A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), autora de ação contra as restrições a cultos na pandemia, voltou a dizer que as atividades religiosas são ‘essenciais’. Em nota, a entidade afirmou que quem tem o direito de definir o fechamento ou não das igrejas são as próprias igrejas, e não os governadores e prefeitos.
A nota vem após a repercussão da decisão do ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), que liberou missas e cultos em todo o país.
“Sustentamos e recomendamos às instituições religiosas, como já fizemos anteriormente, que, naqueles locais onde se observa um quadro de saúde pública mais delicado, suspendam temporariamente a realização de atividades coletivas presenciais até que haja uma melhora no quadro de ocupação das UTIs e seja possível, então, uma retomada gradual. Essa deliberação, contudo, deve vir da liderança da própria igreja, recorrendo sempre ao bom senso e dever de cuidado ao próximo, e não do Poder Público”, afirma a Anajure.
Em manifestação divulgada nesta segunda-feira, 5, a entidade afirma ter acionado o tribunal após receber denúncias de decretos estaduais e municipais que violaram a liberdade religiosa durante a pandemia com restrições ‘desproporcionais’.
“Fomos provocados pela sociedade em situações nas quais transmissões virtuais, sem qualquer aglomeração, foram paralisadas por agentes públicos; em contextos em que Decretos expedidos vedavam totalmente a realização de atividades religiosas; em casos nos quais diversos setores receberam autorização para funcionamento, no período de flexibilização, mas nenhuma previsão foi concedida às atividades religiosas, dentre outros”, diz a associação.
“Frise-se que, para os religiosos, os cultos públicos são atividades fundamentais e irrenunciáveis. Abdicar do ajuntamento presencial tem sido um sacrifício para religiosos de todo o mundo. Ainda assim, por amor à comunidade e em nome da prudência e do bom senso, é o que se tem feito na maior parte das organizações religiosas do Brasil”, registrou a Anajure na época.
A associação também defendeu sua legitimidade para propor a ação ao STF. Em julgamento unânime, finalizado em fevereiro, o plenário do tribunal decidiu pelo arquivamento de um outro pedido da Anajure para derrubar decretos municipais que impuseram toque de recolher, interrompendo atividades religiosas, por considerar que a validade de medidas do Executivo só pode ser contestada por entidades que cumpram uma série de requisitos, como representar determinada categoria profissional.
“Com base em entendimentos recentes no Supremo, tem-se permitido participação mais ampla da sociedade civil na jurisdição constitucional. Em decisões diversas, Ministros têm se posicionado pela necessidade de que o entendimento restritivo, que abre as portas da Corte apenas às entidades dotadas de interesses econômicos e corporativos, seja substituído por uma nova perspectiva que permita o ajuizamento de ações do controle concentrado de constitucionalidade por entidades que tenham como finalidade institucional a proteção de direitos fundamentais”, rebateu a associação.
Leia a íntegra da nota no final desta matéria.
Decisão vai ao plenário do STF
Nesta segunda-feira, 5, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes manteve o veto a cultos religiosos presenciais no estado de São Paulo.
Ele negou ação do PSD (Partido Social Democrático) que argumentava que o decreto baixado pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), proibindo celebrações com presença do público era inconstitucional por ferir a liberdade religiosa, de acordo com informações de Mônica Bergamo, colunista da Folha de S. Paulo.
Gilmar Mendes também enviou o caso ao plenário do STF para que o conjunto dos ministros examine o tema “com urgência”. O presidente da Corte, Luiz Fux, já pautou o debate para a quarta (7).
Segundo apurou a colunista da Folha de S. Paulo, Mônica Bergamo, a tendência do plenário do STF é manter o veto aos cultos.
Em seu despacho, Gilmar Mendes citou inclusive decisões anteriores de ministros da Corte que reconheceram que as restrições de realização de cultos, missas e outras ativideades religiosas coletivas podem ser determinadas por decretos estaduais e municipais por se mostrarem “adequadas, necessárias e proporcionais para o enfrentamento da emergência de saúde pública”.
