ESCOLAS PSICANALÍTICAS

O tempo (Foto: spsicologos.com)
O tempo (Foto: spsicologos.com)

Maria Helena Barbosa Chiappetta

Neste resumo, faremos uma descrição breve, mas abrangente, de algumas escolas psicanalíticas, a saber, as de Freud, Jung e Lacan. Concluímos com a apresentação dos métodos, técnicas e abordagens da psicanálise.

O que é psicanálise? Uma definição

A psicanálise é um tipo de análise que visa a liberar emoções e memórias reprimidas para levar o paciente à catarse ou à cura. Em outras palavras, o objetivo da psicanálise é trazer à consciência o que existe no nível inconsciente ou subconsciente. Esse objetivo é alcançado conversando com outra pessoa sobre as grandes questões da vida, as coisas que importam, e mergulhando nas complexidades que existem por trás da superfície de uma aparência simples.

A. Escolas psicanalíticas

  1. O fundador da psicanálise: Sigmund Freud e seus conceitos

Há um fato curioso a respeito da nacionalidade do pai da Psicanálise Sigmund S. Freud. De fato, ele é considerado austríaco pois nasceu em localidade pertencente na época de seu nascimento ao Império Austríaco em 6 de maio de 1856, no vilarejo denominado de Freiberg in Mähren, mas que atualmente é chamada de Příbor e pertencente à República Tcheca. Entrou na escola de medicina e treinou para se tornar um neurologista, obtendo o diploma de médico em 1881.

Logo após a formatura, estabeleceu um consultório particular e começou a tratar pacientes com distúrbios psicológicos. Sua atenção foi capturada pela experiência intrigante de um colega com uma paciente. O colega era o Dr. Josef Breuer, e sua paciente era a famosa “Anna O.”, que apresentava sintomas físicos sem causa física aparente. O Dr. Breuer descobriu que os sintomas dela diminuíram quando ele a ajudou a recuperar memórias de experiências traumáticas que ela reprimiu ou escondeu de sua mente consciente.

Esse caso despertou o interesse de Freud pela mente inconsciente e estimulou o desenvolvimento de algumas de suas ideias mais influentes.

Modelos da mente

Talvez a ideia mais surpreendente apresentada por Freud tenha sido seu modelo da mente humana. Seu modelo divide a mente em três camadas ou regiões: 1. Consciente: onde vivem nossos pensamentos, sentimentos e foco atuais; 2. Pré-consciente (às vezes chamado de subconsciente): é o lar de tudo o que podemos recuperar ou recuperar de nossa memória; 3. Inconsciente: no nível mais profundo de nossas mentes reside um repositório dos processos que orientam nosso comportamento, incluindo desejos primitivos e instintivos.

Posteriormente, Freud propôs um modelo mais estruturado da mente, que pode coexistir com suas ideias originais sobre consciente e inconsciente. Neste modelo, existem três partes metafóricas da mente:

  • Id: funciona em um nível inconsciente e se concentra apenas em impulsos e desejos instintivos. Dois instintos biológicos constituem o id, de acordo com Freud: eros, ou o instinto de sobrevivência que nos leva a participar de atividades de manutenção da vida, e thanatos, ou o instinto de morte, que leva a um comportamento destrutivo, agressivo e violento.
  • Ego: atua como um canal e controle da identificação, trabalhando para satisfazer as necessidades da identidade de uma forma socialmente apropriada. É o mais vinculado à realidade e começa a se desenvolver na infância;
  • Superego: O superego é a parte da mente em que residem a moralidade e os princípios superiores, encorajando-nos a agir de forma social e moralmente aceitável.

