Depois de quatro anos proibido de entrar em presídios no Rio por suspeita de ligação com o Comando Vermelho, facção criminosa que domina importantes favelas na cidade, o pastor Marcos Pereira da Silva, da igreja evangélica Assembléia de Deus dos Últimos Dias, entrou nesta terça-feira, 29, no Presídio Muniz Sodré, no Complexo de Bangu.
Ele foi gravar uma participação no programa Conexões Urbanas, da ONG Afro Reggae, que estréia em outubro no Multishow. Diante de cerca de mil presos, o pastor pregou a Bíblia, gritou dezenas de vezes “Levanta a mão e dá glória a Deus”, fez “descarregos” e converteu detentos ali mesmo, diante da câmera de TV.
O pastor, que ganhou fama por ajudar a tirar homens do tráfico e a salvar pessoas prestes a serem executadas ou punidas por traficantes, saiu do presídio exausto e emocionado. “Não entendi por que me proibiram de entrar nas prisões. Durante dez anos percorri as carceragens e ajudei a acabar com várias rebeliões. Só fiz o bem”, disse depois de três horas de pregação, ao lado de Márcio da Silva Rosa, subsecretário de Tratamento Penitenciário.
Um dos momentos mais inusitados da celebração foi quando o pastor desceu do palco e começou a caminhar entre os presos. À medida que ele colocava a mão na cabeça dos detentos gritando para que o demônio saísse daquele corpo, os homens caíam como pedras de dominó. Alguns choravam. A catarse coletiva, sob o sol nada ameno do inverno carioca, deixou o subsecretário feliz.
“Eventos como esse garantem mais um mês de tranqüilidade no presídio”, avaliou. Dos 1.320 presos, apenas cerca de 300 não estavam na quadra diante do palco para ouvir o pastor. Apesar de não ter ali nenhum ex-chefe de tráfico, só são levados para o Muniz Sodré os presos que declaram pertencer ao Comando Vermelho.
José Júnior, coordenador do AfroReggae, Ong criada na favela de Vigário Geral há 15 anos, negociou a entrada do pastor no Complexo de Bangu com o governador Sérgio Cabral Filho (PMDB) e o vice-governador Luiz Fernando Pezão. A autorização chegou pelas mãos do secretário de Administração Penitenciaria, Cesar Rubem Monteiro de Carvalho.
“Apesar de o pastor viver um processo contínuo de investigação, ninguém nunca provou nada contra ele”, defendeu Júnior.
Os presos pareciam encantados. Jonatan Belino, da favela do Jacarezinho, condenado a dez anos por assalto a mão armada, defendia o pastor. “A maioria aqui assiste de manhã na TV ao programa do pastor todo dia. A fé que ele passa ajuda a gente a agüentar isso aqui”, disse, de Bíblia na mão. De fato, a maioria sabia cantar todas as músicas apresentadas pelos cantores de gospel que faziam parte da comitiva evangélica.
O subsecretário Silva Rosa garantiu que representantes de outras religiões também serão bem-vindos aos presídios cariocas. O pastor Marcos já se adiantou e marcou visitas nas outras unidades do complexo, inclusive Bangu 8, onde está preso o ex-banqueiro Salvatore Cacciola. “Não faço distinção nem de facção criminosa nem de diploma. Analfabeto ou doutor para mim é a mesma coisa. Quero dar a purificação e mudar a pessoa, tirar do crime”, garantiu.
Fonte: Estadão