No pensamento de Sigmund Freud, fundador da psicanálise, a angústia é vista como uma emoção complexa e crucial em sua teoria. Entendida como resposta emocional e fisiológica a perigo ou ameaça, real ou imaginária, a angústia está associada à ansiedade, funcionando como mecanismo de alerta que prepara o sujeito para enfrentar o perigo.
Freud aborda a angústia em diversos trabalhos e aprofunda sua compreensão ao longo de sua trajetória. Ele distingue a angústia em categorias principais:
Angústia neurótica: Associada à repressão e conflitos internos entre id, ego e superego. Originária da tensão acumulada devido à repressão de desejos e impulsos inconscientes, principalmente sexuais. A angústia neurótica é resultado da incapacidade do ego de lidar com os impulsos conflitantes do id e as exigências do superego.
Angústia realística: Resposta emocional a uma ameaça ou perigo real e externo. Relacionada à autopreservação e desencadeada por situações que colocam a vida ou integridade física do indivíduo em risco.
Angústia moral: Surge de conflitos entre ego e superego. Ocorre quando o sujeito vivencia sentimentos de culpa ou vergonha devido à violação de normas sociais e morais. Resulta do conflito entre os desejos do ego e as demandas do superego.
Freud também diferencia angústia automática (ou traumática) e angústia sinal:
Angústia automática: Resposta direta a situação traumática, geralmente envolvendo ameaça iminente à vida ou integridade física. Ocorre quando o ego é incapaz de lidar com o perigo real e se sente sobrecarregado.
Angústia sinal: Resposta antecipatória a um perigo percebido, atuando como mecanismo de defesa. Em vez de resposta direta a um perigo real, a angústia sinal é uma forma do ego se preparar e adotar medidas preventivas contra um perigo potencial.
Jacques Lacan, psicanalista francês que reinterpretou a teoria freudiana, considera a angústia como um afeto. Distinguindo entre emoções e afetos, Lacan entende afetos como mais próximos da experiência subjetiva e desejo inconsciente.
A angústia, especificamente, é central na teoria lacaniana, compreendida como afeto que sinaliza falta ou vazio no sujeito. Lacan sustenta que a angústia emerge quando o sujeito enfrenta a falta no Outro (campo simbólico e social que estrutura a realidade) e, consequentemente, a falta em si mesmo. Assim, a angústia é resposta ao encontro com o desejo do Outro e com o objeto a, objeto de desejo faltante no Outro.
Diante do exposto, podemos resumir dizendo que para Lacan, a angústia é um afeto, não uma emoção, intimamente relacionado à experiência subjetiva do sujeito e sua relação com o desejo inconsciente e o Outro.
Ambas as teorias, de Freud e Lacan, enfocam a angústia como um fenômeno central na psicanálise. No entanto, eles diferem em suas abordagens e compreensão. Enquanto Freud considera a angústia como uma emoção complexa resultante de conflitos internos, eventos passados reprimidos e ameaças externas, Lacan vê a angústia como um afeto intimamente ligado à experiência subjetiva do sujeito, seu desejo inconsciente e sua relação com o Outro.
No contexto do tratamento psicanalítico, tanto a teoria freudiana quanto a lacaniana buscam ajudar o sujeito a lidar com a angústia e encontrar formas de dar sentido à sua existência. Ambas as abordagens reconhecem a importância de enfrentar e trabalhar com a angústia como parte do processo terapêutico. Embora as teorias de Freud e Lacan sejam diferentes em suas compreensões da angústia, ambas oferecem insights valiosos para a prática clínica e a compreensão da subjetividade humana.
Referências
FREUD, Sigmund. Obras completas de Sigmund Freud: volume 10 – Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 344 p.
FREUD, Sigmund. Obras completas de Sigmund Freud: volume 12 – O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias à psicanálise e outros trabalhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 464 p.
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LACAN, Jacques. O Seminário: livro 10 – a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 288 p.
LACAN, Jacques. O Seminário: livro 11 – os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. 256 p.
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