Se um homem peca pelo simples pensamento e olhar com desejo, por que vale a pena não fazer o que se quer, se já é pecado antes de se fazer? — é a pergunta que, com muitos contornos diferentes, de vez em quando alguém me envia.
Ora, respondo eu: Pela mesma razão factual que mesmo que alguém não tenha tido vitória sobre o ódio homicida, ainda é menos ruim para o próximo ser objeto de homicídio na subjetividade do ódio do outro, do que efetivamente ser fisicamente assassinado.
Entretanto, o que Jesus disse, antes de ser algo a figurar num e ou ou de qualquer possível busca de alternativa entre pecar e pecar, tinha e tem a ver com Deus; pois, de fato, qualquer um que sabia que diante dos homens as subjetividades humanas não são julgadas, mas tão somente as coisas que se tornam objetivas e factuais, no entanto, sabe que diante de Deus o que é, de fato já é.
O problema é que os fariseus, e outros do mesmo espírito deles, tratavam Deus como se Ele fosse a média do olhar social, e, assim, buscavam se mostrar excessivamente justos diante dos homens, enquanto, por dentro, iam tornando-se cada vez mais afundados numa subjetividade imunda e perversa.
Assim, alguém que olha com desejo para outra pessoa, não adultera diante da Lei, nem dos juízos da objetividade, porém, diante de Deus, para Quem o que existe como desejo consumado no coração é existencialmente um fato subjetivo; e, por isso, manter o olhar alimentando tal desejo é adultério; posto que o ser daquele homem existe para Deus naquele espírito, o qual nele encontrou agasalho e total hospitalidade.
Além disso, esse fato subjetivo que não pode ser punido por Lei humana alguma e nem posto em prática por nenhum juiz humano [por estar para além do poder de aferimento de qualquer juiz humano], no entanto, quando sentido por alguém implicado no processo, por exemplo, a esposa ou esposo que tem no cônjuge alguém que alimenta na mente tais desejos e cobiças, independentemente de qualquer Lei, julga a outra pessoa como a estando traindo, posto que é no nível do vínculo que alguém se propôs fiel, que a subjetividade existe como Lei real e da verdade para todos.
Ora, então alguém diz:
“Mas e se eu conto o que desejo e cobiço ao meu cônjuge e ele [ou ela] não faz objeção; ao contrário, até gosta, por que devo ser eu ainda condenado (a) como se cometesse adultério na prática?” E ainda: “… e isto considerando que a pessoa desejada não é comprometida com ninguém?”
Os que assim perguntam não sabem algumas coisas, ou, pelo menos, desejam fugir de saber o que sabem.
Sim! Pois aquele cônjuge que diz que sabe e nada sente, está mentindo; posto que terá seu amor arrefecido; e, mesmo que fique e ache graça, logo o fará por já não amar; e por ter dado ao seu coração da poção do cinismo; continuará ali mais um tempo, até que a falta de amor e consideração se transformem em desprezo; e, a seguir, em ódio; vindo, por fim, a insuportabilidade do convívio.
Isto sem falar que nosso ser só é — se está casado com Deus na verdade.
Portanto, não importando qual seja o contorno de tal situação, ao final qualquer pessoa que assim decida viver aprenderá na prática que não existe pacificação interior para quem assim busca caminhar. Sim! Pois não existe paz para tal caminhar!
Nele,
Caio