Atores interpretam a luta entre Jesus e o diabo no desfile da escola de samba Gaviões da Fiel, em 2019
Atores interpretam a luta entre Jesus e o diabo no desfile da escola de samba Gaviões da Fiel, em 2019

O ator que interpretou o diabo na comissão de frente da Gaviões da Fiel soube pela internet que havia sido morto pela ira divina em um acidente de carro na grande São Paulo.

“Com Deus não se brinca”, alertava a notícia inventada por um site de fake news e por uma montagem vista por um milhão de pessoas no YouTube, que circula livremente nas redes sociais de religiosos.

A escola da torcida do Corinthians vem sofrendo ataques de pastores e parlamentares cristãos que se sentiram ofendidos pela encenação feita no carnaval paulista.

O deputado Marco Feliciano chamou de “grotesca” a representação da figura diabólica na avenida e prometeu se esforçar para que o Carnaval não seja mais financiado por dinheiro público.

A comissão de frente da Gaviões, que terminou seu desfile na manhã de domingo, representou uma batalha de Jesus Cristo com o demônio, a qual o filho de Deus vence no final.

O ator que interpretou o demônio da Gaviões prefere não ter o nome exposto, em uma tentativa de se preservar das ameaças que vem sofrendo pela internet.

Em entrevista ao UOL Esporte, ele se disse indignado em relação ao que classificou como uma interpretação errada de seu trabalho.

“Pegaram trechos do meu trabalho e não contextualizaram”, disse o ator de 32 anos, que é católico e participa do carnaval desde 2011. Ele está há dois anos na escola corintiana e ficou chocado quando viu a notícia sobre sua morte carbonizado em um acidente de carro.

“Várias pessoas me procuraram preocupadas pra saber se havia acontecido alguma coisa. Foi um choque”, afirmou o ator. “A minha indignação é porque estamos em pleno século 21 e nas eleições passadas foi muito discutido o compartilhamento de notícias falsas, mas as pessoas não aprendem a procurar as fontes. Não entendem que no outro lado tem um pai de família, um trabalhador.”

Os técnicos da escola não se furtam de explicar os motivos que os levaram a escolher o tema da comissão de frente. Diante das críticas de religiosos, a torcida organizada reforçou que a maioria de seus membros é formada por pessoas que acreditam em Deus. Antes da apuração, associados da organizada se reuniram no barracão para uma oração e para reforçar seus laços religiosos.

“Fizemos a representação de uma batalha entre o bem e o mal, na qual o bem vence no final”, disse Edgar Junior, o coreógrafo da comissão de frente da Gaviões. “Era uma reflexão pra todo mundo parar e pensar na sua crença. Jesus sempre foi representado no Carnaval. Optamos por ele sofrer e no final acabar com a guerra, abençoar as pessoas que estão na arquibancada, abençoar os anjos do bem e do mal, e inclusive o diabo.”

“A mão de Deus vai pesar sobre essas pessoas”, disse o deputado federal Fernando Rodolfo (PHS-PE) em vídeo que circula nas redes sociais, no qual ele promete propor um projeto de lei que criminaliza a representação de Deus em eventos culturais. “Não podemos aceitar que esses movimentos que blasfemam, que humilham a figura de Jesus Cristo se perpetuem no Brasil.”

A bancada evangélica na Câmara lançou uma nota de repúdio na segunda-feira dizendo que a apresentação da Gaviões é um vilipêndio à fé cristã. “Entendemos que aquela apresentação não é arte, é crime. Nenhum direito é absoluto, logo o direito à manifestação artística não se sobrepõe à inviolabilidade da consciência e da crença”, afirmou o deputado Lincoln Portela (PR-MG).

O ator que interpretou o diabo no desfile acredita que os parlamentares que se sentiram ofendidos com sua apresentação deveriam vê-la por completo e não apenas trechos. Ele se disse “muito preocupado” com a reação dos religiosos. A Gaviões da Fiel ficou na 9ª posição do Grupo Especial, que teve a Mancha Verde como campeã.

Fonte: UOL Esporte

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