Poder, posse e prazer. Três das principais preocupações da sociedade atual estarão em discussão a partir desta quarta-feira em Itaici, município de Indaiatuba, na 47ª Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Os mais de 300 bispos do país não estarão, porém, refletindo sobre as aflições dos fiéis católicos. Estes temas fazem parte do debate sobre a situação e o futuro dos padres, cujos principais votos exigidos pela Igreja Católica são obediência, pobreza e celibato.

Os temas entram na pauta com a revisão do documento 55, que trata das Diretrizes Básicas da Formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil, em vigor desde 1995. O novo texto será discutido, estudado e terá de ser aprovado pela Assembleia e, em seguida, encaminhado à Congregação para a Educação Católica, em Roma, para aprovação. Em fevereiro de 2008, o Encontro Nacional dos Presbíteros, que reuniu cerca de 450 padres do país, aprovou um documento no qual pedia mais transparência na escolha dos bispos, opção ao celibato e apoio à beatificação de Dom Helder Câmara, fundador da CNBB e símbolo da resistência no período da ditadura militar. Nenhum dos pedidos vingou.

“Considerando o teor das propostas, a Presidência da CNBB, ouvido o Conselho Permanente, deliberou, entre outras coisas, que o subsídio fosse publicado sem as referidas propostas, o que faremos em breve”, desculpou-se em correspondência aos padres, em abril do mesmo ano, o padre Francisco dos Santos, presidente da Comissão Nacional dos Presbíteros, ligada à CNBB.

A insatisfação dos padres, porém, não será desprezada. A Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados, a que cuida da formação e da obediência dos padres, preparou um documento para discussão na 47ª Assembléia no qual um dos itens principais é a formação humano-afetiva do clero. Uma das propostas é oferecer aos padres serviço psicológico para que mantenham o celibato.

A obediência aos bispos é ainda mais questionada depois que o presidente do Paraguai e ex-bispo da Igreja Católica, Fernando Lugo, reconheceu a paternidade de um menino de 2 anos e, poucos dias depois, surgiu outra mulher afirmando que ele é pai também de um garoto de 6 anos . Os dois foram concebidos durante período em que o celibato deveria ter sido observado. A Igreja Católica pediu perdão aos fiéis.

– A reunião em Itaici é de bispos, não de padres. A discussão é sempre difícil e polêmica porque os bispos têm uma posição firme, dentro de uma visão que vem de Roma. É uma visão universal, não da situação do clero local – resume o padre Daniel Aloiso Hemkemeier, da diocese de Guaíra, no Paraná, vice-presidente da Associação Nacional dos Presbíteros do Brasil.

A incômoda situação ocorre justamente num momento em que a Igreja Católica admite que é preciso modernizar a atuação dos padres, para que eles possam dialogar no mesmo nível com os vários segmentos da sociedade. É uma forma de fazer frente ao crescimento de outras religiões e à postura dos próprios católicos, cada vez mais preocupados consigo mesmo. Não se trata, no entanto, de transitar nas paróquias entre fiéis, mas de se inserir em outros ambientes para levar a mensagem da Igreja em linguagem acessível.

– O desejo da Igreja é que o padre seja um homem de hoje e dialogue com a cultura de hoje – diz o bispo Dom Antonio Muniz Fernandes, presidente da regional da CNBB para os estados de Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco.

Perfil dos padres mudou

A vida de padre mudou. Os candidatos chegam hoje mais velhos aos seminários, com média de idade de 22 anos, nove a mais do que na década de 60. São mais amadurecidos tanto do ponto de vista emocional quanto profissional, pois já tiveram experiências – inclusive sexual – antes de emergir no estudo da teologia. Optam pelo sacerdócio movidos pela vocação, pela fé. Esse é o retrato da nova geração de padres católicos no Brasil, que começou a engrossar os bancos dos seminários a partir dos anos 90.

É uma turma muito diferente daquela que nos anos 70 se interessou pela Teologia da Libertação e virou padre exclusivamente por motivação política. Ou dos noviços que se isolavam nos seminários por incentivo dos pais, para ter uma boa formação intelectual ou, simplesmente, como alternativa de carreira.