Mecanismos de defesa

Freud acreditava que essas três partes da mente estão em conflito constante porque cada parte tem um propósito principal diferente. Às vezes, quando o conflito é demais para uma pessoa lidar, seu ego pode se envolver em um ou mais mecanismos de defesa para proteger o indivíduo. Esses mecanismos de defesa incluem:

Repressão: o ego empurra pensamentos perturbadores ou ameaçadores para fora da consciência; Negação: o ego bloqueia experiências perturbadoras ou avassaladoras da consciência, fazendo com que o indivíduo se recuse a reconhecer ou acreditar no que está acontecendo; Projeção: o ego tenta resolver o desconforto atribuindo os pensamentos, sentimentos e motivos inaceitáveis do indivíduo a outra pessoa; Deslocamento: o indivíduo satisfaz um impulso agindo sobre um objeto ou pessoa substitutos, de forma socialmente inaceitável (por exemplo, liberando a frustração dirigida a seu chefe para seu cônjuge); Regressão: como mecanismo de defesa, o indivíduo regride no desenvolvimento para lidar com o estresse (por exemplo, um adulto oprimido agindo como uma criança); 3 Sublimação: Semelhante ao deslocamento, este mecanismo de defesa envolve a satisfação de um impulso agindo em um substituto, mas de uma forma socialmente aceitável (por exemplo, canalizando energia para o trabalho ou um hobby construtivo).

Os 5 estágios de desenvolvimento psicossexuais

Finalmente, um dos conceitos mais duradouros associados a Freud é aquele dos estágios psicossexuais. Freud propôs que as crianças se desenvolvam em cinco estágios diferentes, cada um focado em uma fonte diferente de prazer: Primeiro estágio: oral: a criança busca o prazer da boca (por exemplo, chupar); Segundo estágio: anal: a criança busca prazer no ânus (por exemplo, reter e expelir fezes); Terceiro estágio: Fálico: a criança busca prazer no pênis ou clitóris (por exemplo, masturbação); Quarto estágio: latente: a criança tem pouca ou nenhuma motivação sexual; Quinto estágio: genital: a criança busca prazer no pênis ou na vagina (por exemplo, relação sexual).

Freud formulou a hipótese de que um indivíduo deve completar com sucesso cada estágio para se tornar um adulto psicologicamente saudável, com um ego e um superego totalmente formados. Caso contrário, a pessoa pode ficar presa ou “fixada” em um determinado estágio, causando problemas emocionais e comportamentais na vida adulta.

 A interpretação dos sonhos

Outro conceito conhecido de Freud foi sua crença no significado dos sonhos. Ele acreditava que analisar os sonhos de alguém pode fornecer informações valiosas sobre a mente inconsciente. Em 1900, Freud publicou o livro A Interpretação dos Sonhos, no qual formulou a hipótese de que o objetivo principal dos sonhos era proporcionar aos indivíduos a realização de seus desejos, permitindo-lhes resolver alguns de seus problemas reprimidos em uma situação livre de consciência, da realidade. Neste livro, ele também distinguiu entre o conteúdo manifesto (o sonho real) e o conteúdo latente (o significado verdadeiro ou oculto por trás do sonho). O propósito dos sonhos é traduzir desejos proibidos e desejos tabus de forma não ameaçadora por meio da condensação (união de duas ou mais ideias), do deslocamento (transformação da pessoa ou objeto que nos interessa em algo ou em outra pessoa), e elaboração secundária (o processo inconsciente de transformar imagens ou eventos de realização de desejos em uma narrativa lógica).

As ideias de Freud sobre os sonhos mudaram o jogo. Antes de Freud, os sonhos eram considerados vagas insignificantes e insensíveis da mente em repouso. Seu livro despertou um novo nível de interesse pelos sonhos, um interesse que continua até hoje.

  1. Psicologia Junguiana: Carl Jung

O trabalho de Freud foi continuado, embora de forma alterada, por seu aluno Carl Jung, cujo tipo particular de psicologia é conhecido como psicologia analítica. O trabalho de Jung formou a base para a maioria das teorias e conceitos psicológicos modernos.

Jung e Freud compartilhavam um interesse pelo inconsciente e trabalharam juntos em seus primeiros dias, mas algumas divergências importantes encerraram sua associação e permitiram que Jung dedicasse totalmente sua atenção à sua nova teoria psicanalítica.

