Consideradas inconstitucionais por comissão, duas propostas serão arquivadas, exceto se houver recurso assinado por 52 deputados. Pelos projetos, deixaria de ser crime aborto feito em gestações de até 90 dias; hospitais públicos teriam de realizar o procedimento.

Dois projetos que descriminalizam o aborto foram rejeitados ontem pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados, que os considerou inconstitucionais.

Pelas propostas, deixaria de ser crime o aborto feito em gestações de até 90 dias e os hospitais públicos ficariam obrigados a realizar o procedimento.

Agora, os projetos serão arquivados, a não ser que um recurso assinado por um décimo dos deputados (52) peça o encaminhamento das propostas ao plenário -o deputado José Genoino (PT-SP) deve encabeçar uma coleta de assinaturas.

Em meio a um debate acalorado, apenas quatro dos deputados presentes votaram favoráveis aos projetos: Regis de Oliveira (PSC-SP), José Eduardo Cardozo (PT-SP), Eduardo Valverde (PT-RO) e Genoino. Os demais seguiram o voto do relator, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pela inconstitucionalidade dos projetos.

“Não se pode admitir normas que transgridam o direito à vida para salvaguardar bens jurídicos de equivalência inferior, como, por exemplo, a liberdade e a autonomia da mulher”, diz o voto do relator. Dos 61 deputados da CCJ, cerca de 40 estavam na sessão de ontem, mas a presença não foi registrada.

Durante quase três horas, os projetos 1.135, de 1991, e 176, de 1995, foram objeto de discursos pró e contra que misturaram direito e convicções religiosas.

O momento mais polêmico foi quando o deputado evangélico Carlos Willian (PTC-MG) tirou de uma caixa duas bonecas e um caixão de criança e gritou para a platéia: “Vocês querem matar essas crianças?”.

Antes da cena, Willian comparou o abortamento com recentes crimes ocorridos contra crianças no país -Isabella Nardoni, jogada da janela, e João Roberto Amorim, baleado no domingo no Rio, em crime atribuído a policiais militares.

Os dois projetos tratam da descriminalização do aborto e tramitam juntos. O 1.135, de autoria dos ex-deputados Eduardo Jorge e Sandra Starling, retira apenas o artigo 124 do código, que trata da criminalização da mulher que pratica o aborto ou deixa que nela o pratiquem.

A proposta não mexe nos outros artigos, que dizem que pratica crime quem faz o aborto. Esses artigos, no entanto, são informalmente suprimidos pelo outro projeto, de autoria do deputado José Genoino (PT-SP). Por essa proposta, o aborto é legal quando feito na gestação de até 90 dias.

“Aquele que teme a Deus e ama ao próximo não tem que se limitar a um debate jurídico.” A frase, do deputado Jorginho Maluly (DEM-SP), foi uma das que deram o tom religioso.

“A Constituição é nossa crença, ela é objetiva”, disse o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), ao defender a constitucionalidade dos projetos.

O debate foi encerrado sob protesto de 14 mulheres, favoráveis aos projetos, que amarraram lenços roxos na boca.

A maior parte das pessoas presentes, no entanto, era contrária às proposições. Havia quem rezasse o terço e distribuísse revistas católicas.

Além desses dois projetos, há pelo menos outros 15 sobre o tema em tramitação no Congresso Nacional.

Fonte: Folha de São Paulo

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