda. Políticos do Os Republicanos lamentaram a discussão “inútil”, que amplia as “fraturas” da sociedade francesa.

A Liga de Defesa Judiciária dos Muçulmanos tentou um recurso contra a prefeitura de Chalon-sur-Saône, a primeira a suprimir o cardápio alternativo, alegando “desrespeito ao direito da liberdade de culto” das crianças.

A decisão do tribunal administrativo de Dijon sobre o mérito do caso deve ser anunciada em novembro.

Mas a Justiça francesa tem sempre dado ganho de causa às prefeituras que decidem suprimir o cardápio alternativo, considerando que isso não é contrário à liberdade religiosa.

Para a ministra da Educação, a socialista Najat Vallaud-Belkacem, a medida acaba impedindo o acesso de alguns alunos à merenda escolar.

O prefeito de Perpignan, Jean-Marc Pujol, do partido Os Republicanos, também suprimiu das cantinas escolares dessa cidade do sul da França os chamados “cardápios de substituição” (alternativos) para crianças que não podem comer carne de porco por motivos religiosos.

“É para lutar contra o desperdício alimentar. Inúmeros pais desaconselham os filhos a comer qualquer tipo de carne que não seja halal (termo árabe que significa ‘permitido pela lei islâmica’). Jogamos fora 300 quilos de carne por semana”, afirma Pujol.

[b]’Liberdade de escolha'[/b]

Para preservar a “liberdade de escolha”, o prefeito de Perpignan instituiu um cardápio totalmente vegetariano.

Com o objetivo de evitar polêmicas ligadas a questões religiosas, outras cidades estão criando opções sem carne, como é o caso de Toulouse e Pau.

Em Chilly-Mazarin, nos arredores de Paris, o prefeito Jean-Paul Beneytou, de Os Republicanos, também pôs fim ao cardápio alternativo e decidiu que as cantinas escolares devem servir a carne e os legumes separadamente, o que permite aos alunos fazer uma refeição vegetariana.

A grande maioria das escolas e colégios do país oferece um cardápio alternativo às refeições com carne de porco. Mas nada impede um prefeito de estabelecer apenas um tipo de prato para todos.

Segundo uma circular do Ministério do Interior, as cantinas escolares são um serviço público facultativo. Os alunos não são obrigados a frequentá-las, e não existem imposições legais em relação aos cardápios servidos.

A única obrigatoriedade fixada pelo Estado é a de servir uma refeição variada e equilibrada em termos nutricionais.

[b]Obrigações religiosas[/b]

Ligado ao gabinete do primeiro-ministro, o Observatório da Laicidade recomenda não levar em conta as obrigações religiosas, como não consumir determinado tipo de alimento, mas oferecer opções diversas, como pratos com ou sem carne.

A Associação dos Prefeitos da França (AMF na sigla em francês), presidida por François Baroin, de Os Republicanos, apresentou um relatório sobre a laicidade segundo o qual os cardápios elaborados em função de princípios religiosos são contrários às regras do Estado laico.

Ao mesmo tempo, de maneira vaga, a AMF defende refeições variadas.

Yves Jégo, deputado do partido UDI, de centro-direita, irá propor um projeto de lei prevendo cardápios vegetarianos para substituir as refeições com carne de porco ou outro alimento que não seja consumido por motivos religiosos.

Segundo uma pesquisa Odoxa-iTélé, 53% dos franceses são contra cardápios alternativos (para quem não come carne de porco) nas escolas do país.

O Front National, da extrema-direita, manteve o cardápio alternativo em boa parte das cerca de uma dúzia de cidades que conquistou nas eleições municipais do ano passado.

[b]Fonte: G1[/b]

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