Lula com as mãos postas e olhos fechados (Foto: Reprodução)
Lula com as mãos postas e olhos fechados (Foto: Reprodução)

A Frente Parlamentar Evangélica, conhecida como Bancada Evangélica, está em campanha contra uma lista de normas afirmativas editadas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre elas a que instituiu o programa de equidade de gênero e raça no SUS e a que criou grupo para o enfrentamento da discriminação contra religiões de matriz africana.

Os deputados que estão a frente da bancada evangélica dizem que o governo está usurpando a função do Congresso para legislar sobre esses temas, incluindo a “ideologia de gênero” cunhada por grupos religiosos de direita para atacar ações em defesa da comunidade LGBTQIA+.

Uma das normas criticadas pela bancada está na portaria 230/2023 do Ministério da Saúde, que instituiu o Programa Nacional de Equidade de Gênero, Raça e Valorização das Trabalhadoras no SUS (Sistema Único de Saúde).

A portaria, que foi lançada na véspera do Dia Internacional da Mulher (8 de março), estabelece, entre outras diretrizes, “promover a equidade de gênero e raça no Sistema Único de Saúde buscando modificar as estruturas machista e racista que operam na divisão do trabalho na saúde”.

A portaria foi criticada pelos poíticos evangélicos principalmente por conter, em seu anexo, diretrizes como o “enfrentamento do machismo cultural, das formas de misoginia, sexismo discriminação étnico-racial, religiosa, geracional, orientação sexual e identidade de gênero ou quaisquer outras formas de preconceito”; e a “inclusão da temática da orientação sexual e identidade de gênero nos processos de educação permanente desenvolvidos pelo SUS”.

“Esse [a portaria], para mim, é o mais grave, porque ele deixa em aberto, o que nunca existiu numa portaria, a questão de ideologia de gênero. Ela botou todo o arcabouço da ideologia de gênero nos anexos, e aí eu acho que isso é gravíssimo”, afirma o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).

“Abre um precedente e tem financiamento público na formação de médicos, de enfermeiros, fisioterapeutas, toda área da saúde com dinheiro do SUS para esse tipo de política pública”, completa.

Sóstenes presidiu a frente evangélica em 2022 e atualmente é o segundo vice-presidente da Câmara.

Ele disse ainda que, na reunião, o líder do governo se mostrou surpreso com a extinção da Senapred (Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas).

Guimarães teria afirmado na ocasião desconhecer esse ato, acrescentando destinar emendas parlamentares para comunidades terapêuticas conveniadas à Senapred, cujo acolhimento geralmente é baseado no isolamento, abstinência e religiosidade.

Após pressão de setores evangélicos, o governo Lula criou o Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas, embora o governo diga que o modelo está sob revisão.

Religiões de matriz africana

Outro ponto que a bancada evangélica é contra é a criação, por decreto, de um grupo interministerial para elaborar políticas de enfrentamento à discriminação contra religiões de matriz africana.

“Nós respeitamos todas as religiões e queremos que todas as religiões sejam respeitadas. Porém nós não podemos fazer uma ação de uma religião em detrimento da outra. Acho que todas, de igual modo, têm a mesma liberdade, até para fazer preleções a favor ou em detrimento uma da outra”, afirma o atual presidente da frente, o deputado Eli Borges (PL-TO).

Além da portaria e do decreto, o documento entregue pela bancada ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e ao líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE), contém outras 11 normas baixadas pelo governo em março, com o título “decretos com gênero”.

Entre eles, estão: 1) o que instituiu o grupo de trabalho para a elaboração do Programa Nacional de Ações Afirmativas; 2) o que cria uma cota para negros no preenchimento de cargos em comissão na máquina federal; 3) o que institui o Programa Mulher Viver sem Violência; 4) e o que estabelece procedimentos para acesso à Terra Indígena Yanomami —que contém a proibição “do exercício de quaisquer atividades religiosas junto aos povos indígenas”.

Eli Borges afirma haver pontos positivos e negativos em todas essas medidas, mas que elas deveriam ser tratadas pelo Congresso, não por normas editadas pelo governo sem participação do Legislativo.

“Quando se olha a lista de decretos do presidente Lula e de portarias que vêm de ministérios, nós percebemos que ele está em um esforço hercúleo para governar através de decretos e portarias, sem respeitar o Poder Legislativo. Parte desses decretos tem a política que nós discordamos dela. A política afirmativa, que tem que nascer do Parlamento”, diz o deputado.

A bancada evangélica reúne mais de 100 dos 513 deputados da Câmara e, historicamente, tem se colocado como adversária dos partidos do campo da esquerda.

O que dizem os ministérios

O Ministério da Saúde afirmou considerar fundamental o debate entre os Poderes, mantendo constante diálogo com o Congresso.

“Sobre o Programa Nacional de Equidade de Gênero, Raça e Valorização das Trabalhadoras do Sistema Único de Saúde (SUS), a iniciativa trata do enfrentamento às desigualdades de gênero e raça, discriminação e preconceito de qualquer tipo de violências a trabalhadoras e trabalhadores de saúde”, disse a pasta, acrescentando que as mulheres representam 74% da força de trabalho no SUS.

“As ações previstas pelo programa vão ampliar as condições necessárias à prática da equidade.”

O ministério deu uma resposta inicial que, posteriormente, afirmou ter sido enviada de forma equivocada. O texto foi atualizado.

O Ministério da Igualdade Racial afirma que é preciso “apresentar uma solução para os crescentes casos de invasões a terreiros de candomblé, umbanda e outras religiões de matriz africana”.

De acordo com dados enviados pela pasta, de 2015 a 2018 foram registrados 3.288 casos de racismo religioso, “sem contar que os homicídios (seis, em 2016 no Pará) e a expulsão de lideranças religiosas dos territórios de favelas e bairros periféricos não têm sido contabilizados”.

“O decreto faz-se necessário nesse momento. Não impedindo então, de qualquer forma, que a matéria seja foco de discussão no Congresso Nacional a partir da sociedade. Inclusive, acreditamos que no futuro o Estado brasileiro possa aprovar um projeto de lei que promova mecanismos de combate ao racismo religioso e promoção da liberdade de crenças e religiões no Brasil.”

Fonte: Folha de S. Paulo

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