– Vamos focar os debates na formação dos padres. Esse assunto (a opção ao celibato) não será o tema central da discussão. – desconversa o bispo da prelazia de São Félix (MT), dom Leonardo Ulrich Steiner, integrante da Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados.

Na avaliação de Dom Steiner, os padres precisam se aproximar das situações cotidianas e aprender a falar de Deus a diversos públicos.

– Não podem ficar distanciados das comunidades, da problemática social, das dificuldades que cada um vive – explica o bispo

A questão, segundo Dom Sérgio da Rocha, arcebispo de Teresina, no Piauí, outro integrante da Comissão Episcopal para os Ministérios Ordenados, é, além de modernizar a formação, desenvolver um programa de reciclagem dos padres, para que eles se sintam mais à vontade. Embora tenham formação acadêmica – filosofia e teologia – muito acima da média, eles correm risco de se isolar em posturas individualistas ou autoritárias.

– O desafio é conciliar a vida no seminário com a presença em outros ambientes e o peso que se dá a isso no processo – diz o bispo, que defende o período de reclusão em seminário para que o padre alcance, com a formação acadêmica, sua identidade.

E acrescenta:

– O celibato não pode ser considerado uma incapacidade de amar. Ele é uma capacidade de amar e tem de ter motivação espiritual – explica.

Em julho, nos dias 6 e 7, uma nova reunião de padres, organizada pela Associação Nacional dos Presbíteros do Brasil, voltará a discutir a situação do clero. Na pauta estão questões bem mais concretas do que a fé e o amor a Deus. Eles querem debater acesso a planos de saúde e de aposentadoria. Querem ainda o que se pode chamar de “piso salarial nacional”. Os padres hoje recebem a côngrua para ter uma vida digna. Nas grandes cidades, o valor alcança três salários mínimos, mas no resto do país não. Para garantir a velhice, os padres pagam INSS, como qualquer pobre mortal.

Depois que se aposentam, vários padres têm de recorrer ao apoio da família para sobreviver, já que cada diocese se responsabiliza pelo apoio aos religiosos idosos, sem que haja uma política única da Igreja Católica para tratar dos temas.

Em alguns casos, não há mais lugar para eles na paróquia depois que acaba a vida útil de seus sermões.

– Um dos pontos da ordenação dos padres é prometer obediência ao bispo. Mas ninguém é padre por acaso. Ele é preparado, formado para isso. Quem não se encaixa cai fora – resigna-se o padre Hemkemeier.

CNBB quer modernizar as atividades pastorais

Embora a formação humana e afetiva dos padres encabece a pauta de discussões, os bispos têm maior interesse em discutir a modernização das atividades pastorais. Na prática, o objetivo é fazer com que os padres se aproximem mais dos fiéis para estancar a sangria provocada pelas igrejas evangélicas.

– Os tempos mudaram. Hoje o homem interroga tudo e o sacerdote precisa estar disposto a dar respostas para essas questões. Ele precisa, depois de ordenado, perceber onde está a presença de Deus nessa nova realidade – diz o bispo Ulrich.

Os bispos também querem incentivar a formação de padres em comunidades indígenas e de afro-descendentes para atrair esses públicos.

– Fazer isso é difícil e infelizmente, para a Igreja Católica, não existe uma receita pronta – diz Afonso Soares, presidente da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (Soter) e professor de teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Para Soares, o grande trabalho da igreja é recuperar a identidade dos presbíteros, que mudou muito ao longo dos anos. O celibato, por exemplo, terá que ser discutido em algum momento, mesmo com a resistência dos bispos. Ele lembra que os padres podiam se casar até os séculos XII e XIII. Só por volta de 1246 houve a inclusão do celibato no rito romano. No rito oriental, os padres ainda podem se casar.

– Na Itália, centro do catolicismo, um bispo da cidade de Bozzano chegou a propor que cada diocese resolva como quiser a questão do celibato. Isso dá uma idéia de como o assunto é polêmico. Outro tema que a igreja cedo ou tarde terá que enfrentar é o ministério para as mulheres, já que há menos padres ou homens com formação religiosa para atender os católicos – explica o professor da PUC/SP.

O pedido de beatificação de Dom Helder Câmara não seguiu ainda para Roma, mas ele é o homenageado da 47ª Conferência.

Fonte: O Globo online

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