As três principais diferenças entre a psicologia freudiana e a psicologia junguiana (ou analítica) estão relacionadas a:

Natureza e propósito da libido: Jung via a libido como uma fonte geral de energia psíquica que motivava uma ampla gama de comportamentos humanos, do sexo à espiritualidade e à criatividade, enquanto Freud a via como energia psíquica que impulsiona apenas à gratificação sexual;

Natureza do inconsciente: enquanto Freud via o inconsciente como um depósito para os desejos reprimidos socialmente inaceitáveis de um indivíduo, Jung acreditava que era mais um depósito para as memórias reprimidas do indivíduo, ao que ele chamou de inconsciente coletivo ou transpessoal (um nível de inconsciente compartilhado com outros humanos, que é composto de memórias latentes de nossos ancestrais);

Causas do comportamento: Freud viu nosso comportamento como causado apenas por experiências passadas, especialmente as da infância, enquanto Jung acreditava que nossas aspirações futuras também têm um impacto significativo em nosso comportamento. 

  1. Psicanálise lacaniana: Jacques Lacan

Em meados dos anos 1900, o psicanalista francês Jacques Lacan clamou por um retorno à obra de Freud, mas com um foco renovado no inconsciente e uma atenção maior à linguagem. Lacan baseou-se fortemente em seu conhecimento de linguística e acreditava que a linguagem era uma peça muito mais importante do quebra-cabeça do desenvolvimento do que Freud supunha.

Existem três conceitos-chave da psicanálise lacaniana que a distinguem da análise da fala original de Freud: Real, Ordem Simbólica, Estádio do Espelho.

Real: enquanto Freud via o simbólico como um indicador da mente inconsciente de uma pessoa, particularmente nos sonhos, Lacan teorizou que “o real” é na verdade o nível mais fundamental da mente humana. Segundo Lacan, existimos “no real” e experimentamos a ansiedade porque não podemos controlá-la. Ao contrário do simbólico, proposto por Freud e que pode ser acessado por meio da psicanálise, o real não pode ser acessado. Uma vez que aprendemos e entendemos a linguagem, separamo-nos completamente da coisa real. Ele o descreve como o estado de natureza, no qual só há necessidade de comida, sexo, segurança, etc.

Ordem simbólica: a ordem simbólica de Lacan é uma das três ordens nas quais conceitos, ideias, pensamentos e sentimentos podem ser colocados. Nossos desejos e emoções vivem na ordem simbólica, e é aqui que são interpretados, se possível. Conceitos como morte e ausência podem ser integrados à ordem simbólica porque temos pelo menos algum senso de compreensão deles, mas eles podem não ser totalmente interpretados. Depois que aprendemos uma linguagem, passamos do real ao simbólico, e não podemos voltar ao real. O real e o simbólico são duas das três ordens que vivem em tensão uma com a outra; a terceira é a ordem imaginária.

Estádio do espelho: Lacan propôs que há um importante estágio de desenvolvimento que Freud não conhece como “estádio do espelho”. Esse estágio apropriadamente denominado “do espelho”, começa quando os bebês olham para sua própria imagem no espelho. A maioria dos bebês fica fascinada com a imagem que vê no espelho e pode até tentar interagir com ela. Mas, eventualmente, eles percebem que a imagem que estão vendo é a de si mesmos. Depois de perceber esse fato fundamental, a criança incorpora o que vê em seu senso de “eu” ou senso de identidade. Nesta fase jovem, a imagem que se vê pode não corresponder à compreensão interna do eu físico, caso em que a imagem se torna um ideal pelo qual a criança se empenha à medida que se desenvolve.

  1. Psicanálise: métodos e técnicas

Perspectiva Psicanalítica: na abordagem psicanalítica, o foco está na mente inconsciente, e não na mente consciente. Baseia-se na ideia fundamental de que o comportamento é determinado pelas experiências do passado que estão alojadas na mente inconsciente. Embora o foco no sexo tenha diminuído ao longo das décadas desde que a psicanálise foi fundada, a psicologia e a psicanálise ainda dão grande ênfase às experiências da primeira infância.

Métodos e Técnicas: Um psicanalista pode usar muitas técnicas diferentes, mas existem quatro componentes básicos que compreendem a psicanálise moderna: 1. Interpretação; 2. Análise de transferência; 3. Neutralidade técnica; 4. Análise de contra transferência.

