Convertendo pastor em gente

Eu era apenas um menino amante de Jesus. Pregava em toda parte. Não queria ser pastor e nem ordenado. Desejava apenas pregar, e pregava. Pregava na televisão, na rádio, nas esquinas, nas escolas, nas praças, nos teatros, nos estádios, e de casa em casa. Eu tinha apenas 18 anos e meio.

Aos 21 me ordenaram, sem que eu aceitasse as imposições da denominação para ordenar ministros. Então, logo começaram a me chamar de “Reverendo”. Aquele garoto livre, agora, de súbito, da noite para o dia, era o “Reverendo Caio”.

Aí o tratamento passa a mudar. O melhor lugar na casa, na mesa, na sala, no salão, no aniversário, no funeral, nas festas de casamento, nas bodas, etc…

No entanto, é também nessa “mesma leva de honras”, que a pessoa começa a sentir que quando ela chega, as energias mudam.

As pessoas começam a ver o “sacerdote”, o homem diferente dos homens, o santo, o ungido do Senhor, o anjo da igreja, etc…; e também percebe que as pessoas mudam com você; e não percebe, que depois de um tempo, muito suave e lentamente, você também aceita a mudança que fizeram acerca de você.

Ora, é aí que nasce o “espírito de pastor”!

Então, começa a transformação do ser humano numa figura totêmica. Ele é santo pelos outros; é puro pelos demais; é quem não se diverte pelos que se divertem; é quem não fica doente, pra poder curar; é quem “estuda Deus” e “entende de Deus”, a fim de poder explicar; e é quem é exemplo para fazer clones comunitários.

Se ele não casa os que se casam, eles se ressentem e magoam. Se ele está viajando quando alguém morre, ele abandonou o moribundo. Se ele está de férias, a igreja esvazia. Se ele é amoroso, torna-se o pai de todos. Ou seja: sem ele, nada do que foi feito de fez ou se faz!

Vivendo sob tais responsabilidades e honras, o indivíduo vai virando pajé e não sente. Ou, em muitas ocasiões, passa a gostar mesmo de ser essa figura totêmica para a “igreja”.

Ora, é nesta necessidade que o povo tem de ter “sacerdotes” e “figuras totêmicas”, que tanto os bem intencionados se corrompem existencialmente pela via da entrega ao “espírito de pastor”; como também os mal-intencionados se aproveitam e tiram as carnes do rebanho.

De fato, o ministério pastoral, ou episcopal, ou apostólico, ou de qualquer outra natureza —, já carregam em si o germe do poder desse imantamento espiritual.

As pessoa olham para qualquer desses “seres” — “ungidos” formalmente para tais posições —, como “ungidos do Senhor”; aqueles contra os quais não se pode ter uma opinião, pois, em assim sendo, Deus mesmo punirá os “rebeldes”, ou “hereges”, ou “desviados”.

Imagine quanto poder isto significa!

Ali está um homem que é visto como “o homem de Deus” no meio dos demais homens “normais”, e, de tal projeção, pode nascer apenas o “pastor clerical”, como também pode nascer o “Apóstolo Nabuco”: uma espécie de “Pai Abraão” evangélico!

Eu tenho por certo que todos os modos de clericalismo são malignos em relação a saúde do indivíduo que carrega o peso totêmico dessa “posição”.

Também tenho convicção de que eles também criam a força pela qual o totem não muda para não morrer; e, porque ele não muda, as pessoas morrem porque ficam paralisadas, incapazes de viver.

O ciclo é maligno!

Por esta razão tenho a mesma convicção no que diz respeito à comunidade. Sim, porque enquanto ela vê o líder com tais olhos, ela não cresce; ao contrário, se infantiliza; e jamais aprende a andar com as próprias pernas.

Ora, o verdadeiro pastor cuida, não domina; ajuda, não controla; alimenta,
não explora; só se faz notado em caso absolutamente necessário; e deixa a porta aberta, de tal modo que todos entram e saem e acham pastagem. Além disso, ele tem uma relação pessoal com cada um delas.

A analogia do Bom Pastor em João 10, todavia, é perfeita no seu todo apenas em relação a Jesus, e a mais ninguém. Isto porque em relação a Jesus todos nós somos apenas ovelhas do rebanho. Porém, em relação a nenhum “outro pastor”, nós devemos ser “ovelhas do rebanho”; posto que ser ovelha de Jesus já nos põe na condição de só ouvir a voz de um homem se ela for de acordo com a Voz do Único Pastor; do contrário, a ordem de Jesus é para não “seguir a voz do estranho”.

Portanto, o verdadeiro pastor de homens, é apenas um deles. Sim, apenas mais um do rebanho único, sendo apenas uma ovelha que já se deixou ensinar um pouco mais pela voz do Único Pastor. É na Sua fidelidade e reconhecimento à Voz do Pastor que ele se qualifica para ser pastor entre ovelhas, pois, conforme Pedro, ele se torna “modelo do rebanho”.

Assim, é o caminho da ovelha seguindo o Pastor, o que a torna uma ovelha-pastor; visto que seu passo e obediência estabelecem referencia para as demais.

O problema é que maioria dos “pastores” pensam que eles são os “Jesuses” da comunidade; e, diferentemente de Jesus, tornam-se nos mercenários e nos lobos que não amam as ovelhas, mas apenas os privilégios e poderes que dela “arrancam”.

E o problema também é que a “igreja”, por ser pagã ainda em sua essência, precisa desses “pastores tiranos”, pois, como associam a “figura clerical” ao “representante de Deus”, sentem-se objeticamente mais seguras se têm um Déspota dizendo o que fazer, o que não fazer, com quem casar ou não, e quem é quem.

Eu jamais chegaria a nenhum desses extremos pela minha própria natureza e consciência do Evangelho. Todavia, eu mesmo fui notando como eu fui suave e gradativamente mudando, sempre de modo amoroso e meigo, porém, imantadamente reverendíssimo.

“Não é assim entre vós!”—disse Jesus!

Foi por esta razão que Jesus tirou as roupas de cima e se cingiu de uma toalha e passou a lavar os pés dos discípulos. Sim, porque liderar é sobretudo poder lavar pés e servir em nudez.

Na realidade, além de tudo o que o gesto de Jesus ensina, nele também vemos o modelo existencial do significado da liderança conforme Jesus, e, também, da consciência que precisam aprender os liderados.

O líder serve em revelação de sua humanidade. E os liderados são servidos aceitando a humanidade de quem lidera servindo de modo humano.

E Jesus disse a Pedro que ou seria assim, ou Pedro não teria parte com Ele!

Somente quando os líderes tiverem a coragem de fazer como Paulo e Barnabé, que rasgaram as roupas e expuseram sua nudez quando foram chamados de “deuses”, é que aqueles que crerem no que as lideranças disserem, não ficarão ainda mais adoecidas de idolatria.

Hoje é contrário: os líderes fazem tudo para passar por deuses; e, o povo, vai adoecendo, apenas trocando de “pai-de-santo”; ou de pajé; ou de sacerdote; —porém existindo sob a escravidão da espiritualidade da idolatria; adorando e servindo a criatura, mesmo que se vistam de pastores, bispos, apóstolos ou pai-póstolos.

Caio

Comentários