Desde a queda de Mubarak, em fevereiro, cinco igrejas foram incendiadas no país, motivados pela maior liberdade de ação dos islâmicos radicais.

Um mural de pastilhas de vidro com a imagem da Virgem Maria e do Menino Jesus não foi restaurado, para lembrar a noite do ataque. O restante da Igreja da Virgem Maria, na favela de Imbeba, periferia do Cairo, foi reformado com 6 milhões de libras egípcias (US$ 1 milhão) em verba do governo, e mais doações de fieis.

Mas aquela noite de maio ainda continua tão viva na mente dos cristãos ortodoxos quanto o seu medo de falar do assunto.

A hostilidade em Imbeba começou quando uma moça da favela, ex-cristã que se convertera ao Islã ao se casar com um muçulmano, decidiu voltar para o cristianismo. A notícia espalhou-se pela favela, causando revolta entre os muçulmanos mais radicais.

Os cristãos pressentiram que algo aconteceria, disse ao Estado um funcionário da igreja, que concordou em falar depois de enorme relutância.

Era meia-noite quando a igreja foi cercada. Um coquetel molotov rompeu uma janela e provocou incêndio no carpete e nos móveis de madeira. A porta da igreja foi arrombada a tiros. Havia dois funcionários dentro.

Os homens invadiram e decapitaram, com uma espada, um dos funcionários, deixando seu corpo queimar. O outro conseguiu fugir, com ajuda de moradores muçulmanos que vieram acudir, gritando: “Que vergonha o que estão fazendo! Eles são nossos vizinhos.” O Exército também chegou e dispersou a multidão.

No primeiro andar da igreja há uma capela de 50 lugares, com a imagem de São Jorge enfrentando o dragão. Em cima fica o salão principal, com capacidade para 400 fieis, e uma imagem da Virgem Maria no altar, outra de Jesus. Os dois andares foram destruídos pelo fogo.

Ataques a igrejas não são novidade no Egito, cujos cristãos representam 10% da população de 80 milhões. Mas, depois da queda do ditador Hosni Mubarak, eles se intensificaram – desde fevereiro, cinco igrejas foram queimadas -, motivados pela maior liberdade de ação dos islâmicos radicais, antes clandestinos e agora até com um partido político, Al-Nur, que teve bom desempenho nas eleições parlamentares da semana passada; e possivelmente também de grupos no interior das Forças Armadas, interessados em causar instabilidade para justificar o poder dos militares.

Um protesto pacífico de cristãos em frente à TV estatal em outubro acabou em confronto com o Exército, deixando 24 mortos e 272 feridos.

Os cristãos, como indivíduos, não são perseguidos nem vivem segregados no Egito. Um dos maiores empresários egípcios, Nagib Sawiris, é cristão e preside o recém-criado Partido Egípcios Livres, de tendência secular – chamado pelos islâmicos radicais de “bloco dos cruzados”.

“Sawiris é benquisto pelos muçulmanos, uma vez que suas empresas empregam mais de 100 mil pessoas”, observa o pastor presbiteriano Fawzi Wahebi, da Igreja Evangélica Kasr el-Dobara, na Praça Tahrir, que manteve um hospital de campanha para socorrer manifestantes.

Tanto o pastor Fawzi quanto o padre católico Raphael Kozman, da Igreja Sagrado Coração de Jesus, do bairro de classe média alta de Heliópolis, acreditam que os ataques às igrejas sejam executados por muçulmanos radicais com a complacência ou o incentivo de grupos interessados na desestabilização do Egito.

Nader Bakkar, dirigente do Al-Nur, negou ao Estado que os salafistas estejam por trás dos ataques às igrejas. “É uma questão de lei”, explicou Bakkar. “Se fôssemos um país que aplica as leis sobre todos – muçulmanos, coptas, padres e xeques -, tudo correria bem. Mas fazemos tudo com jeitinho.”

[b]Conversão proibida
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A lei egípcia – como a de muitos países islâmicos – proíbe a conversão de muçulmanos para outras religiões, ao mesmo tempo em que aceita o ostensivo esforço das mesquitas em obter novos adeptos. “Para se tornar muçulmano, são necessários só três segundos”, ironiza o pastor Fawzi. Basta que uma pessoa pronuncie a frase “Não há outro Deus a não ser Alá e Maomé é seu mensageiro” para se considerar muçulmano.

O pastor conta que sua igreja tem sido cenário de várias conversões – mantidas sob sigilo – de muçulmanos que se sentiram atraídos ao cristianismo por diferentes razões, incluindo por terem sonhado com Jesus.

Nesse ponto, o padre Raphael discorda. A Igreja Católica no Egito proíbe conversões. “Os ataques aos cristãos têm sido causados em parte por essas conversões”, analisa o padre jesuíta, que estudou com Alaa Mubarak, filho do ditador, na escola católica Saint George, para onde a elite manda seus filhos.

O foco das hostilidades dos muçulmanos está nos ortodoxos, que representam 90% dos cristãos – chamados de coptas, o antigo nome de todos os egípcios, antes da conquista árabe, há 13 séculos.

Da palavra “copta” deriva o nome “Egito”, apesar da distância de pronúncia nas línguas modernas. Foi o apóstolo Marcos quem trouxe o cristianismo ao Egito, que conviveu com as mitologias faraônicas e gregas até a conquista islâmica.

Ao tentar falar com um padre ortodoxo na Igreja de Abbassia, o Estado teve uma medida das tensões que os envolvem no Egito. “Só posso falar com você com autorização do Ministério do Interior”, disse o padre. O repórter observou que entrevistara dezenas de pessoas no Egito, e o religioso era o primeiro a mencionar a autorização. “É porque o senhor é cristão”, provocou o repórter. “Preciso seguir as normas”, resignou-se.

[b]Fonte: Estadão[/b]

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