Nota da ANAJURE
A Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE vem a público esclarecer pontos importantes relativos à repercussão da decisão do Ministro Kássio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), no último dia 03, na ADPF 701. A arguição foi protocolada pela ANAJURE em junho de 2020 e questiona Decretos que suspenderam as atividades religiosas de modo irrestrito. Sobre isso, destacamos os itens a seguir:
1) Legitimidade para propositura de Arguição de Descumprimento Fundamental – O Supremo Tribunal Federal, em interpretação do art. 103, inciso IX, compreendeu em alguns julgados que os requisitos para o ajuizamento de ADPF seriam estes: a) caracterização como entidade de classe ou sindical; b) caráter nacional da representatividade; c) pertinência temática entre as finalidades institucionais e a matéria da Arguição.
Acerca dos itens “b” e “c” não subsistem maiores questionamentos. A ANAJURE possui um Conselho de Representação Estadual que permeia 21 estados, desempenhando ações referentes à proteção dos direitos fundamentais. Em termos de fins institucionais, a Associação tem como missão primordial a defesa das liberdades civis fundamentais – em especial a liberdade religiosa, aspecto central da ADPF 701.
No que se refere à configuração como entidade de classe ou sindical, com base em entendimentos recentes no Supremo, tem-se permitido participação mais ampla da sociedade civil na jurisdição constitucional. Em decisões diversas, Ministros têm se posicionado pela necessidade de que o entendimento restritivo, que abre as portas da Corte apenas às entidades dotadas de interesses econômicos e corporativos, seja substituído por uma nova perspectiva que permita o ajuizamento de ações do controle concentrado de constitucionalidade por entidades que tenham como finalidade institucional a proteção de direitos fundamentais.
Nesse sentido, decidiu o Ministro Marco Aurélio, na ADI n. 5.291, quando se debatia a legitimidade do Instituto de Defesa do Consumidor – IDECON:
Estou convencido, a mais não poder, ser a hora de o Tribunal evoluir na interpretação do artigo 103, inciso IX, da Carta da República, vindo a concretizar o propósito nuclear do constituinte originário – a ampla participação social, no âmbito do Supremo, voltada à defesa e à realização dos direitos fundamentais.
A jurisprudência, até aqui muito restritiva, limitou o acesso da sociedade à jurisdição constitucional e à dinâmica de proteção dos direitos fundamentais da nova ordem constitucional. Em vez da participação democrática e inclusiva de diferentes grupos sociais e setores da sociedade civil, as decisões do Supremo produziram acesso seletivo. As portas estão sempre abertas aos debates sobre interesses federativos, estatais, corporativos e econômicos, mas fechadas às entidades que representam segmentos sociais historicamente empenhados na defesa das liberdades públicas e da cidadania. (Grifo nosso).
De forma semelhante, o Ministro Luís Roberto Barroso reconheceu a legitimidade ativa da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros – ABGLT, na ADPF 527, e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, na ADPF 709, tendo deferido cautelares postuladas em ambas. O Ministro visualiza que a interpretação que restringe o conceito de entidade de classe às categorias econômicas e profissionais frustra a sistemática constitucional, voltada para a proteção dos direitos fundamentais e ao adequado funcionamento do processo democrático:
A limitação do significado de classe a categorias econômicas e profissionais, assim como a exigência do requisito da pertinência temática são produto de interpretação produzida pelo Supremo Tribunal Federal a respeito da matéria, nos primeiros anos de vigência da Constituição de 1988, que, não por acaso, acabou identificada pela doutrina como “jurisprudência defensiva”.
(…)
Por fim, a principal missão do Supremo Tribunal Federal, tal como a missão de toda e qualquer corte constitucional ou suprema corte com competência nesta matéria, é identificada atualmente com a proteção dos direitos fundamentais e do adequado funcionamento do processo democrático. Como se demonstrará adiante, essa competência é frustrada pela interpretação restritiva ora examinada. (Grifo nosso)[1]
Desse modo, considerando os precedentes favoráveis e a própria lógica que permeia a Constituição Federal de 1988, voltada à ampla participação da sociedade civil e proteção dos direitos fundamentais, entendemos pela legitimidade da ANAJURE para a propositura realizada.
