Presidente Jair Bolsonaro segurando uma Bíblia
Presidente Jair Bolsonaro segurando uma Bíblia


Lucas Tomazelli
Yahoo Notícias

Direitos Humanos, Justiça e Educação. Esses três ministérios são ocupados por pastores na gestão de Jair Bolsonaro (sem partido). O presidente, que se elegeu com o slogan “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, tem respeitado o Estado Laico? A atuação de seus ministros e de parte de sua base aliada tem se baseado no interesse público? Há, no mundo, alguma democracia considerada sólida com tantos cargos ocupados por líderes de atuação notadamente religiosa?

Para Amanda Mendonça, doutora em Ciência Política e coordenadora do Observatório da Laicidade na Educação (OLE) da Universidade Federal Fluminense, o Brasil se afasta de exemplos democráticos durante a gestão Bolsonaro.

“É difícil fazer um paralelo do Brasil com outros Estados, a não ser uma teocracia. Há aqui [na gestão Bolsonaro] um ataque direto e cotidiano à democracia de diversas formas. Uma delas é a corrosão do Estado laico”, afirma Amanda em entrevista ao Yahoo!.

Ela ressalta que a “laicidade é um dos pilares que sustenta a democracia” e que, embora o país tenha um histórico frágil nesse quesito, vive-se um momento de “recuo enorme”.

Bolsonaro foi alvo de críticas por nomear Milton Ribeiro, um pastor presbiteriano, para ser o quarto ministro da Educação de sua gestão. Na visão de Amanda, os ataques do Executivo à laicidade vão além de nomeações de ministros.

“Em nenhum momento o presidente defende o Estado laico. Ele não acredita na laicidade do Estado e no Estado Democrático de Direito. Sua posse [Bolsonaro fez uma oração com aliados após confirmar a vitória nas eleições de 2018] e seu slogan mostram isso. Sua conduta pública atua para derrotar a democracia e, por isso, ele é um dos grandes algozes do Estado laico”, analisa.

Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, afirmou no início de sua gestão que “o Estado é laico”, mas ela é “terrivelmente cristã”.Damares é contestada pela oposição e por membros de movimentos sociais que veem em sua atuação ataques às minorias.

André Mendonça, ministro da Justiça, é outro que colabora para a retórica abertamente religiosa no governo federal. Em sua posse, ele afirmou que cumpriria uma “missão” na pasta e chamou Bolsonaro de “profeta”.

Na visão da coordenadora do OLE, é preciso deixar claro que não há problema no agente público possuir uma crença, mas é essencial que sua atuação seja isenta.

“Problema não está na fé que se professa em âmbito privado. Está no momento da atuação, de defender uma agenda ligada à religião no espaço que é público (…) A fé acompanha as pessoas ao longo da vida, mas é preciso ter a compreensão de que a atuação de um político não será guiada por ela”, pondera.

Menina estuprada no ES

O caso da menina de 10 anos estuprada pelo tio no Espírito Santo que, após autorização da Justiça, conseguiu interromper a gestação reacendeu a discussão da importância do Estado laico no país. A extremista Sara Giromini, que já integrou o ministério da Damares Alves, expôs dados da criança e incentivou um protesto de grupos religiosos no hospital onde aconteceu o procedimento.

A interrupção da gravidez gerou repercussão negativa entre alguns líderes religiosos, mas também em parlamentares. Silas Câmara (Republicanos-AM), presidente da Frente Parlamentar Evangélica na Câmara dos Deputados, criticou a decisão judicial que autorizou o procedimento realizado em um hospital no Recife.

Para Amanda, a repercussão sobre o caso da menina capixaba é um bom exemplo de que há um desrespeito à laicidade. Ela ressalta que as chamadas “bancadas” evangélica e católica já existiam antes de Bolsonaro, mas que o governo atual estimula ações nocivas ao Estado secular.

“Um líder político tem o direito de ser contra [o aborto], mas no momento em que estamos falando de uma agenda que é pública, aí não pode. Deputados, senadores e bancadas são responsáveis por garantir o cumprimento de nossa legislação”, alerta Amanda.

TSE rejeita punição por abuso de poder religioso

Na última terça-feira (18), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu, por 6 votos a 1, rejeitar a proposta de punição pelo chamado abuso de poder religioso, o que responsabilizaria candidatos pelo uso irregular da religião para obter votos.

A coordenadora do OLE lamenta a decisão da Corte, mas diz que o resultado do julgamento é adequado ao cenário estabelecido no país.

“É absurdo, mas é coerente com a conjuntura de ataques à democracia e mais uma forma de ferir a laicidade do Estado. Havia a expectativa de que [a influência religiosa em pleitos eleitorais] pudesse ser freada, mas o TSE agora referenda isso”.

Para que haja um avanço na defesa da laicidade, Amanda acredita que primeiro é preciso uma mudança de cultura, deixando claro, entre outras coisas, o que o termo significa.

“Aqui associamos [a laicidade] a um estado que é ateu e que nega o direito à religiosidade. É preciso que seja claro que Estado Laico não é isso, é algo que garante a democracia e a coexistência de religiões”, explica.

Outro fator que ajudaria, na visão de Amanda, é que campos progressistas defendessem de forma mais contundente o Estado secular.

“Há um receio na hora de realizar essa defesa mais aberta porque se teme uma perda de eleitorado e porque é preciso negociar com bancadas religiosas. Isso [falta de discussão aberta sobre o tema] contribuiu muito para o crescimento desses grupos”, atesta.

Fonte: Yahoo Notícias

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