Encapuzado, deitado na cama metálica de campanha sem colchão, o estudante sentiu a água fria correndo sobre seu corpo nu, de 20 anos de idade. O pavor se misturou à dor lancinante na língua, no peito e na genitália devastados pelos choques elétricos.

O volume do rádio asfixiou os gritos — os sinos e as salvas de canhão da “Abertura 1812”, escrita por Tchaikovsky para comemorar a retirada de Napoleão de Moscou, embalaram a sessão de tortura.

Três décadas depois, Christian Federico Von Wernich, 69 anos, ex-capelão da Polícia de Buenos Aires (1977 a 1978), vai se sentar no banco dos réus — a partir da próxima quinta-feira, no tribunal federal de La Plata.

Pela primeira vez na história argentina, um sacerdote católico será julgado sob a acusação de violações dos direitos humanos durante a ditadura militar (1976 a 1983): cumplicidade em sete homicídios, mais seqüestro, prisão e tortura de 41 pessoas.

Na acusação, o governo Néstor Kirchner se uniu a organizações não-governamentais e a famílias de desaparecidos. A promotoria listou uma centena de testemunhas — muitas delas sobreviventes como Velasco, agora com 51 anos de idade. A defesa alega inocência: o capelão teria sido apenas um confessor de torturados e torturadores.

Há pelo menos outras duas dezenas de sacerdotes católicos envolvidos em processos semelhantes. Porém, o do padre Von Wernich tem o caráter simbólico de um período ditatorial em que fundamentalistas do nacional-catolicismo dominaram a hierarquia da Igreja Católica na Argentina.

Fonte: O Globo Online

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