2) A decisão não implica em obrigatoriedade de abertura nem abertura irrestrita – A decisão proferida pelo Ministro Kassio Nunes possibilitou a realização de celebrações religiosas presenciais sob a observância dos protocolos sanitários de prevenção, nos termos das orientações dos órgãos de saúde. Dentre outras medidas, o Ministro fez menção à taxa máxima de ocupação de até 25% dos estabelecimentos.
Ademais, é necessário frisar que o reconhecimento, por parte do Estado, da possibilidade de abertura dos templos não implica numa obrigatoriedade de realização de cerimônias religiosas presenciais. Esse aspecto é fundamental na presente discussão pelo fato de que deixa a cargo das igrejas as decisões relativas ao seu funcionamento, afastando ingerência estatal no gozo da liberdade religiosa.
Contudo, ainda que a referida decisão deva ser tomada pelas igrejas, sustentamos e recomendamos às instituições religiosas, como já fizemos anteriormente[2], que, naqueles locais onde se observa um quadro de saúde pública mais delicado, suspendam temporariamente a realização de atividades coletivas presenciais até que haja uma melhora no quadro de ocupação das UTIs e seja possível, então, uma retomada gradual. Essa deliberação, contudo, deve vir da liderança da própria igreja, recorrendo sempre ao bom senso e dever de cuidado ao próximo, e não do Poder Público.
3) Recomendações da OMS aos líderes e comunidades religiosas no contexto da Covid-19 – Em considerações publicadas em sua página, a OMS trouxe algumas diretrizes para a realização de atividades religiosas durante a pandemia do coronavírus, as quais temos reiterado em nossos posicionamentos[3]. A Organização tem recomendado que as referidas instituições desencoragem toques físicos, controlem o fluxo de pessoas, de modo a privilegiar o distanciamento, cuidem frequentemente da limpeza dos prédios utilizados para as cerimônias, e organizem os assentos de modo que as pessoas mantenham entre si, pelo menos, 1 metro de distância.
4) Essencialidade das atividades religiosas – Ainda, vale frisar que a decisão proferida pelo Ministro Nunes Marques está em consonância com o disposto no art. 3º, § 1º, inciso XXXIX, do Decreto n. 10.282/2020, que reconhece as atividades religiosas de qualquer natureza como essenciais, observadas as medidas preventivas orientadas pelo Ministério da Saúde. Na mesma linha, diversos Estados e Capitais de todo o país vêm publicando leis por meio das quais reconhecem a essencialidade das atividades religiosas, fixando normas que sejam necessárias à prevenção da Covid.
5) Violações à liberdade religiosa catalogadas no Observatório ANAJURE – Por fim, importante mencionar que a preocupação manifestada pela ANAJURE na ADPF 701 tem conexão com as denúncias recebidas ao longo do último ano através do Observatório ANAJURE das Liberdades Civis Fundamentais[4]. Em diferentes localidades fomos instados a dialogar com o poder público para tratar de Decretos estaduais e municipais que violaram a liberdade religiosa durante a pandemia. Atualmente, exibimos em nossa página 55 análises de denúncias recebidas, as quais, frequentemente, relacionavam-se a uma restrição desproporcional aplicada às atividades religiosas. Fomos provocados pela sociedade em situações nas quais transmissões virtuais, sem qualquer aglomeração, foram paralisadas por agentes públicos; em contextos em que Decretos expedidos vedavam totalmente a realização de atividades religiosas; em casos nos quais diversos setores receberam autorização para funcionamento, no período de flexibilização, mas nenhuma previsão foi concedida às atividades religiosas, dentre outros.
Brasília, 05 de Abril de 2021
Assessoria de Imprensa
Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE
Fonte: Jornal de Brasília e ANAJURE