    1. Interpretação: é a comunicação verbal entre analistas e pacientes, na qual eles analisam suas hipóteses sobre os conflitos inconscientes de seus pacientes. Em geral, os analistas ajudam os pacientes a ver os mecanismos de defesa que estão usando e o contexto dos mecanismos de defesa, ou a relação impulsiva contra a qual o mecanismo foi desenvolvido e, finalmente, a motivação do paciente para esse mecanismo.

Existem três classificações de interpretação: a) Esclarecimento, no qual o analista tenta esclarecer o que está acontecendo na consciência do paciente; b) Confronto, que traz à sua consciência aspectos não verbais do comportamento do paciente; c) Interpretação propriamente dita, que se refere à hipótese proposta pelo analista do significado inconsciente que relaciona todos os aspectos da comunicação do paciente entre si.

2. Análise de transferência: transferência é o termo para indicar a repetição inconsciente no “aqui e agora” dos conflitos anteriores do paciente. A análise de transferência refere-se à análise sistemática das implicações da transferência das manifestações verbais e não verbais totais do paciente, bem como dos esforços comunicativos diretos e implícitos do paciente para influenciar o analista em uma determinada direção. Essa análise da transferência do paciente é um componente essencial da psicanálise e o principal impulsionador da mudança no tratamento. Na análise de transferência, o analista toma nota de todas as comunicações, verbais e não verbais, o paciente se engaja e desenvolve uma teoria sobre o que levou aos mecanismos defensivos que ele implementa. Essa teoria forma a base de qualquer tentativa de mudar o comportamento ou caráter do paciente.

3. Neutralidade técnica: outra parte vital da psicanálise é o que se conhece como neutralidade técnica, ou compromisso do analista em permanecer neutro e evitar tomar partido nos conflitos internos do paciente; o analista se esforça para permanecer a uma distância igual da identificação do paciente, do ego e do superego, e da realidade externa do paciente. Além disso, a neutralidade técnica exige que o analista se abstenha de impor seus sistemas de valores ao paciente. A neutralidade técnica às vezes é vista como indiferença ou desinteresse pelo paciente, mas esse não é o objetivo; em vez disso, os analistas pretendem servir de espelho para seus pacientes, refletindo as próprias características, suposições e comportamentos dos pacientes para ajudá-los a se entenderem melhor.

4. Análise de contratransferência: é a análise das reações do analista aos pacientes e do material que eles apresentam nas sessões. A análise de contratransferência pode geralmente ser entendida como as tentativas do analista de analisar suas próprias reações ao paciente, qualquer que seja a forma que assumam. Para participar do tratamento psicanalítico, o analista deve ver o paciente objetivamente e compreender a transferência que ocorre no paciente e em sua própria experiência.

 

Bibliografia

LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1992. . [1923/1925].

____________. O ego e o id e outros trabalhos. In Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad.) (Vol. 19, pp. 129-162). Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1976.

ZIMERMAN, David E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica: uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed, 2007.

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Helena Chiappetta
Maria HELENA Barbosa CHIAPPETTA é Psicanalista Clínica pela ABRAPSI. É Psicóloga Clínica (CRP - 02/22041), é também Neuropsicóloga. É Avaliadora Datista CORETEPE (CRTP-1041). Tem Especialização em: Psicanálise, Psicopatologia e Saúde Mental; Terapia Familiar; Arteterapia; Psicopedagogia Clínica e Institucional, e em Ciências da Religião; Licenciatura em Filosofia e em Pedagogia, além do Bacharelado em Teologia. É Bacharelanda em Psicanálise. Atualmente é Docente no SEID Nordeste e SEID Uberlândia. É Professora Convidada no Curso de Formação em Psicanálise da SNTPC. Tem experiência como docente de Hebraico Bíblico, Psicanálise e Teoria Analítica, Educação Religiosa, Artes, Teologia com ênfase em Ciências da Religião Aplicada e Liderança Institucional. Dedica-se ao estudo das neuroses atuais. É colunista deste Portal Folha Gospel. E-mail: helena.chiappetta@icloud.com Instagram profissional: @h.chiappetta
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